José do Vale: Andando sobre os escombros da ordem mundial

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Fotos: Reprodução de vídeo, Simaya Villela/Agência Brasil e Alexandre Aroeira/Folha de PE (reprodução)

ANDANDO SOBRE OS ESCOMBROS DA ORDEM MUNDIAL

Por José do Vale Pinheiro Feitosa*, especial para o Viomundo

Duas coisas se extraem do título: se andamos é porque estamos vivos e, se o fazemos em cima de escombros, houve houve a queda do edifício da ordem mundial.

Como era o edifício desta ordem?

Um país hegemônico financeiramente controlador, de forças armadas poderosas, com uma população vivendo uma ilusão consumista, sustentava a ordem em permanente conflitos de invasão territorial e destruição de governos para atender a ganância do fetiche da boa vida.

Para que a hegemonia funcionasse, atendendo à sua grande demanda de meios materiais, rompeu com os princípios da social-democracia e, no lugar, implantou o neoliberalismo, centralizando meios sob o comando do seu sistema financeiro (a matriz do seu poder monetário).

A concentração reforçou o principal mecanismo da ordem mundial: o lucro e o crescimento do capital  baseados numa concorrência que desconsidera a realidade coletiva, resumindo-se à permanente destruição de estruturas econômicas substituídas por um suposto sucesso alienado da realidade do povos.

A concentração se materializou como concentração de renda e na contradição do que se imaginava fosse um sistema. Na verdade, passou a ser concentração de poder em indivíduos constituídos numa casta incapaz de enfrentar os desafios da história.

Suponhamos que isso tudo seja teoria de um sujeito já afeito a essas teses da história.

Quer dizer, suponhamos que não há escombros, eles sejam apenas imaginados.

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Vamos fazer, então, um exercício sobre a Organização da Nações Unidas (ONU), extraindo principais registros do mês de maio.

Crise econômica ampla

Com aumento de preços, inflação e inadimplência com suas dívidas. Os países estão sem recursos para enfrentar os desafios recentes dos aumentos de custos da principais commodities mundiais.

Diz a ONU: “o mundo não está em um bom lugar”.

De acordo com a Organização Internacional do Trabalho (OIT), atualmente há menos 112 milhões de empregos de tempo integral do que havia antes pandemia de covid-19.

No entanto, os países estão em apuros e esses empregos não foram recuperados, embora se visse alívio no último trimestre de 2021. No primeiro trimestre de 2022, o número de horas de trabalho caiu significativamente.

As economias menos industrializadas sofreram reveses do primeiro trimestre do ano me empregos de tempo integral.

Segundo o Monitor sobre o Mundo do Trabalho da OIT, os rendimentos ainda não se recuperaram, sendo que  três em cada cinco trabalhadores viviam em países onde seus salários permaneceram abaixo do que ganharam no último trimestre de 2019.

As famílias pobres e as pequenas empresas na economia informal continuam gravemente prejudicadas tanto pelo rescaldo da covid-19 quanto pelo aumento dos preços de alimentos e commodities.

Apenas para se ter uma visão das dimensões do desafio: mais de 33 milhões de novos empregos precisam ser criados até 2030 só na região do Oriente Médio e Norte da África.

Alterações climáticas, guerras e crise econômica levam à fome

As secas destróem plantações, levam a migrações, aumentam a disputa por terras e recursos hídricos e causam fome.

Sobre a região do Chifre da África, especialmente na Somália, a ONU diz: “mais de 286 mil pessoas foram expulsas de suas casas  após o fracasso de suas plantações e mortes de animais devido à seca. Mais de 1.100 escolas estão total ou parcialmente fechadas, deixando as jovens especialmente vulneráveis à violência sexual e física e coerção, trabalho infantil e casamento precoce”.

Secas prolongadas, a pandemia de covid-19 e as invasões de gafanhotos nas plantações agravaram o problema da fome em 2020-2021. Para piorar a situação, a FAO teme que a assistência não chegue a tempo e a fome irrompa em diversas populações.

Etiópia, Quênia e Somália sofrem os efeitos de três estações chuvosas fracassadas. Estima-se que 13 milhões tenham ameaça de fome.

O secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, estima que o número de pessoas severamente inseguras em alimentos dobrou em apenas dois anos. De 135 milhões antes da pandemia saltou para 276 milhões hoje, com mais de meio milhão experimentando condições de fome – um aumento de mais de 500% desde 2016.

O papel da guerra da Ucrânia

A situação se parece com aquele dedo do pé esfolado que, a cada topada num obstáculo, parece ser a causa do seu estado. A ONU diz que a crise ambiental, econômica e alimentar tem muito peso pela guerra da Ucrânia.

Segundo o secretário-geral da ONU, “Agora, a guerra na Ucrânia está amplificando e acelerando todos esses fatores: mudança climática, covid-1919 e desigualdade.”

Diversas fontes, especialmente da Europa, afirmam que a Ucrânia e a Rússia produzem quase um terço do trigo e cevada do mundo e metade de seu óleo de girassol.

Rússia e Bielorrússia são dois de três produtores mundiais de potássio, um ingrediente chave do fertilizante.

Para lideranças da ONU e Europa, “a guerra ameaça derrubar dezenas de milhões de pessoas sobre a insegurança alimentar, seguida pela desnutrição em massa e fome, em uma crise que pode durar anos. No último ano, os preços globais dos alimentos subiram quase um terço, os fertilizantes em mais da metade e os preços do petróleo em quase dois terços”.

O que diz o presidente da Rússia

Vladimir Putin, presidente da Rússia, contesta, uma a uma, as falas de lideranças americanas e europeias:

“O mundo produz cerca de 800 milhões de toneladas de grãos de trigo por ano. Agora nos disseram que a Ucrânia está pronta para exportar 20 milhões de toneladas. Assim, 20 milhões de toneladas de 800 milhões de toneladas equivalem a 2,5%”.

“O trigo representa apenas 20% de todos os produtos alimentícios do mundo – e este é o caso, este não é o nosso dado, vem da ONU – isso significa que essas 20 milhões de toneladas de trigo ucraniano são apenas 0,5%, praticamente nada”.

“20 milhões de toneladas de trigo ucraniano são exportações potenciais. Hoje, os órgãos oficiais dos EUA também dizem que a Ucrânia poderia exportar seis milhões de toneladas de trigo. De acordo com o Ministério da Agricultura, o número correto não é seis, mas cerca de cinco milhões de toneladas. Mas ok, vamos supor que sejam seis, além de poder exportar sete milhões de toneladas de milho. Este é o número do nosso Ministério da Agricultura. Sabemos que isso não é muito”.

Putin acrescenta: as sanções europeias à Rússia estão prejudicando este ano as exportações de 37 milhões de toneladas de trigo, da safra 2021-2022. Além de 50 milhões de toneladas da safra 2022-2023, poderiam ser exportadas.

Guerras

A dimensão da guerra da Ucrânia reflete a própria importância que os europeus se dão.

Tanto que, segundo o noticiário da ONU no último mês de maio, são reportadas conflitos sociais armados e guerras no seguintes países: Mali, Congo, Iêmen, Líbia, Síria, Sudão, Haiti, Iraque, Bósnia e Herzegovina, Niger, Sri Lanka.

Refugiados

Crise ambiental, econômica, guerras e conflitos sociais levam ao deslocamento de enormes contingentes das populações.

Segundo o último relatório da ONU, houve um “recorde de 59,1 milhões de pessoas deslocadas dentro de suas terras em 2021, ou 4 milhões a mais do que em 2020.

Na semana passada, o chefe da crise da Ucrânia, Amin Awad, informou que naquele país 8 milhões de pessoas foram deslocadas internamente e outros 6 milhões foram para o exterior, inclusive para a Rússia. Portanto, são 15 milhões de pessoas deslocadas.

Clima

É consenso que a emergência climática é um forte motor da fome global.

De acordo com a ONU:

— 1,7 bilhão de pessoas foram afetadas por desastres climáticos extremos e climáticos na última década;

— mais de 3 bilhões de pessoas são afetadas por ecossistemas degradados;

— a poluição causa cerca de 9 bilhões de mortes prematuras de animas e mais de 1 milhão de espécies vegetais. Animais correm o risco de extinção.

Estima-se que cerca da metade da humanidade já vive em zona de perigo climático, tendo 15 vezes mais chances de morrer por impactos climáticos, como calor extremo, inundações e secas.

O dado mais catastrófico: estimam-se que as temperaturas globais rompam o limites do Acordo de Paris de 1,5ºC nos próximos 5 anos.

Em consequência, 200 milhões de pessoas correm o risco de mudar de lugar por perturbações climáticas.

O oceano é o maior ecossistema do planeta terra. Regula o clima, fornece meios e subsistência para bilhões. Cerca de 680 milhões de pessoas vivem em zonas costeiras baixas, chegando a 1 bilhão em 2050.

Crise energética, alimentar e financeira

São esses os escombros sobre os quais andamos.

E, por mais dramática seja a história recente do povo ucraniano, há um outro dado fundamental: o consumo excessivo nos países mais ricos do mundo está criando condições insalubres, perigosas e tóxicas para toda a humanidade.

Agora mantendo o nosso andar. Ele não pode ser de reconstrução da mesma ordem. A humanidade está diante de grandes desafios da própria natureza dos conteúdos de sua história.

Leia também:

J. Carlos de Assis: Guerra ao neoliberalismo no Brasil

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