Mino Carta: Já não se fazem gênios como antigamente?

Tempo de leitura: 3 min

por Mino Carta, em CartaCapital

Já não se fazem gênios como antigamente? Digamos, seria possível um Michelangelo Buonarroti, o artista- símbolo da Renascença, nos dias de hoje? Hoje contamos com Cildo Meireles, que toma conta de um inteiro andar da XI Bienal de Lyon, aplaudida pelo Le Monde em um suplemento de quatro páginas.

A Renascença marca o começo da modernidade com absoluta primazia na Itália, onde, a rigor, começa no século- XIV, com Dante, Petrarca, Boccaccio, Giotto e os Pisano, e alcança a Europa cento e muitos anos depois, quando Michelangelo nasce no apogeu da arte toscana. A Editora Unicamp acaba de publicar a tradução de Vida do gênio de Caprese, de autoria de Giorgio Vasari, na esmerada tradução de Luiz Marques, que também assina impecáveis textos de introdução e comentário.

Vasari foi amigo de Michelangelo, antes de ser pintor foi também o primeiro historiador da arte, ao completar com essa biografia uma obra ciclópica intitulada Vidas dos Mais Insignes Pintores, Escultores e Arquitetos, de Cimabue aos Dias de Hoje, publicada em 1550. Precipito-me de todo modo a sublinhar: seria simplesmente ridículo comparar Michelangelo com Cildo Meireles. Aqui não se cogita de confrontar talentos díspares e sim tempos brutalmente diversos. A Renascença não apresenta a mais tênue semelhança com os nossos dias, de crise mundial muito além de econômica.

Se o assunto é artes plásticas, vale registrar a evidência: desde os pintores rupestres das cavernas da Dordonha, 30 mil anos antes de Cristo, até Francis Bacon, o artista cuidou de representar e interpretar a realidade que o cerca. E me vem à memória Pietro Maria Bardi, polegares introduzidos debaixo das tiras do suspensório tornadas raízes para impedi-lo de levantar voo. Folheia o catálogo de uma exposição de Lucien Freud e diz, olhos arregalados, tom de deleite: “Este é um pintor!” Um artista no sentido profundo, agudo intérprete do seu tempo.

A arte, ensinou-me meu pai, além de jornalista dava aulas nessa matéria, a arte “é um fenômeno sociológico”. Espelha a quadra em que se manifesta. Ou por outra, não há qualidade se a qualidade falta em geral. Há uma conexão transparente entre todas as atividades humanas praticadas no mesmo momento, e a Renascença é extraordinário momento de mudança e renovação. A turva, aturdida hora que vivemos agora é de decadência. O mundo se esvai em suas contradições e carências, servo dos interesses de grupelhos, a acentuar disparidades cada vez maiores, materiais e morais.

A crise não é somente econômica, bem sabemos. Jean Clair, o mais importante crítico de arte francês, enxerga qualidade apenas na música e na dança. Haverá quem alegue o avanço científico e tecnológico. Está claro, contudo, que a prepotência e a desfaçatez de um punhado de semelhantes são o denominador comum da desgraça nos mais diversos domínios. Charlatães sempre houve, nunca, no entanto, o engodo foi institucionalizado urbi et orbi como a bênção do papa.

Vende-se fumaça em todos os níveis e em todas as instâncias, muito além dos mercados financeiros onde vigora a crença de que o ideal é produzir dinheiro em vez de bens e serviços. Aplicado à arte, por exemplo, o mesmo conceito produz as chamadas instalações, ou penosas e anacrônicas tentativas de imitar Duchamp, ou desabrida manifestação do nada. Os artistas ditos contemporâneos quando muito produzem bordados e tecidos de tapeçaria, brinquedos infantis ou mesmo o vácuo de Torricelli.

Perdoe o leitor se retorno a Michelangelo, exemplo máximo de uma arte que, em todas as suas maneiras de ser, representava o resumo, a síntese, a essência do seu tempo. Ao esculpir, ao pintar, ao criar novas formas arquitetônicas, Michelangelo estabelecia uma ligação exaltante, ética e estética, entre o pensamento e os costumes da época e a tornava eterna.

Hoje vende-se fumaça, cujo destino é dissolver-se no ar, sem deixar de ofender contingentemente a razão, quando não de provocar tragédias globais, no mínimo dramas. E não há como não comparar os marchands com os manipuladores do jogo financeiro, e com todos os demais adoradores do deus mercado.

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Comentários

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Sônia

2
Há bons artistas fazendo das instalações, arte pública, como Christo e Jeanne-Claude preferem denominar sua arte, e que são bons exemplos de atuação para resgatar o olhar humano, desvelar o cotidiano encoberto pela rotina e pelo massacre das imagens insignificantes da publicidade. Esta forma de arte é também válida como Arte de sua época, com todos os seus conflitos éticos, políticos e estéticos, e definem, apontam as questões da sociedade na qual vivemos. Anselm Kiefer, artista alemão, Eduardo Sued, Ligia Clark brasileiros, são apenas alguns cuja obra dá conta de demonstrar que há ainda saúde e sangue na arte nessa barafunda que é o nosso mundo.

SôniaG.

1
A arte não morreu, está apenas sem muita saúde. Graças ao mercado e os marchands (que também havia na Renascença, com as bênçãos e intervenções descabidas do Papa) embora não imersos num mundo tão maluco e voraz como o nosso, que tira a Arte da pauta transformando-a numa mercadoria qualquer. No entanto, a revelia desse mesmo mercado, convivemos, o que é saudável, com as formas tradicionais de arte, como a pintura, o desenho, a escultura, mais a vídeo arte, as performances, a web arte, etc, e… as Instalações, tudo ao mesmo tempo, e sem preconceito. Busca de renovação, de atualização que dê conta de um mundo tecnológico e primitivo ao mesmo tempo.

Horácio Santos Féres

O que há de instigante nesse artigo é o que seu pai ensinou-lhe sobre o fato de que arte é o reflexo direto do meio/ momento…e como estamos despencando ladeira abaixo, arrastados pelos tacanhos ianques, (que só pensam naquilo $$$$$), ao apocalipsce final, só nos resta observar a total derrocada…mas com aquele gostinho de quem nunca acreditou nas mentiras seculares impostas pelos poderosos de plantão…

Daniel Alves

Bom, os textos do Mino, com sua simplicidade, interpretam o nosso tempo atual.

Já não se fazem gênios como antigamente? « Blog do EASON

[…] Publicado no Vi O Mundo de Luiz Carlos Azenha […]

Fred

Só eu vi também uma crítica ao endeusamento de Steve Jobs? O homem que dizia não se envergonhar de roubar boas idéias?

Desconfio que o status de quase deus conquistado pelo falecido está diretamente ligado ao valor de mercado da Apple.

    FrancoAtirador

    .
    .
    A morte de Steve Jobs, o inimigo número um da colaboração

    Por Rodrigo Savazoni, na NovaE

    Steve Jobs morreu, após anos lutando contra um câncer que nem mesmo todos os bilhões que ele acumulou foram capazes de conter. Desde ontem, após o anúncio de seu falecimento, não se fala em outra coisa. Panegíricos de toda sorte circulam pelos meios massivos e pós-massivos. Adulado em vida por sua genialidade, é alçado ao status de ídolo maior da era digital. É inegável que Jobs foi um grande designer, cujas sacadas levaram sua empresa ao topo do mundo. Mas há outros aspectos a explorar e sobre os quais pensar neste momento de sua morte.

    Jobs era o inimigo número um da colaboração, o aspecto político e econômico mais importante da revolução digital. Nesse sentido, não era um revolucionário, mas um contra-revolucionário. O melhor deles.

    Com suas traquitanas maravilhosas, trabalhou pelo cercamento do conhecimento livre. Jamais acreditou na partilha. O que ficou particularmente evidente após seu retorno à Apple, em 1997. Acreditava que para fazer grandes inventos era necessário reunir os melhores, em uma sala, e dela sair com o produto perfeito, aquele que mobilizaria o desejo de adultos e crianças em todo o planeta, os quais formam filas para ter um novo Apple a cada lançamento anual.

    A questão central, no entanto, é que o design delicioso de seus produtos é apenas a isca para a construção de um mundo controlado de aplicativos e micro-pagamentos que reduz a imensa conversação global de todos para todos em um sala fechada de vendas orientadas.

    O que é a Apple Store senão um grande shopping center virtual, em que podemos adquirir a um clique de tela tudo o que precisamos para nos entreter? A distopia Jobiana é a do homem egoísta, circundado de aparelhos perfeitos, em uma troca limpa e “aparentemente residual”, mediada por apenas uma única empresa: a sua. Por isso, devemos nos perguntar: era isso que queríamos? É isso que queremos para o nosso mundo?

    Essa pergunta torna-se ainda mais necessária quando sabemos que existem alternativas. Como escreve o economista da USP, Ricardo Abramovay, em resenha sobre o novo livro do professor de Harvard Yochai Benkler The Penguin and the Leviathan, a cooperação é a grande possibilidade deste nosso tempo.

    “Longe de um paroquialismo tradicionalista ou de um movimento alternativo confinado a seitas e grupos eternamente minoritários, a cooperação está na origem das formas mais interessantes e promissoras de criação de prosperidade no mundo contemporâneo. E na raiz dessa cooperação (presente com força crescente no mundo privado, nos negócios públicos e na própria relação entre Estado e cidadãos) estão vínculos humanos reais, abrangentes, significativos, dotados do poder de comunicar e criar confiança entre as pessoas.”

    Colaboração: essa, e não outra, é a palavra revolucionária. E Jobs não gostava dela.

    http://novae.inf.br/site/modules.php?name=Conteud

    Maria Luiza

    Isso faz lembrar o paradoxo Tostines. Então, façamos o mesmo raciocínio: A Aple vende mais porque Steve Jobs era um gênio ou Steve Jobs é um gênio porque a Aple vende mais?

Luiz Fortaleza

Não é fácil calar Marx… não se nega Cristo por causa dos cristianismos e não se nega Marx por causa dos marxismos.

abacadafro

Pelo título, pensei que ele ia falar do Steve Jobs…

Vera Silva

Apreciei a análise do Mino.
Infelizmente é isto mesmo, mas, estando no fundo do poço poderemos renascer.
Assim espero.

Klaus

Cildo Meirelles carrega em sua obra toda a história da arte, inclusive Michelangelo. Sua obra é fruto de tudo o que houve antes. Hoje poderia sim haver um Michelangelo, mas seria um Michelangelo de hoje, que também teria por trás de si toda a história da arte anterior. E, genial como foi, seria hoje genial também, só que diferente. Gênio que era, não ia produzir hoje uma obra que poderia ter sido feita na Renascença. Sua genialidade se manifestaria fazendo uma obra artística de seu tempo.

josaphat

Marchands e corretores da bolsa: os urubus são mais úteis à humanidade.

FrancoAtirador

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O ser humano precisa ganhar a vida para poder viver e criar,

mas ele não pode viver e criar com o objetivo de ganhar dinheiro.

(Parafraseando Karl Marx)
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    EUNAOSABIA

    Nuuuuuuuosssssaaaaaaaaa!!!!!

    Vinicius

    Hoje ele não tomou o remédio.

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