Por Mário Scheffer – Blog Diário da CPI – Estadão
Proceder a leitura do relatório final da CPI significa examinar um catálogo de intenções que está limitado ao tempo e à qualidade das provas produzidas, e que reflete as decisões tomadas pelo grupo majoritário de senadores que deu as cartas durante a investigação.
Quando o senador Renan Calheiros anunciou ter se rendido a “argumentos técnicos indiscutíveis”, após encontro na residência do senador Tasso Jereissati, na noite anterior à leitura do relatório, o consenso obtido requer outra compreensão.
A exemplo das alterações combinadas, que produziram atenuantes para Jair Bolsonaro e Silas Malafaia, o que aparece na luz, o que será chamado de vitória de uns e derrota de outros, tem relação com o “quem é quem”, com ênfases particulares e interesses em disputa.
Num famoso discurso nas Nações Unidas, Nikita Khrushchev, que liderou a União Soviética durante parte da Guerra Fria, afirmou assim: “o que é nosso é nosso, o que é teu é negociável”.
Esconder intenções, para Richelieu, era o verdadeiro conhecimento dos reis, e, para Maquiavel, o segredo do sucesso na política.
Talvez nunca saibamos sobre reais propósitos de parte do que foi incluído, do que foi deixado de fora e do que será alterado até a votação na próxima semana.
Das sessões transmitidas da CPI saem poucas pistas, pois há indiciados que não foram ouvidos, temas relatados que não receberam atenção pública, e até juízos de valor invertidos: o relatório às vezes trata como colaboradores autoridades e instituições que, sob olhar mais atento, foram claramente negligentes.
A CPI da Pandemia, ou da Covid, como ficou conhecida, carrega a doença ou o fenômeno de saúde pública no nome.
Foi originalmente proposta com o objetivo de “apurar as ações e omissões do Governo Federal”, mas uma avaliação honesta sobre as falhas do sistema de saúde durante a crise sanitária seria também essencial.
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A eloquência do relatório quanto à responsabilização de Bolsonaro e demais agentes não esconde a debilidade de partes do texto.
Passaram à margem ou desceram ao rodapé o disfuncionamento do SUS, a omissão do setor privado e a incúria de instituições de saúde que têm quinhão relevante na produção de sofrimento, infecções e mortes.
Na galeria da Saúde, o relatório é contundente ao apontar a culpa de Pazuello, Queiroga, parte do segundo escalão do ministério e cúmplices, incluindo gente da Prevent Senior e do Conselho Federal de Medicina.
Mas dois ex-ministros da Saúde de Bolsonaro, além dos presidentes da Anvisa e da ANS, todos depoentes da CPI e omissos em muitas circunstâncias, são pintados no relatório quase que como heróis da saúde pública.
Separar ações em capítulos e eleger para cada uma delas os vilões, termina por borrar a visão. Fatos ficam sem encadeamento e não se distingue o político, do biológico e do social.
Um cidadão que trabalhava como entregador de comida, e não recebeu a tempo o auxílio emergencial, teve covid-19.
Outro, adulto jovem e sem comorbidades, morador de habitação precária, não teve acesso ao teste e também se infectou e adoeceu.
Ambos usaram o “kit covid”, desenvolveram a forma grave da doença, permaneceram em unidades pré-hospitalares por falta de vaga de internação, e os desfechos foram fatais.
Nas famílias de ambos, outras pessoas foram infectadas e só receberam a primeira dose da vacina no segundo semestre de 2021.
Quem se omitiu e quem errou ?
Desde o início dos primeiros casos no Brasil ocorreram falhas no controle da entrada de passageiros em portos e aeroportos, o lockdown foi descartado, a retaguarda de testagem e atendimento hospitalar excepcional ficaram mais na retórica, mãos homicidas assinaram documentos oficiais negando a possibilidade do uso de leitos privados de terapia intensiva para pacientes do SUS.
O SUS sai da pandemia altivo, um oásis de solidariedade em meio às campanhas de entidades patronais que conclamavam o retorno da economia em pleno pico de infecções e óbitos. O Brasil não podia parar, mas estava autorizado a matar.
Mas é preciso reconhecer que um sistema de saúde precisa mais do que orgulho para desempenhar sua missão de melhorar as condições de saúde da população.
O SUS não teve potência para erguer barreiras à transmissão e para cuidar com rapidez e qualidade dos doentes. Caso ocorra outra emergência sanitária, o SUS segue altamente vulnerável.
No início da CPI, duas torcidas se destacaram: a do “ viva o SUS”, pelo fortalecimento do sistema público e a do “fora, Bolsonaro”, pelo impeachment.
As imputações de crimes a integrantes do governo federal possivelmente terão desdobramentos políticos e judiciais.
Já o SUS, nas apurações incompletas e na penúria dos projetos legislativos sugeridos, ficou esquecido no relatório final.
Comentários
Zé Maria
VOTAÇÃO NA CONITEC SOBRE FIM DO USO DO KIT-COVID
TERMINA EMPATADA EM 6 A 6, COM OMISSÃO DA ANVISA.
CFM e 5 Secretárias do MS votaram contra o Parecer
A Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias (Conitec)
ao Sistema Único de Saúde (SUS) votou, nesta quinta-feira (21/10),
o relatório sobre o uso de Kit-Covid para tratamento ambulatorial
da Covid-19, no SUS.
Sem a presença de representante da Agência Nacional de Vigilância Sanitária
(Anvisa), [que se ausentou da reunião] na hora da votação, a deliberação
terminou com empate entre os integrantes do plenário.
De acordo com as informações divulgadas por fontes ligadas aos membros
da Conitec, foram seis votos favoráveis ao documento e seis votos contrários.
Cinco dos sete membros ligados ao Ministério da Saúde discordaram do documento.
Além disso, o representante do Conselho Federal de Medicina (CFM) votou
contra o conteúdo do relatório.
O representante da Anvisa na reunião da Conitec, o gerente geral de medicamentos,
Gustavo Mendes, participava da reunião de forma on-line até 12h40,
mas teve que se ausentar porque pegaria um voo para Brasília
após cumprir agenda de trabalho em São Paulo.
Até então, não havia sido definido o horário da votação do relatório.
Quando retornou à reunião, 14h20, percebeu que esta já havia sido finalizada
e que o relatório sobre as diretrizes de tratamento ambulatorial da covid-19
havia sido votado. Dessa forma, não participou da votação.
A expectativa era de que a Anvisa votasse pela rejeição do uso do kit covid no SUS.
Votaram contra a aprovação:
– Secretaria Executiva do Ministério da Saúde;
– Secretaria de Atenção Primária à Saúde do Ministério da Saúde;
– Secretaria de Atenção Especializada à Saúde do Ministério da Saúde;
– Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde do Ministério da Saúde;
– Secretaria Especial de Saúde Indígena do Ministério da Saúde;
– CFM (Conselho Federal de Medicina).
Votaram a favor do Parecer:
– CNS (Conselho Nacional de Saúde);
– Conass (Conselho Nacional de Secretarias [Estaduais] de Saúde);
– Conasems (Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde);
– Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde;
– Secretaria de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde;
– ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar).
Consulta pública
A deliberação, no entanto, ainda é preliminar, já que agora segue para
consulta pública por 20 dias e depois volta ao plenário da comissão
para uma nova votação, considerando as contribuições do público.
Por fim, o documento final será enviado ao Secretário de Ciência, Tecnologia,
Inovação e Insumos Estratégicos (SCTIE) do Ministério da Saúde, Hélio Angotti
Neto [que, como visto, votou a favor do Relatório contra o Kit-Covid no SUS].
Caberá a ele decidir se as recomendações serão seguidas pelo órgão federal
ou não.
A Anvisa esclareceu, em nota enviada na tarde da quinta-feira (21),
que o representante da agência participou da primeira parte da reunião
e alertou à comissão de que entraria em um voo de São Paulo a Brasília,
pois ainda não tinha sido definido um horário para a votação.
Ao chegar à capital federal, contudo, a votação já tinha sido feita.
O Metrópoles apurou que o voto da agência seria favorável ao relatório,
o que desempataria e aprovaria a avaliação contra o uso do kit Covid no SUS.
Leia a nota:
“A Anvisa participou de forma on-line, até 12h40, da reunião da Conitec realizada nesta quinta-feira (21/10). A agência foi representada pelo seu membro titular que estava em São Paulo e em trânsito, após cumprir agenda de trabalho na cidade. O representante da Anvisa, o gerente geral de Medicamentos, Gustavo Mendes, informou à plenária da Conitec que se ausentaria da reunião, pois estaria no voo de retorno à Brasília.
Até a hora, em que o membro da Anvisa saiu da reunião, não havia sido definido o horário da votação do relatório. Ao chegar em Brasília às 14:20, o representante entrou na plataforma da reunião e percebeu que esta havia sido finalizada e que o relatório com diretrizes do tratamento ambulatorial da Covid 19 já havia sido votado. Importante esclarecer que, independente da votação, o relatório vai para consulta pública para participação da sociedade e posterior votação para deliberação final.”
https://www.metropoles.com/brasil/anvisa-falta-e-analise-na-conitec-sobre-kit-covid-termina-empatada
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