Lincoln Secco: O fascismo descontextualiza a verdade e coloca tudo a serviço de uma grande mentira

Tempo de leitura: 4 min
Fotomontagem: ilustração de Alexandre Teles para o livro “Fascismo: ontem e hoje”, que tem como organizadores Julian Rodrigues e Fernando Sarti. E desenho de Lincoln Secco por Maria Reisewitz

Fascismo não tem teoria, não tem princípio, é um movimento irracionalista, diz Lincoln Secco

Pesquisador fala sobre o fenômeno em diferentes períodos e países e os paralelos com a atualidade

Por Stela Pastore, Brasil de Fato | Porto Alegre (RS)

Lincoln Secco é professor de História Contemporânea e coordenador do Grupo de Estudos de História e Economia Política (Gmarx-USP), que estuda o tema do fascismo e suas características no Brasil e no mundo.

Tem publicado uma série de artigos sobre o bolsonarismo e seu caráter fascista.

Coordenou o curso “Fascismo ontem e hoje – conhecer para derrotar”, promovido pela Fundação Perseu Abramo, transformado em livro a ser lançado na nesta quarta-feira (10), durante live com a ex-presidenta Dilma Rousseff, às 17h, no canal do youtube da Fundação.

Na segunda-feira (8), o pesquisador participou do painel online juntamente com o ex-ministro do governo Lula, Olívio Dutra.

O diálogo é o quinto debate promovido pelo Círculo do Partido Democrático (PD) da Itália em Porto Alegre e foi apresentado pela idealizadora do ciclo, Cláudia Antonini.

A transmissão aconteceu pelas páginas do PD Porto Alegre no youtube e facebook (pdPortoAlegre) e pelas radiowebs dirigidas à comunidade italiana da América Latina bellaciaowebradio.com e brasitaliawebradio.com

Confira a íntegra da entrevista.

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Brasil de Fato RS: Como você define fascismo?

Lincoln Secco: De forma muito abrangente é uma técnica racional e oportunista de mobilização daquilo que há de irracional das massas num momento de crise na era do imperialismo. Mas é um fenômeno complexo com distintas características em cada país e momento histórico.

Numa situação de crise, com muitas pessoas propícias ao discurso irracional fascista, ele pode progressivamente passar de um conjunto de ideias bizarras a um movimento de massas.

Esse movimento pode ou não constituir um partido, governo; pode ou não se tornar um regime político. Os vários fascismos podem ou não cumprir essas trajetórias. A história concreta é quem tem a última palavra.

BdFRS: O que busca o fascismo?

Lincoln: O fascismo busca de fato apelar para massas para que intervenham na política. Essa intervenção é uma farsa, na verdade. A mobilização de massas fascista é ornamental, apenas para reforçar o caráter carismático do chefe. Aliás, não houve fascismo sem chefe.

BdFRS: Por que o fascismo mobiliza?

Lincoln: O fascismo é mobilizador na sua fase em que se estabelece como movimento. Uma vez que o fascismo se torna regime nem sempre é mobilizador. Muitas vezes é melhor para um regime fascista que as massas fiquem quietas. O que importa é que os indivíduos sejam parte da massa, apenas. Enquanto massa, possam ser mobilizados de forma oportunista.

BdFRS: O fascismo tem alguma teoria que o sustenta?

Lincoln: O fascismo não tem teoria, não tem princípio. Apela ao irracional, ele é um movimento irracionalista. Nega a Revolução Francesa, o Iluminismo, a razão. Não quer dizer que diga apenas mentiras, e inverdades. Diz muitas verdades e por isso é bem-sucedido. Mas sua arquitetura discursiva é falsa.

BdFRS: Onde está a verdade do fascismo?

Lincoln: O fascismo retira a verdade do seu contexto. A verdade está sempre no todo, não na parte. Todas as verdades que o fascismo diz estão a serviço da grande mentira que é o próprio fascismo.

As supostas “verdades” do fascismo são necessárias para a construção da grande falsidade que é a explicação fascista. Posso descontextualizar qualquer informação que é real num certo contexto, mas que se torna monstruosa fora do contexto.

BdFRS: Como o fascismo utiliza o emocional e a propaganda?

Lincoln: Fascistas são exímios na técnica da propaganda. Há uma racionalidade técnica para manipular a irracionalidade de forma oportunista porque ele não tem teoria nem princípio. “E a propaganda, a manipulação racional do irracional, constitui um privilégio dos totalitários”, diz Adorno.

BdFRS: Tu citas Adorno e a manipulação do irracional por técnicas racionais como uma exacerbação de uma tendência inerente ao próprio capitalismo. Pode falar sobre isso?

Lincoln: O que não é o capitalismo senão progressiva melhoria da técnica numa sociedade em que o conjunto da humanidade não sabe a que ela serve?

As sucessivas melhorias técnicas têm finalidades particulares, mas a sociedade como um todo não estabelece finalidade nenhuma. Não temos um ideal de fato coletivo, compartilhado socialmente, só a busca individual pela sobrevivência ou pelo lucro, no caso dos empresários.

No capitalismo não existe nenhuma lógica a não ser a própria lógica da reprodução do capital. Mas não é uma lógica projetada pelo conjunto da humanidade. De certa forma, o fascismo exacerba essa tendência ao sem sentido, à irracionalidade de forma monstruosa.

Para se construir a bomba atômica é necessário o conhecimento científico, mas sua construção em si mesma é uma irracionalidade. São técnicas racionais para sustentar a escalada para o poder, mas o fascismo é em si mesmo irracional. Como Gramsci dizia não há uma essência no fascismo a não ser o próprio fascismo.

BdFRS: Como combater o fascismo?

Lincoln: Adorno mostra que não adianta apelar para o fascista em nome de direitos humanos, democracia, de entidades que são abstratas. Deixando de lado os mais lunáticos, incorrigíveis, assassinos, os malévolos, a massa comum que atende ao apelo fascista tem que passar pela dolorosa consequência do fascismo, a dolorosa experiência é resultado da sua escolha.

Não é com a bandeira da democracia e na defesa da humanidade que se convence um fascista e sim o desastre real que o fascismo provoca. E para superá-lo, é preciso que os progressistas sejam uma alternativa de longo prazo não apenas ao fascismo, mas ao próprio capitalismo.

BdFRS: A história mostra o preço do fascismo em barbárie. Como deter?

Lincoln: O fascismo historicamente está condenado a desaparecer. Mas o quanto uma sociedade paga pelo seu desaparecimento é uma escolha dela. Exceto se for detido por uma absoluta força da razão que precisa também se tornar uma força concreta.

Nos anos 1940, essa força racional tinha um nome: União Soviética. Hoje temos outra situação, em que a guerra fascista é também virtual e a tecnologia socialista precisa ser desenvolvida para combater neste tipo de guerra, mas sem perder seu conteúdo e seus valores.

Fonte: BdF Rio Grande do Sul

Edição: Katia Marko

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