JN: Como a PGR partidarizada sentou-se sobre investigação do gabinete do ódio

Tempo de leitura: 6 min
Eduardo, Allan e seu sócio, João Bernardo. Barbosa, empresário em Miami
O plano de Allan 

Atos antidemocráticos: inquérito da PF cita ‘rachadinha’, dinheiro do exterior e uso de verba federal

Relatório da Polícia Federal indicou, em janeiro, que era preciso aprofundar investigações. Cinco meses depois, PGR defendeu arquivamento do caso. Atos pregaram rompimento institucional.

Por TV Globo — Brasília

A Polícia Federal indicou pelo menos seis linhas adicionais de investigação no relatório parcial do inquérito que apura a organização de atos antidemocráticos no país em 2020.

A PF pediu novas diligências à Procuradoria-Geral da República em janeiro mas, cinco meses depois, a PGR pediu ao Supremo Tribunal Federal (STF) o arquivamento do caso – sem fazer diligências adicionais.

As investigações dos atos antidemocráticos apuram o financiamento e a organização de manifestações realizadas em abril do ano passado.

A abertura do inquérito foi pedida pela PGR e autorizada pelo STF.

As manifestações levantaram causas inconstitucionais, como ataques ao Congresso e ao STF e apologia ao AI-5, considerado o ato mais repressor da ditadura militar.

Parlamentares e blogueiros bolsonaristas são investigados no inquérito.

A TV Globo teve acesso ao relatório parcial da PF, enviado à PGR no início do ano.

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No documento, a corporação diz ter encontrado indícios de que apoiadores e parlamentares bolsonaristas discutiram ações para a propagação de discursos de ódio e a favor do rompimento institucional.

Ao longo do relatório, a Polícia Federal indica uma série de linhas para o aprofundamento das investigações. Essas sugestões incluem:

— apurar uma suposta articulação para evitar que um sócio do blogueiro bolsonarista Allan dos Santos fosse chamado para depor à CPI das Fake News;

— conferir se houve direcionamento de verbas do governo federal para sites e canais bolsonaristas;

— investigar repasses a uma empresa de tecnologista ligada à publicidade do Aliança pelo Brasil (partido que Jair Bolsonaro tentou fundar) e que também prestou serviço para parlamentares governistas;

— apurar valores repassados por servidores públicos ao blogueiro Allan dos Santos, incluindo uma funcionária do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES);

— investigar a existência de um braço estrangeiro de financiamento dos atos antidemocráticos, contando com um acordo de cooperação internacional com o Canadá;

— aprofundar investigações sobre uma possível “rachadinha” em gabinetes de deputados governistas na Câmara dos Deputados, com o redirecionamento das verbas para o financiamento dos atos antidemocráticos.

Um despacho obtido pela TV Globo mostra que o relator do caso no STF, ministro Alexandre de Moraes, enviou esse relatório parcial da PF à PGR em 4 de janeiro.

A resposta da PGR, sem aderir às sugestões de diligência, saiu nesta semana.

A PGR afirmou à TV Globo que recebeu o inquérito em fevereiro.

Documento obtido pela reportagem, no entanto, indica que o relatório deu entrada na procuradoria em 5 de janeiro.

A PGR também diz que fez uma “auditagem” da investigação feita pela PF, mas não providenciou novas diligências.

Ao pedir o arquivamento, o vice-procurador-geral da República, Humberto Jacques de Medeiros, apontou a falta de aprofundamento nas investigações da Polícia Federal.

Disse, por exemplo, que os policiais não seguiram o rastro do dinheiro usado para organizar e financiar os atos, e que não haveria mais prazo razoável para fazer isso após um ano de inquérito.

O ministro Alexandre de Moraes ainda vai analisar o pedido de arquivamento feito pela PGR e o material produzido pela PF.

Linhas de investigação

Ao longo do relatório, no entanto, a PF sugere aprofundar a investigação em diferentes linhas. Veja abaixo detalhes de algumas delas:

Blogueiro e CPI das Fake News

A Polícia Federal quer ampliar a apuração sobre o blogueiro Allan dos Santos – um dos principais aliados de Jair Bolsonaro, com forte influência sobre deputados da chamada “base ideológica” do governo.

A PF identificou a articulação e a atuação de integrantes do grupo para evitar que um sócio de Allan dos Santos fosse convocado para depor na CPI das Fake News, na Câmara. O tema foi debatido em um aplicativo de mensagens de celular.

Repasses federais a apoiadores

A PF fez uma série de cruzamentos de dados de empresários, políticos e apoiadores do governo.

Outra linha de investigação sugerida trata do possível direcionamento de repasses federais para que sites e outros canais bolsonaristas atacassem as instituições.

A Polícia Federal também pede, especificamente, investigações adicionais sobre a Inclutech Tecnologia, do empresário Sérgio Lima.

A empresa ficou responsável pela marca do partido Aliança pelo Brasil, que Bolsonaro pretendia criar.

A firma recebeu R$ 1,7 milhão de reais pelo projeto, mas também recebeu valores da cota parlamentar de deputados bolsonaristas do PSL.

Segundo o relatório, os deputados Aline Sleutjes, Elieser Girão, José Negrão Peixoto e Bia Kicis pagaram R$ 30,3 mil à Inclutech.

A PF diz no documento que, segundo Sérgio Lima, tais valores “estariam relacionados a prestação de serviço de desenvolvimento de redes sociais de tais parlamentares”.

Os policiais não chegaram a concluir se os recursos impulsionaram a divulgação dos atos antidemocráticos.

Neste caso, a PGR defendeu que o tema seja enviado para a primeira instância, alegando que a suspeita recai sobre pessoas sem foro privilegiado.

Repasses de servidores a blogueiro

A Polícia Federal também apreendeu uma planilha indicando valores repassados por servidores públicos ao canal do blogueiro Allan dos Santos.

A lista inclui uma transferência de R$ 70 mil feita por uma servidora do BNDES a um sócio do blogueiro.

Entre abril e maio de 2020, período do auge dos atos antidemocráticos, houve quase 650 transações para Allan sem identificação de CPF.

“A quantidade de doações, o valor repassado por servidores públicos, a forma do repasse […] indica a necessidade de compreender os fatos e circunstâncias”, diz o relatório da PF.

Financiamento estrangeiro

A PF propôs, em outra linha de investigação, aprofundar a apuração sobre a existência de um braço estrangeiro para financiar os atos antidemocráticos.

O elo, segundo a Polícia Federal, seria o empresário João Bernardo Barbosa, sócio de Allan dos Santos que mora em Miami (EUA).

Investigadores apontam a possibilidade de que os valores tenham sido enviados ao exterior para o recebimento de recursos da chamada “monetização” de páginas bolsonaristas.

Segundo a PF, um pedido de cooperação internacional foi feito à Justiça do Canadá para que o Brasil receba dados adicionais sobre os fatos.

‘Rachadinha’ na Câmara

Outra linha de investigação sugerida trata da possibilidade de uma “rachadinha” ter financiado a rede de ódio.

A “rachadinha” é a prática de o parlamentar ficar com parte dos salários dos servidores do gabinete.

A PF afirma que a deputada Aline Sleutjes (PSL-PR) recebeu diversos depósitos de funcionários do gabinete em suas contas bancárias.

Os investigadores pedem maior apuração sobre esses repasses.

A parlamentar afirmou à corporação que os valores transferidos são legais e se referem, por exemplo, à quitação de um empréstimo feito a seu auxiliar.

Relação entre blogueiros e o Planalto

Em outra frente, a PF defende a apuração de possíveis conexões entre Allan dos Santos e a comunicação oficial do governo federal.

Segundo o relatório, um bilhete encontrado na casa do blogueiro expõe as seguintes ideias:

“Objetivo: materializar a ira popular contra os governadores/prefeitos; fim intermediário: saiam às ruas; fim último: derrubar os governadores/prefeitos.”

Ainda de acordo com a PF, esses “objetivos antidemocráticos externados em manuscritos apreendidos na residência de Allan dos Santos têm de ser interpretados em conjunto com o interesse demonstrado (e ratificado nos relatórios em análise) em obter espaço junto à área de comunicação do governo federal”.

Os investigadores citam que, em 2020, Allan dos Santos enviou mensagens ao tenente-coronel Mauro Cesar Cid, ajudante de ordens do presidente Jair Bolsonaro, tentando influenciar e provocar o rompimento institucional com os atos antidemocráticos.

A troca de mensagens aparece no depoimento de Mauro Cesar Cid à PF.

O blogueiro diz: “As FFAA [Forças Armadas] precisam entrar urgentemente”.

Mais apurações

No relatório, a Polícia Federal também trata das relações entre o blogueiro Allan dos Santos e o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP).

Pela internet, os dois combinaram um movimento que pedia a saída do então presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ).

“No dia 17 de abril do ano passado, o deputado Eduardo Bolsonaro e Allan dos Santos conversam, sobre a #ForaMaia. […] Na mesma ocasião, Allan dos Santos chama o deputado federal Carlos Jordy (PSL-RJ) para participar ao vivo da transmissão pelo YouTube. Após Jordy perguntar sobre o que seria, Allan afirma: ‘Bater no Maia’.”, diz trecho do documento.

A PF utilizou uma investigação da empresa Atlantic Council, uma organização que tem parceria com o Facebook para analisar grupos responsáveis por disseminar desinformações em eleições democráticas.

A corporação obteve dados externos para checar a consistência dessa investigação e identificou dois acessos de Eduardo Bolsonaro a uma das contas apontadas.

A PF diz, no entanto, que o cenário é provisório em razão de pendências em dados de órgãos públicos, incluindo a Presidência da República e o Senado Federal.

Faltou informação, também, da Câmara de Vereadores do Rio de Janeiro, onde atua o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos), filho do presidente.

“Foi comunicado que tal instituição não possui arquitetura de registro de logs de acesso à internet, Logo, não teriam como fornecer dados que pudessem individualizar os usuários da internet no ambiente do mencionado órgão público”, afirma o relatório da PF.

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