Quebra de patentes em emergências: Vamos derrubar os vetos de Bolsonaro
Tempo de leitura: 3 minVamos derrubar os vetos do Planalto!
Por Ronald dos Santos, Jorge Bermudez, Alice Portugal e Débora Melecchi*
O Diário Oficial da União (DOU) publicou na última sexta-feira a Lei 14.200, que trata da “quebra de patentes”.
A lei deveria representar um avanço no Brasil com relação a licenciamento compulsório de patentes ou de pedidos de patentes nos casos de declaração de emergência nacional ou internacional.
Afinal, em votações históricas, o Senado Federal e a Câmara dos Deputados aprovaram por esmagadora maioria o PL que resgatava o compromisso do Brasil com a vida e avanço no campo da saúde pública.
Porém, ao sancionar a lei, o presidente Jair Bolsonaro vetou os parágrafos 8, 9, 10 e 17 e o artigo 3, deformando a ideia original.
Em consequência, a Lei 14.200 se tornou vazia, inócua. Perdeu os objetivos propostos de efetivamente contribuir para “quebrar patentes” e possibilitar a produção nacional e o acesso de nossas populações a essas tecnologias relacionadas à pandemia e a eventuais outras situações de emergência nacional.
Afinal de contas, situações emergenciais demandam soluções igualmente emergenciais. Elas não podem ser enfrentadas com os rituais burocráticos habituais presentes em nosso marco regulatório.
O Brasil, portanto, perde essa oportunidade, a não ser que os vetos sejam derrubados pelo Congresso.
Nas duas semanas em que ficou à espera da sanção presidencial, surgiram toda classe de especulações.
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Apesar de Congresso Nacional ter aprovado por maioria o projeto de lei, sabíamos que contava com a oposição do Poder Executivo, notadamente dos ministérios da Economia, Saúde, Ciência, Tecnologia e Inovações e Relações Exteriores.
Sabíamos também que desagradava a grande indústria, que deseja sempre manter seus monopólios intocados e seus lucros em espiral ascendente.
Nos Estados Unidos, setores empresariais pressionaram o presidente Joe Biden para que manifestasse seu desagrado com essa questão no Brasil e a empresa norte-americana Pfizer anunciou sua decisão de estabelecer parceria com o setor privado e produzir sua vacina contra a Covid-19 no Brasil, constituindo um polo de exportação, embora provavelmente limitado ao processamento final de matéria prima importada em nosso País.
A esse respeito, já nos manifestamos em artigo anterior.
Na mensagem presidencial, Bolsonaro diz que parágrafos 8, 9, 10 e 17 e o artigo 3 foram vetados, porque contrariam o interesse público, podendo trazer caos ao sistema patentário nacional e gerar conflitos com as indústrias farmacêutica e farmoquímica.
Essas afirmativas menosprezam todos os setores que discutem a necessidade de assegurar acesso antes do comércio, interesses sociais frente a interesses comerciais, saúde antes do lucro.
Menosprezam também os parlamentares que votaram a favor do projeto de lei originalmente aprovado, muitos deles da própria base de sustentação do governo.
É exatamente nos parágrafos vetados pelo presidente que reside a ideia-força de uma “Lei Cidadã” que, ao aprovar uma licença compulsória, obrigaria o detentor da patente a fornecer as informações necessárias, os demais aspectos técnicos aplicáveis, o material biológico essencial.
Esse veto penaliza o licenciado e não o detentor da patente. Novamente, coloca interesses comerciais à frente dos interesses de salvaguardar a saúde da população.
Outro veto que fragiliza por demais a Lei sancionada pelo Planalto mantém o ato de ofício da Presidência da República para a emissão de uma licença compulsória, eliminando a possibilidade da concessão por meio de lei em razão da declaração de emergência.
Sabemos das dificuldades em conseguir consenso intra-governo quando há interesses conflitantes e sabemos que o Grupo Interministerial de Propriedade Intelectual (GIPI) deve ser uma verdadeira “Torre de Babel”.
Presidido pelo Ministério da Economia e participação de outros 11 ministérios, é no GIPI que certamente os aspectos relacionados com licenciamento compulsório seriam discutidos,
A proposta de uma licença compulsória no campo da saúde certamente enfrentaria resistência em outros ministérios, sob a alegação de acarretar problemas à exportação ou nas relações diplomáticas com os países sede das empresas detentoras das patentes em questão.
Finalmente, não conseguimos entender as razões de vetar a menção à atual pandemia na referida Lei.
De novo, a alegação foi de que contraria o interesse público e precisaria ratificar em lei que a declaração de emergência em saúde pública relacionada à covid-19 configura hipótese que autoriza o acionamento do disposto na Lei de Propriedade Industrial.
Esse “contrariar o interesse público”, ao contrário do que se coloca nas justificativas dos vetos, tem sido uma constante nos atos do governo frente à marca das quase 600 mil mortes que enlutou nossa população e o negacionismo persistente.
Vamos defender a vida!
O braço é nosso, a mão é do Congresso Nacional. Juntos, vamos derrubar os vetos do Planalto.
Derrubar os vetos é mostrar o compromisso com a Saúde Pública e assegurar o acesso a tecnologias como direito humano fundamental. O mundo inteiro está nos acompanhando.
*Ronald dos Santos é presidente da Federação Nacional de Farmacêuticos (Fenafar)
*Jorge Bermudez, pesquisador da ENSP/Fiocruz
*Alice Portugal, deputada federal PCdoB/BA
*Débora Melecchi, Conselheira Nacional de Saúde
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