Pedro Augusto Pinho: Brasil, um país onde só se falou em Educação 430 anos após a chegada de Cabral

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Que país é este?

Por Pedro Augusto Pinho*

Francelino Pereira (1921-2017), mineiro piauiense, cuja vida pública teve início em 1951, eleito vereador em Belo Horizonte, passa pela Câmara Federal, pelo Governo de Minas, até o mandato de senador, conquistado nas urnas em 1994, ficou célebre apenas pela pergunta: “que País é este?”.

Em 1976, quando o governo Geisel propõe a agenda de abertura política, enunciou: “Que país é este, no qual as pessoas não confiam na firme vontade política do presidente da República de levar adiante a decisão amadurecida e consistente de dar continuidade à plena redemocratização?”.

Muitas respostas cabem nesta interrogação. Mas se a pergunta fosse: quem é o poder no Brasil, apenas uma resposta seria verdadeira: o colonizador, os poderes estrangeiros, o exemplo e a vontade de ideologias criadas para outros contextos, para outras realidades, para outros povos.

Uma nação se constitui de território e povo que estruturam o Estado Nacional com sua cultura, com seu passado e sua projeção de futuro.

Contraponho a de Francelino, outra questão: onde encontramos um território tão rico e um povo quase integralmente mestiço e integrado como no Brasil?

Mas vimos em nossa história até um governante, o segundo Imperador, importando estrangeiros para o “embranquecimento do povo brasileiro”. Teria vergonha de se apresentar nas cortes europeias como Imperador de mestiços, índios e negros?

Dos primeiros livros de nossa história, de 1627, a “História do Brazil” (com z), de frei Vicente do Salvador (1564-1638), discorre sobre os reis de Portugal:

“pelo pouco caso que haviam feito deste tão grande estado, que nem o título quiseram dele, pois intitulando-se senhores da Guiné, do Brazil não se quiseram intitular, nem depois da morte de el-rei D. João III, que o mandou povoar e soube estimá-lo, houve outro que dele curasse, senão para colher suas rendas e direitos”.

“E deste mesmo modo se haviam os povoadores, os quais por mais arraigados que na terra estivessem, e mais ricos que fossem, tudo pretendiam levar a Portugal, e se as fazendas e bens que possuíam soubessem falar também, lhes haveriam de ensinar a dizer como os papagaios, aos quais a primeira coisa que ensinam é: papagaio real para Portugal, porque tudo querem para lá”.

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“E isto não tem só os que de lá vieram, mas ainda os que cá nasceram, que uns e outros usam da terra, não como senhores, mas como usufrutuários, só para a desfrutarem e a deixarem destruída” (Frei Vicente do Salvador, História do Brazil, com revisão e apresentação de Capistrano de Abreu (1918), Juruá Editora, Curitiba, 2011, 3ª reimpressão).

Frei Salvador analisava o pensamento colonizador de Sir Walter Raleigh (1552-1613), de “quem domina o comércio mundial domina a riqueza do mundo” e para isso era primordial possuir colônias.

O embate europeu pelas colônias colocou em luta a Espanha, vinda de seu Século de Ouro (1521-1643), a Inglaterra, de suas Revoluções – Puritana (1641-1649), República de Cromwell (1649-1658), Restauração dos Stuart (1660), Gloriosa (1688-1689), a Holanda, libertando-se da Espanha, sob a liderança de Guilherme de Orange, constituindo a República das Sete Províncias Unidas dos Países Baixos (1579), e a França, com o absolutismo dos Bourbon, inaugurado por Henrique IV (1553-1610).

E Portugal?

António Manuel Hespanha (As vésperas do Leviathan, Almedina, Coimbra, 1994) discorre sobre a ideologia liberal que toma conta do Estado português.

E ela vinha atender a “defesa do interesse patriótico”, conter as “forças egoístas da nobreza” e promover o apoio da nascente burguesia. E seria este Estado o executor da “função de instância arbitral dos conflitos sociais e políticos e realizando, com auxílio dos legistas, uma progressiva tarefa de racionalização social”.

O rei passa a ser gestor de uma ideologia que nem lusitana era.

Podemos entender que o Tratado de Methuen (1703), com a Inglaterra, vem apenas confirmar o papel de capataz, não de senhor, que as potências da época destinavam a Portugal.

E que Portugal se acomoda numa burocracia judiciária, pouco ou nada promotora do desenvolvimento econômico e social.

Mas não era uma desdita de colônia.

Vejamos o que ocorria nas treze colônias inglesas na América do Norte.

A Inglaterra passava por dificuldades desde a Guerra dos Trinta Anos (1618-1648), que envolveu a França, Países Baixos, Dinamarca e Espanha, e que de guerra religiosa se transforma em disputa colonial. E por se terem fechados vários mercados para produtos ingleses, causam depressão econômica pelos anos 1620. Logo se acentua a exploração das colônias. Também ocorre, nas já referidas Revoluções, o avanço da produção industrial ao qual se opunha a burguesia comercial aliada da nobreza fundiária. Muitas divergências naquela ilha da Mancha.

As colônias, para soberanos ingleses e europeus, eram consideradas áreas para exploração, modo de aumentar seus poderes. E os colonos, servidores, funcionários, lacaios dos colonizadores, a quem deviam servir e enriquecer.

“O termo “sistema colonial” não tem significado preciso e é vagamente usado em várias conotações por diferentes escritores. É sinônimo daquele sistema complexo de regulamentos por meio do qual, embora em grau diferente, as estruturas econômicas da metrópole e da colônia foram moldadas para se conformarem ao ideal do império autossuficiente. Para compreender este sistema, será necessário analisar os princípios subjacentes à política colonial inglesa, especialmente nas leis de comércio e navegação”.

“Pode ser avaliada a vida econômica das colônias, pelas suas atividades comerciais e manufatureiras, além dos efeitos causados pelo sistema que a controla. Há um corpo legislativo inglês sobre as colônias que exige a nomeação de funcionários para o executar, além da máquina administrativa para verificar em que medida as leis são cumpridas. E como os sistemas econômicos e político estão inseparavelmente ligados, para elucidar um será necessário discutir suas relações com o outro” (George Louis Beer, The Origins of the British Colonial System 1578-1660, Macmillan, NY, 1908, em tradução livre).

O historiador da Universidade de Columbia (NY), Herbert Aptheker (1915-2003) (Uma nova história dos Estados Unidos: a era colonial, tradução de Maurício Pedreira para Civilização Brasileira, RJ, 1967) cita um Marquês de Carmathen, falando na Câmara dos Lordes:

“Para que fim se permitiu que os colonos fossem para aquela terra, a não ser que os lucros do seu trabalho retornem a seus senhores, aqui? Penso que a política de colonização é altamente culpável se a vantagem não redundar em benefício dos interesses da Grã-Bretanha”.

Porém, o historiador estadunidense também observa que: “a maioria — proprietários e não proprietários — via a colônia como lar (mesmo que durante décadas muitos falassem da Inglaterra e de outras partes da Europa como sendo Pátria). Tinham arriscado a vida atravessando o Atlântico com a ideia de melhorar a vida”.

E adiante: “o objetivo dos colonizadores era o de explorar as colônias; isso significava um conflito de interesse fundamental entre colonizadores e colonos”. Conflito que não encontramos na descrição de Frei Vicente.

O já citado George Beer não via, nos confrontos colonizador versus colonizado, naqueles anos dos séculos XVI – XVII, qualquer questionamento teórico, como outros analistas descreverão muito depois.

Era, nas palavras de Aptheker, “parte orgânica dos interesses contraditórios dos colonizadores e colonos”.

Prossigo nas considerações do professor de Columbia: “suas sementes foram nutridas pela distância entre colonos e soberanos; pela mistura de povos que produziu um novo povo, com a passagem das décadas; pelas experiências isoladas dos colonos que os uniram entre si e cada vez os separavam mais da Pátria; pelas economias distintas das colônias que, apesar das obstruções e restrições, vieram a se desenvolver; pelo sentimento comum de insatisfação e exploração e separatismo, que, somando a tudo mais, fez deles outro povo”.

Por que isto não ocorreu no Brasil?

Na verdade, ocorreu, mas a pedagogia colonial, sempre forte e presente na colonização portuguesa, que abria mão das produções mas não das almas, jamais descuidou.

Querem um exemplo?

A educação que só entra na estrutura do Estado com Getúlio Vargas, chefe do Governo Provisório, em 14 de novembro de 1930.

Quatrocentos e trinta anos após a chegada de Cabral.

Porém há igualmente uma condição muito grave e degradante para os que no Brasil tinham a responsabilidade de governar, e os que representavam a parte do poder estrangeiro que nos dirigiu desde sempre: a escravidão racial, que se transforma em escravidão econômica, ampliando seu alcance desumano.

De autor anônimo, escrito provavelmente em 1618, Diálogos das Grandezas do Brasil (Edições Melhoramentos, SP, s/data) tem na Introdução de Capistrano de Abreu, para a edição de 1930, da Academia Brasileira de Letras, o seguinte texto:

“Em 1618 os estabelecimentos fundados por portugueses começavam no Pará, sob o Equador, terminavam adiante de S. Vicente, além do Trópico. Entre uma e outra capitania havia grandes espaços devolutos de dezenas de léguas. Para as bandas do sertão na facha da floresta, apontava quase o mar a natureza intemerata. A população total cabia folgadamente em cinco algarismos”.

Os Diálogos são travados entre Brandônio e Alviano. Diz Brandônio:

“Neste Brasil, se há criado um novo Guiné com a grande multidão de escravos vindos de lá que nele se acham, em tanto que em algumas capitanias há mais deles que dos naturais da terra, e de todos os homens que neles vivem tem metida quase toda a sua fortuna em semelhante mercadoria. Todos fazem sua granjearia com escravos de Guiné, que para esse efeito compram por subido preço ……… e vivem somente do que granjeiam com tais escravos”.

Eduardo Chivambo Mondlane (1920-assassinado em 1969), líder da independência de Moçambique, deixou várias análises e narrativas sobre a luta para libertação. Destas retiramos o texto que segue, com título: Resistência, a procura de um movimento nacional (in Manuela Ribeiro Sanches (organizadora), Malhas que os Impérios Tecem, Edições 70, Lisboa, 2012):

“O movimento nacionalista não surgiu numa comunidade estável historicamente com uma unidade linguística, territorial, econômica e cultural. Em Moçambique, foi a dominação colonial que deu origem à comunidade territorial e criou as bases para uma coerência psicológica, fundada na experiência da discriminação, exploração, trabalho forçado e outros aspectos da dominação colonial”.

Nosso Brasil, de todos os rincões, cores e sempre solidário, ainda está por se construir como Estado Nacional, soberano e cidadão.

Tivemos no nacional-trabalhismo, uma ideologia nacional brasileira, com Getúlio Vargas, nosso melhor momento de amplo e integral desenvolvimento: cultural, econômico, social, tecnológico, que vem sendo destruído por sucessivos golpes, sendo o último com a eleição de 2018.

Não são somente os golpes militares, mas os midiáticos, parlamentares, jurídicos e vemos de modo ameaçador os marginais-policiais, os milicianos, batendo à nossa porta.

Como no título de Mondlane, é preciso resistir e construir um movimento nacional, independente de tutelas, criativo e efetivo para construção do Brasil.

*Pedro Augusto Pinho, administrador aposentado.

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Christian Fernandes

Agradeço a aula e os pingos nos “i”: nossa casta de governadores-gerais cuja razão única de existir é garantir a vida luxuosa da metrópole em troca de muamba via Miami – nisso não há diferenças entre Dutra / milicos / FHC / Bôça – e a contrapartida da dominação. Qual seja, todas as tragédias continuadas do Brasil, exigidas pelos dominadores e prontamente entregues pelos adoradores de europeus – mais das vezes com ~superação~ das metas de morte.

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