José Avelange: Como mobilizar o povo em defesa da democracia em plena pandemia

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Foto: Ricardo Stuckert

Estratégia de atrair os pássaros para retomar o voo da democracia

Por José Avelange*

Cada um e cada uma que exerce algum tipo de liderança local não alienada nem aliada à onda fascistoide vigente tem o dever ético de mobilizar outras pessoas, em vista do restabelecimento da democracia plena, no Brasil, e isso só vai ser possível por meio da eleição de um projeto de governo capaz de corrigir os grandes retrocessos que o país enfrenta.

A questão é como fazer essa mobilização, em plena pandemia, e consequentemente garantir a eleição do projeto mais afinado com os interesses do povo.

No sertão há uma ciência de que “quem quer pegar passarinho não grita xô!”

É sempre preferível que os pássaros voem livres, mas há quem aprenda a tê-los sempre por perto, ajudando a natureza a atender as necessidades dessas aves graciosas, com água boa, sementes e plantas à beira de casa.

É precisamente isto o melhor que o setor progressista pode fazer, se quiser conquistar gente para a grande e dificultosa tarefa da superação do obscurantismo em que se meteu o país, nos últimos anos.

Trata-se de oferecer aos cidadãos e cidadãs vacilantes, na defesa da democracia, a oportunidade de compreender quanto todos ganham, ao eleger presidente e parlamentares realmente comprometidos com a Constituição.

Isso é bem mais assertivo do que tratar certos apoiadores desavisados da tendência totalitarista como inimigos irreversíveis a se combater.

Em alguns casos, até pode haver gente endurecida em suas convicções de extrema direita, com quem não se deve perder tempo realmente, mas não são todos assim os que tomaram a barca furada da negação da política, que resultou nisso tudo que aí está.

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As pastorais e as comunidades eclesiais católicas, mesmo enfraquecidas em sua tradição de lutas e promoção da autonomia do povo, após a guinada à direita que se verifica entre o clero, ainda compõem uma grande rede de pessoas com muita disposição para sonhar uma sociedade mais justa.

O problema é que boa parte dessas pessoas carecem de formação para se emancipar e entender que as mudanças desejadas não virão pela via do puro assistencialismo e do desprezo pela política, mas não há tempo hábil para corrigir plenamente tal fragilidade de compreensão da vida em sociedade.

É necessário, mesmo assim, que aqueles com melhor percepção sociológica das realidades e com certo carisma junto à população local comecem a organizar conversas descontraídas e capazes de veicular informações pontuais e reveladoras junto a todos aqueles e aquelas que puder agregar, utilizando as ferramentas tecnológicas disponíveis.

Dada a exclusão digital, naturalmente muita gente do povo não poderá participar desse tipo de bate-papo online, entretanto, não são tão poucos assim aqueles que já conseguem participar de uma reunião virtual e que tendem a ser exatamente pessoas com algum grau de influência sobre sua comunidade, bairro, setor, etc.

Pode-se começar levantando uma lista de nomes de cidadãos e cidadãs que se sabe serem receptivos a um convite dessa natureza, com o cuidado de assegurar, já no convite, que todos os terão voz, durante a conversa, em caso contrário, as pessoas pensarão que se trata de mais uma entre as mil e tantas lives para as quais são chamadas todos os dias e em que normalmente apenas certos especialistas falam, quase sem parar.

É obvio que atividades online de cunho expositivo também têm sua importância e seu lugar, mas aqui não se trata disso.

O importante é que os convidados se sintam como parte ativa do bate-papo, de uma forma que isso se pareça o máximo possível com uma roda de conversa presencial e ninguém se canse de estar ali, à frente da tela, por algum tempo, porque afinal todos terão certo papel a desempenhar.

No tocante à pauta, cada realidade possui suas especificidades, em matéria de demandas locais que não devem ser esquecidas, nesse momento, porém, tanto quanto possível, deve-se centrar esforços em apresentar dados reveladores da conjuntura nacional preocupante e obviamente seus reflexos no município ou região.

Desse modo, uma chamada para uma conversa pública sobre desemprego e falta de oportunidades na cidade, por exemplo, pode ensejar muito bem a leitura mais abrangente do problema que afeta todo o país, suas causas e relações com outros temas nacionais.

A partir daí e feitas as considerações ou interpretações, sob a ótica dos interesses do povo, por pessoa ou pessoas mais aptas a discorrer sobre o assunto naquele momento, deixa-se todo mundo falar, dentro de certos parâmetros de tempo previamente ajustados.

Ao final, são encaminhadas estratégias de multiplicação daquelas informações e sugestões para o despertamento das pessoas em geral, diante de situações muito indesejáveis que o país atravessa, de modo que todos comecem a se comprometer com as transformações necessárias, aproveitando o período pré-eleitoral e as eleições em si, no próximo ano, se estiverem de fato garantidas, a depender exatamente de ampla mobilização contra certas perspectivas ruins que se anunciam.

O que não pode ocorrer agora como aparentemente vem ocorrendo bastante, é o campo progressista permanecer até certo ponto fechado em si mesmo, falando para dentro, ou atirando palavras ásperas a esmo, não sem razão, mas sem muito proveito.

Sindicalistas, professores e líderes religiosos não alienados, comerciantes conscientes, jovens influenciadores digitais que não sucumbiram ao individualismo ou ao mero desejo de fama e dinheiro precisam começar a promover essas reuniões virtuais para fomento da esperança e organização da luta, sem a qual a derrocada da democracia brasileira tende a se consolidar.

*José Avelange Oliveira, professor da rede estadual da Bahia, autor do livro Ditados Interessantes dos Povos do Mundo Inteiro.

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