Em carta ao secretário-geral da ONU, Adolfo Pérez Esquivel diz que órgão ‘é um farol apagado’ e EUA, UE e OTAN impedem diálogo para pôr fim à guerra; íntegra
Tempo de leitura: 4 minDa Redação
Aos 90 anos de idade, Adolfo Pérez Esquivel mostra que é um homem à frente do seu tempo e prova, mais uma vez, porque é merecidíssimo o seu Prêmio Nobel da Paz.
Ele o faz em carta dura, corajosa, ao secretário-geral das Nações Unidas, Antonio Guterres, sobre o conflito envolvendo Rússia e Ucrânia.
Esquivel não usa meias palavras:
“Hoje ONU é um farol apagado, que não consegue iluminar o rumo de uma saída justa, uma esperança para a humanidade”.
“É preciso ajudá-la [a humanidade] a acender a luz da ONU para encontrar alternativas ao diálogo, não apenas entre os países envolvidos no conflito, mas com potências como os EUA, a UE e a OTAN”.
“EUA, a UE e a OTAN são responsáveis de impedir o diálogo para pôr fim à guerra”.
Esquivel dá um puxão de orelhas na ONU pela suspensão da Rússia do Comitê de Direitos Humanos:
“Suspender a Rússia do Conselho de DDHH é um erro. Foi uma decisão que os EUA impuseram à maioria dos países. A ONU deve estar a serviço da paz e dos direitos dos povos”.
“É necessário levar em conta o preâmbulo da ONU quando proclama “Nós, os povos das Nações Unidas, decididos …”
Apoie o VIOMUNDO
É necessário retornar às fontes dos princípios e objetivos da ONU, a seu compromisso de construir a paz e os direitos dos povos”.
Abaixo, a íntegra da carta.
Sr. Secretário Geral da ONU, Sr. Antonio O. Guterres
Receba a saudação fraterna de Paz e Bem, que a humanidade tanto necesita nestes momentos de angústia e tensões pelos quais está passando, como a guerra entre a Rússia e a Ucrânia, que coloca em risco não só a vida dos povos, mas a vida planetária, em vista do aumento do conflito e da violência. O senhor sabe que há outros atores involucrados, os quais pretendem apagar o incêndio com mais combustível, e não querem paz.
Eu tenho que lhe dizer que hoje a ONU é um farol apagado que não consegue iluminar o rumo de uma saída justa, uma esperança para a humanidade. É preciso ajudá-la a acender a luz da ONU para encontrar alternativas ao diálogo, não apenas entre os países envolvidos no conflito, mas com potências como os EUA, a UE e a OTAN, que são responsáveis de impedir o diálogo para pôr fim à guerra.
Tenho de dizer-lhe, além disso, que suspender a Rússia do Conselho de DDHH é um erro. Foi uma decisão que os EUA impuseram à maioria dos países. A ONU deve estar a serviço da paz e dos direitos dos povos. Hoje, infelizmente, os povos estão ausentes das decisões tomadas pelos governos e mais ainda das políticas impostas que o Conselho de Segurança controla. É necessário levar em conta o preâmbulo da ONU quando proclama “Nós, os povos das Nações Unidas, decididos …”
É necessário retornar às fontes dos princípios e objetivos da ONU, a seu compromisso de construir a paz e os direitos dos povos.
Não estou defendendo a Rússia e sua invasão à Ucrânia, sua responsabilidade e o custo em vidas humanas, a destruição de cidades e o exílio do povo ucraniano, vítima da violência tanto da Rússia como do governo da Ucrânia.
Tudo que foi feito dói na consciência e no coração da humanidade e devemos trabalhar para construir a paz, hoje ferida pela crescente política de hostilidade das potências que não contribuem em nada para a solução do conflito e, pelo contrário, estão empurrando a guerra para a beira do precipicio, com graves e imprevisíveis consequências para o mundo.
Não vou ser reiterativo naquilo que o senhor já sabe, mas eu quero apontar para o filólogo e pensador Noan Chomsky, que faz um estudo profundo sobre a guerra entre a Ucrânia e a Rússia e dos interesses dos EUA, que dominam e impõem sua política global, mesmo na ONU, onde, com a violação da tão proclamada soberania e com seu duplo discurso, não respeitam o direito internacional e, ainda menos, as resoluções da ONU; em que seu intervencionismo em países invadidos acarreta desolação e morte.
Nós, os povos do mundo, queremos a paz e pedimos o fim da guerra. Não somos espectadores para terminar sendo vítimas da violência. Nos assumimos como protagonistas de nossas próprias vidas e construtores de nossa própria história, exigimos unidade na diversidade. Nos lembramos do que foi vivido e sofrido em duas guerras mundiais, nos genocídios e no Holocausto, nas 25 guerras de alta e baixa intensidade que persistem no mundo, nos bloqueios econômicos e na fome generalizada dos povos vítimas de políticas nefastas que destroem suas vidas.
Sr. Guterres, sinto ter de me expressar tão duramente diante da situação que a humanidade vive. Venho trabalhando dia a dia há muitos anos com os setores mais carentes que reivindicam a defesa de seus direitos humanos, os direitos dos povos, e que não podem estar nas mãos dos genocidas que lhes roubam a vida e a esperança.
O que semeamos hoje é o que vamos deixar para as gerações que nos vão suceder. Temos de optar entre bombas ou a paz.
Um antigo provérbio diz: “A hora mais escura é quando o amanhecer está começando.” Ainda temos tempo para ver o amanhecer.
Adolfo Pérez Esquivel
Prêmio Nobel da Paz 1980
Buenos Aires, 10-4-22
*Adolfo Pérez Esquivel, ativista argentino referência na defesa dos direitos, ganhador do Prêmio Nobel da Paz.
Tradução: Jair de Souza
Comentários
Zé Maria
Os EUA despejaram mais Oitocentos Milhões de Dólares, em Armamentos, no Paiol do Palhaço Delinquente Ucraniano.
Sempre em nome da ‘Paz’, da ‘Liberdade’ e da ‘Democracia’ Ocidental.
Zé Maria
A Afirmação de Esquivel não é um Indicio, é uma Evidência,
apesar da Mídia Lacaia da OTAN.
A Destruição da Líbia é um Precedente.
Deixe seu comentário