Por Dr. Rosinha
Vídeo: Marianne Spiller
Um presépio vivo e real
…ali, entre a sede dos três Poderes do Estado e ao lado do prédio da prefeitura mulheres indígenas e suas crianças criaram o mais vivo e real dos presépios já montados em Curitiba.
Por Dr. Rosinha*
O Natal oficial
O site da prefeitura de Curitiba anuncia o Natal Oficial de 2021 com a seguinte chamada:
O Natal de Curitiba é um momento para brilhar, cantar e se encantar.
Sorrir e se emocionar…
E por que não…
Renovar a esperança.
Apoie o VIOMUNDO
Este ano, o Natal de Curitiba Luz dos Pinhais vai ser ainda mais especial. Uma pausa para se reconectar com quem somos e com os nossos sonhos. (…).
Vai ser o momento para unir os nossos corações agradecidos em uma grande celebração. Natal de Curitiba Luz dos Pinhais. A gratidão vai iluminar a cidade.
A propaganda oficial
Em Curitiba, a programação de Natal é inclusiva e para todas as idades, … a prefeitura de Curitiba tenta tornar o Natal o mais acessível possível .
Vender artesanato
Há anos é cultura e costume – principalmente no final do ano – mulheres indígenas, com seus filhos e filhas, quando não a família toda, virem do interior do Paraná para a capital para venderem artesanato.
Nas ruas, ao mesmo tempo que tecem – é muito bonito vê-las trabalhando nesta tessitura – vendem as peças prontas.
Estas mulheres e suas crianças dormiam próximo a Rodoferroviária, debaixo de um viaduto: o viaduto do Capanema.
Em 2015, foi inaugurada (gestão Gustavo Fruet – PDT/PT) a Casa de Passagem do Indígena Artesão em Curitiba (Capai), com a preocupação de dar atenção e segurança a essas famílias, mas também, claro, atendendo à luta do povo indígena e de setores da sociedade.
Casa de Passagem
7 de janeiro de 2015 foi o primeiro dia de funcionamento da Casa de Passagem do Indígena Artesão.
As equipes da Prefeitura de Curitiba ajudaram no transporte dos pertences dos índios que estavam alojados debaixo do viaduto do Capanema para a casa.
“Curitiba hoje se torna um exemplo a ser seguido por outras cidades ao olhar para o indígena com respeito e abrir a cidade para conhecer essa cultura tão importante e rica para todos”, afirmou Igo Martini, assessor de Direitos Humanos da Prefeitura de Curitiba.
Neste dia, cerca de 30 famílias foram recolhidas na Capai – Casa de Passagem Indígena.
A Casa de Passagem funcionou regularmente até março 2020, quando, com o avanço da pandemia de Covid-19, o atual gestor, Rafael Greca (DEM/PSD), fechou-a com a promessa de reabertura. Fechada a Casa, o serviço social da Prefeitura de Curitiba deixou de fazer qualquer tipo de atendimento a indígenas.
A promessa era que o fechamento seria temporário e assim que os indígenas voltassem para vender artesanato um imóvel na região central seria destinado a Capai”.
A Capai é fechada
Com a pandemia sob controle graças à vacina, as mulheres indígenas e suas crianças voltaram para Curitiba com o objetivo de vender seus artesanatos e, como a Casa continua fechada, voltaram a dormir nas ruas, debaixo de marquises e do viaduto do Capanema, expostos ao frio, chuva e violência.
Com a diminuição na média das taxas de contágio e internamento pelo covid-19, no dia 25 de setembro deste ano a gestão municipal flexibilizou as medidas restritivas e liberou a abertura de bares, restaurante, cinema e festas com público de até 50 pessoas. Com a promessa esquecida manteve fechada a Casa de Passagem do Indígena.
Para Rafael Greca, higienista que é, o povo indígena só acarreta despesas e enfeiam a Cidade Sorriso. Para Greca esse povo deve permanecer nos territórios que os opressores designaram a eles.
Moucos e cegos
Abandonados pela administração pública (União, estado e município) parte da população indígena que se encontra em Curitiba, em protesto, passou a dormir no Centro Cívico de Curitiba.
O Centro Cívico, como o próprio nome diz, é onde se encontram os principais poderes do estado: Palácio Iguaçu (sede de governo), Palácio Araucária (sede do vice-governador e de algumas secretarias), Tribunal de Justiça, Assembleia Legislativa e Prefeitura Municipal de Curitiba.
Não há dúvida que estes poderes são moucos e cegos em relação a este povo.
Não fosse o apoio de Organizações Não-governamentais (ONGs), sindicatos, parlamentares e militantes sociais, estas indígenas e suas crianças estariam totalmente desamparadas.
O Misericordioso
No passado, tivemos Isabel a Católica, Manuel o Venturoso, Alexandre o Grande, Luiz XIV, o Rei Sol. Isto inviabiliza que no presente Rafael Grega se autodenomine com alguns destes adjetivos.
Mas uma coisa é inegável: ele é criativo e burlesco. Se não virasse chacota gostaria de se auto denominar “Rafael Greca, o Misericordioso”.
No seu proselitismo, clama por Deus e Nossa Senhora das Luz dos Pinhais, mais que qualquer outro cristão, e o faz de maneira tão compungida e teatral para convencer a si e aos seus iguais.
Mas, não se engane, o alcaide [no sentido de “antigo governador de castelo, província ou comarca, com jurisdição civil e militar” – Houaiss] só é misericordioso com os ricos, principalmente com os empresários de ônibus, aos quais, ao longo deste ano, depositou alguns milhões de reais em suas contas bancárias.
Rafael Greca, o Misericordioso, já no início de seu mandato anterior, fechou todos os locais onde a população de rua guardava seus pertences.
No segundo mandato, com a pandemia, mandou arrancar as torneiras onde bebiam água e, na sua misericórdia entendeu que deveriam jejuar.
Para ajudar neste jejum mandou para a Câmara Municipal um Projeto de Lei que proibia pessoas, movimentos sociais e ONGs de distribuírem comida para a população de rua e os pobres.
Natal não inclusivo
Ao contrário da propaganda oficial O Natal de Curitiba Luz dos Pinhais não é inclusivo e não é acessível a parte da população curitibana. Exemplos: não inclui a população indígena e a de rua.
O Natal do Misericordioso – ao contrário da propaganda – não reconecta o quem somos com os nossos sonhos e os sonhos deles [no caso indígenas], não une corações, e a ingratidão da gestão pública na figura de Rafael o Misericordioso não ilumina a cidade.
O Natal oficial de 2021 enterra a vontade de Igo Martini, o de abrir a cidade para conhecer essa cultura [indígena] tão importante e rica para todos.
O Misericordioso gosta do sacro e, pela sua postura, entendo que o povo indígena, para ele, é profano, merece o desprezo e as agruras do inferno, mesmo ainda sobre a terra. A terra ali, ao lado de seu gabinete.
O Presépio
Um presépio vivo e real foi montado há cerca de duas semanas no Centro Cívico de Curitiba. Indígenas, principalmente mulheres e crianças, que vieram para Curitiba para vender seu artesanato lá dormem, fazem suas refeições e tecem seus balaios, cestos, colares, etc. e as crianças brincam.
Quanto às necessidades fisiológicas, devem viver as mesmas dificuldades que José e Maria viveram em Belém sob o reinado de Herodes. Rafael Greca o Misericordioso não permite que usem os banheiros da prefeitura e tampouco permite que sejam instalados banheiros químicos.
Assim como José e Maria foram ameaçados, essas famílias também são: o atento, prestimoso e cauteloso Conselho Tutelar ameaça recolher as crianças, ou seja, separá-las das mães e de alguns pais que ali se encontram.
Os invisíveis [indígenas] perante os direitos e os Poderes são visíveis aos olhos dos opressores.
Como obra da empáfia de Rafael Greca, o Misericordioso, ali, entre a sede dos três Poderes do Estado e ao lado do prédio da prefeitura, mulheres indígenas e suas crianças criaram o mais vivo e real dos presépios já montados em Curitiba.
*Dr. Rosinha é médico pediatra, militante do PT. Pelo PT do Paraná, foi deputado estadual (1991-1998) e federal (1999-2017). De maio de 2017 a dezembro de 2019, presidiu o PT-PR. De 2015 a 2017, ocupou o cargo de Alto Representante Geral do Mercosul.
Dr. Rosinha
Médico pediatra e militante do PT. Pelo PT do Paraná, foi deputado estadual (1991-1998) e federal (1999-2017). De maio de 2017 a dezembro de 2019, presidiu o PT-PR. De 2015 a 2017, ocupou o cargo de Alto Representante Geral do Mercosul.
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