Diretor do Museu da Memória e Direitos Humanos do Chile: “Kast e Bolsonaro têm a mesma visão ideológica e representam o fascismo”
Tempo de leitura: 4 min“Kast e Bolsonaro têm a mesma visão ideológica e representam o fascismo”, diz diretor do Museu da Memória e Direitos Humanos do Chile
Por Rafael Duarte, Agência Saiba Mais/ComunicaSul
O historiador e militante de esquerda Francisco Javier Estévez Valencia está à frente do Museu da Memória e dos Direitos Humanos do Chile desde 2016.
O espaço foi inaugurado em 2010 pela ex-presidenta Michelle Bachelet e é financiado pelo governo chileno através do serviço nacional de Patrimônio Cultural.
Com projeto arquitetônico assinado pelo escritório brasileiro Espaço América, vencedor de um concurso público, o museu preserva a história de horror que marcou o Chile entre 1973 e 1990, durante a ditadura de Augusto Pinochet.
Nas eleições chilenas deste domingo (21), um dos sete candidatos defende abertamente o legado da ditadura pinochetista.
O ultra-direitista José Antonio Kast é uma surpresa no pleito deste ano e chega bem posicionado nas pesquisas divulgadas na reta final da campanha, alternando o primeiro e segundo lugar com o candidato de centro-esquerda Gabriel Boric.
É real a possibilidade de Kast e Boric disputarem o 2º turno, marcado para 19 de dezembro.
Há uma semana, na imprensa local chilena, Estévez rebateu declarações negacionistas do ultradireitista, que afirmou não ter havido prisão política no Chile.
O relatório mais recente sobre a ditadura de Pinochet revelou que o regime fez mais de 40 mil vítimas, sendo 3.225 mortos ou desaparecidos.
Apoie o VIOMUNDO
Nesta entrevista concedida à agência Saiba Mais/ComunicaSul, Francisco Estévez compara Kast com Jair Bolsonaro e explica como espaços como o Museu da Memória e dos Direitos Humanos do Chile contribuem para evitar que a extrema-direita reescreva a história dos anos de chumbo na América Latina:
Saiba Mais/ComunicaSul – Qual a importância de um espaço como o Museu da Memória e dos Direitos Humanos do Chile para a preservação da história real, o que inclui o horror provocado pelas ditaduras na América Latina ?
Francisco Estévez: Vejo da seguinte maneira: o que houve na América Latina foi um genocídio. Estou muito convencido de que o Brasil, o Chile, a Argentina, o Paraguai e o Uruguai são províncias de um mesmo país, somos parte de uma mesma grande região, a América Latina. Os genocidas estão na América Latina. E tanto contra as vítimas como na figura dos próprios repressores que combinavam entre si para perseguir quem eles consideravam seus inimigos.
Genocídio em que sentido ?
É importante entender isso como o tema de cada país, mas principalmente como um genocídio na América Latina. Mas porquê ? Porque pessoas aqui eram perseguidas, executadas, torturadas, a partir de algo em comum: era a militância de esquerda.
Então o genocídio no sentido de eliminar quem você queria, especificamente essa geração que havia da esquerda na América Latina. Me parece que é importante visitar o museu para que fique a lição latinoamericana, esse compromisso que devemos ter com a defesa dos Direitos Humanos e que é uma urgência atual.
A ditadura de Pinochet no Chile contabiliza mais de 40 mil vítimas, dos quais 3.225 mortos ou desaparecidos. Foto: Alana Souza
Você acha que o avanço da extrema-direita na América Latina tem relação com a não punição da maioria dos atores da repressão que atuaram, por exemplo, no Brasil e no Chile ?
Efetivamente há um avanço no Chile. Vai haver as eleições domingo agora, na qual tenho muita confiança de que o candidato que representa a ultra-direita não será eleito no país. Mas é preciso ver que o vínculo entre Kast e Bolsonaro é um vínculo que existe, não necessariamente porque se querem muito bem, mas porque os dois têm a mesma visão ideológica, o que aqui chamamos de fascismo. E que se manifesta através de um forte nacionalismo em nome do que se cometeram inúmeras violações contra os Direitos Humanos no Chile.
Ao mesmo tempo, Kast e Bolsonaro se apresentam como uma alternativa de liberdade, mesmo sendo o contrário, já que tanto um como o outro representam alternativas atentatórias contra a liberdade.
Museu da Memória e dos Direitos Humanos tem projeto arquitetônico assinado por escritório brasileiro. Foto: Divulgacão
Museus como esse no Chile ajudam a evitar que admiradores de Kast e Bolsonaro, por exemplo, reescrevam a história e apaguem o que foi de fato as ditaduras da América Latina ?
Este museu, construído após um concurso internacional no qual ganhou arquitetos brasileiros, é algo distinto e marca uma diferença arquitetônica na cidade. É um simbolo da vida lationamericana.
Espaços como esse transformam o país, como tem o museu de Lima, no Peru, em Buenos Aires, na Argentina, e também no Brasil. É muito importante ter espaços como esse cultivar a memória. E para que nos dê forças para continuar, para que exista os Direitos Humanos e as democracias. Mas uma democracia real, verdadeira, com participação popular.
Por falar em participação popular, o Chile terá eleições domingo e está imerso na elaboração de uma nova Constituição. Sairá um novo Chile deste processo ?
É um grande desafio para nós. E como o museu, o mais importante é que essa construção não perca de vista que o direito à memória é também um direito humano.
*Esta reportagem foi elaborada pela agência Saiba Mais/Coletivo ComunicaSul, com o patrocínio da Diálogos do Sul, Agência Carta Maior, jornal Hora do Povo, Apeoesp Sudoeste Centro, Intersindical, Sintrajufe-RS, Sinjusc, Sindicato dos Bancários do RN, Sicoob, Barão de Itararé, Agência Sindical e mais 152 pessoas que apoiaram individualmente esta cobertura colaborativa.
Comentários
Nenhum comentário ainda, seja o primeiro!
Deixe seu comentário