Jair de Souza: Que Lula não caia na mesma armadilha que Mandela não soube evitar
Tempo de leitura: 4 minLula pode ser o nosso Mandela: o lado bom e o lado ruim da equiparação
Por Jair de Souza*
Neste momento de calamidade em que o Brasil se encontra devido aos descalabros produzidos por aqueles que desfecharam o golpe de 2016 e seus sucedâneos da praga bolsonarista que chegou ao governo, parece que o nome de Luiz Inácio Lula da Silva se vislumbra como o único capaz de retirar a nação do lamaçal no qual ela foi lançada.
Nessa volta fulgurante, sendo visto e sentido como um possível salvador da pátria, muitos têm equiparado a figura de Lula e o papel que ele deve desempenhar por aqui àquele que há algumas décadas fora exercido pelo saudoso líder sul-africano Nelson Mandela no processo de transição que pôs fim ao odiento regime de segregação racial conhecido como apartheid que vigia na África do Sul.
Realmente, é muito positivo que o povo brasileiro conte com uma liderança tão responsável, cativante e motivadora como o é Lula.
Assim como Mandela, Lula também preferiu sofrer prisão e perseguição a trair os ideais com os quais ele havia conquistado a confiança de seu povo.
Não é à toa que o nome de Lula aparece disparado em primeiro lugar em todas as pesquisas eleitorais que vêm sendo realizadas.
Mesmo entre aqueles que nunca simpatizaram com seu nome, Lula passou a ser visto como o único capaz de liderar o Brasil num caminho que nos tire da imensa tragédia em que o bolsonarismo nos lançou.
Porém, também precisamos recordar o que ocorreu com a transição liderada por Mandela na África do Sul e aprender com sua lição.
Precisamos recordar que a luta contra o maldito apartheid foi travada durante décadas pelo povo sul-africano.
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O principal órgão dirigente daquela luta foi o Congresso Nacional Africano (CNA), em cujo seio a principal força era representada pelo Partido Comunista Sul-Africano (ao qual o próprio Mandela esteve vinculado).
É fato que Mandela permaneceu encarcerado e incomunicado por mais de 27 anos e, portanto, estava impossibilitado de exercer o comando prático dos embates travados contra as poderosíssimas forças de choque dos racistas sul-africanos.
Embora o papel simbólico de Mandela tenha sido enorme, no dia a dia prático, foram outros os que exerceram as mais importantes funções: Winnie Mandela, Joe Slovo, Oliver Tambo, Steve Biko, etc., muitos deles filiados ao PCSA.
Foram esses militantes que conduziram a luta contra o aparelho de repressão do regime racista e o derrotaram na prática.
Quando da libertação de Mandela no começo da década 1990, as forças sustentadoras do apartheid estavam fragorosamente derrotadas política e militarmente.
Assim que, Mandela era visto como o grande nome que seria capaz de recompor os pedaços daquele país que havia sido destroçado pelos racistas e os beneficiários de sua política segregacionista e excludente.
Politicamente, não havia nenhuma outra força capaz de se contrapor ao CNA em toda a África do Sul.
Infelizmente, nem Mandela e nem os outros dirigentes que estavam mais próximos dele naquele momento se aperceberam do que estava sendo tramado por aqueles que acabavam de ser derrotados no campo de batalha.
Ao perceber que não poderiam ter o domínio das instituições políticas do Estado, os representantes dos interesses da elite racista se deram conta de que lhes seria mais conveniente tratar de manter seu domínio através do controle da economia.
Assim que, enquanto aceitavam fazer concessões a nível de formalidades políticas, deixando os cargos políticos do governo para o CNA, trataram de aferrar-se no comando dos órgãos que controlam o funcionamento econômico.
Também se empenharam e conseguiram impedir que qualquer lei que alterasse de fato a injusta situação econômica do país fosse implementada. Daí que deu-se ampla abertura para tudo o que tinha a ver com o neoliberalismo: Banco Central independente, nada de reforma agrária, legislação trabalhista favorável ao patronato, etc.
Como consequência, independentemente de que caras negras passassem a ocupar os cargos políticos de governo, a situação concreta do conjunto do povo trabalhador acabou por se tornar ainda pior.
É lamentável, mas o fim do apartheid gerou uma acentuação da desigualdade social e a África do Sul veio a se transformar num dos países de maior nível de desigualdade social do mundo, superando até o Brasil nesse quesito.
É fundamental que frisemos, não foi pelo fim do apartheid que isso ocorreu. Foi sim devido ao negligenciamento pelos representantes populares das questões que dizem respeito diretamente ao nível de vida da população. E aqui vale a pena voltar ao caso brasileiro.
É muito bom que Lula receba apoio de todos os setores de nossa sociedade, até dos capitalistas, dos banqueiros, dos donos de terras. Se eles quiserem ajudar a pôr fim à desgraça representada pelo bolsonarismo, bem-vindos sejam.
Mas, não devemos deixar de considerar que são as forças populares que representam a essência do bloco transformador neste processo e neste momento.
Todo e qualquer apoio deve ser recebido de bom grado, desde que não nos impeça de exigir que as reivindicações básicas dos setores populares estejam na primeira linha de objetivos.
Devemos receber de braços abertos a todos os que aceitem a revogação das medidas que retiraram direitos dos trabalhadores depois do golpe de 2016; que aceitem lutar pelo fim da limitação do teto de gastos; que apoiem a luta pela recuperação de nosso pré-sal; que concordem com a recuperação e revitalização da Petrobrás; que defendam a volta do Banco Central ao controle governamental; que se empenhem na recuperação da Eletrobrás e impeçam sua privatização; etc.
Ou seja, todos os que se disponham a participar conosco nas lutas por esses objetivos podem e devem ser vistos como nossos aliados.
Mas, não podemos abdicar dos mesmos sob pena de condenar nosso povo a novas derrotas.
É neste sentido que a lição de Mandela nos deve servir.
Não caiamos no mesmo golpe que o valoroso líder anti-apartheid não soube detectar.
Para uma análise mais detalhada dos acontecimentos que marcaram a transição na África do Sul, recomendo a leitura do capítulo 10 do livro A Doutrina do Choque, de Naomi Klein.
*Economista formado pela UFRJ; mestre em linguística também pela UFRJ.
Comentários
Zé Maria
https://pbs.twimg.com/media/E1260LZXEAMh_fV?format=jpg
https://t.co/DtKD2Qudd7
“O que estão fazendo com a Eletrobrás e a Petrobrás
é um crime contra a atual e as futuras gerações
de brasileiros e brasileiras.
É um ataque sem precedentes à nossa soberania”
afirma o coordenador geral da FUP, @deyvidbacelar
Saiba mais: https://bit.ly/2QDzDV2
https://twitter.com/FUP_Brasil/status/1395476870347505671
Zé Maria
Com 100% de adesão, greve na PBio avança e
trabalhadores exigem abertura da negociação
https://twitter.com/FUP_Brasil/status/1395723864261513216
O segundo dia de greve dos trabalhadores da Petrobrás Biocombustível (PBio) começou nesta sexta-feira, 21, com a parada de produção das duas usinas da subsidiária. Tanto em Montes Claros, em Minas Gerais, quanto em Candeias, na Bahia, todas as unidades de processo de biocombustível foram paralisadas, diante da intransigência da direção da Petrobrás em negociar com os sindicatos efetivos mínimos e cotas de produção.
A greve segue por tempo indeterminado e conta com 100% de adesão nas áreas operacionais, incluindo todos os supervisores das usinas. No escritório da subsidiária, no Rio de Janeiro, mais de 80% dos trabalhadores sem funções gerenciais também participam da paralisação.
Os trabalhadores da PBio, mesmo sendo concursados, estão com seus empregos ameaçados, diante do processo avançado de privatização da subsidiária. A gestão da Petrobrás alega “impossibilidade jurídica” para atender a reivindicação da FUP e dos sindicatos de transferência dos trabalhadores para outras unidades do Sistema, caso a venda das usinas se concretize.
“Por conta da intransigência da direção da empresa, que se nega a negociar efetivos e cotas de produção nas usinas, tivemos a parada de produção das plantas, com adesão de todos os trabalhadores e trabalhadoras. Seguimos firmes e fortes na greve, aguardando que a empresa abra negociação para discutir a pauta de reivindicações dos trabalhadores de incorporação a uma das unidades do Sistema Petrobrás. O RH se recusa a negociar a transferência, empurrando centenas de pais e mães de família para a demissão sumária. Nós não vamos aceitar isso”, explica o coordenador da FUP, Deyvid Bacelar, que está acompanhando em Montes Claros a greve na Usina Darcy Ribeiro.
Além da luta pela preservação dos empregos, a greve denuncia os prejuízos da privatização da PBio, que foi criada em 2008, com a meta de produzir 5,6 bilhões de litros de biocombustível por ano. A subsidiária gerou milhares de empregos, movimentando a agricultura familiar, com participação em 10 usinas de etanol, produzindo 1,5 bilhão de litros por ano e 517 GWh de energia elétrica a partir de bagaço de cana. Em 2016, sob oi governo de Michel Temer, a gestão da Petrobrás anunciou a saída do setor de energia renováveis, colocando em hibernação a Usina de Quixadá, no Ceará, e vendendo a participação em diversas outras usinas. A privatização da PBio foi anunciada em julho de 2020 e atualmente encontra-se em fase final de venda das três usinas que são 100% controladas pela Petrobrás (Montes Claros, Candeias e Quixadá), que, juntas, têm capacidade de produzir mais de 570 mil metros cúbicos de biodiesel por ano.
“O Brasil é o terceiro maior mercado de biodiesel do mundo, mas a despeito de sua importância, a PBio está sendo desmontada desde o golpe de 2016. Abandonar o setor de biocombustível, além de impactar a agricultura familiar, desempregando mais brasileiros e brasileiras em plena pandemia, é condenar o futuro da Petrobrás, que vem sendo apequenada pelas últimas gestões, caminhando para se tornar uma empresa suja, sem compromisso com o meio ambiente, na contramão das grandes empresas de energia”, alerta Deyvid Bacelar.
https://www.fup.org.br/ultimas-noticias/itemlist/tag/greve%20petroleiros%202021
https://economia.ig.com.br/2021-05-21/pbio-paralisacao-greve-trabalhadores.html
Lucas
São países diferentes. Com histórias diferentes.
Os sul africanos sofreram muito por causa do racismo. O Brasil tb.
Existe umas medidas no plano internacional para serem alcançadas até 2030 e entre elas não está a diminuição ou luta contra o racismo. Acho que esqueceram disso ou está lá escrito de outra forma que não vi.
Talvez um dia a humanidade pare de segregar. Embora eu acho que nunca aprenderam NADA em 2 grandes guerras.
Por incrível que pareça Fran-cis.co é a pessoa mais sensata que apareceu nesses últimos anos, pois ele age muito como Jesus, ou seja, sem julgar. As vezes, bastava ver a humanidade do outro. Ver o outro como ser humano.
Hum. Precisou de um papa jesuíta para isso.
Ele diz coisas humanas. Falta muita humanidade nas pessoas. Não adianta impor coisas que alguns não conseguem seguir. E ele diz isso lá no Vaticano de cardeais que pensam diferente.
Não vejo como o Brasil tornar-se um país desenvolvido sem incluir todos. Somos desunidos. Por isso foi tão fácil para os EUA separar e destruir o Brasil.
As vezes, os planos são outros. O povo deveria parar de brigar e arregaçar a manga da camisa igual o Alckmin (embora aquilo fosse coisa de marketeiro) e trabalhar para isso aqui ser uma nação. Acho que não é não.
Mas com esse neo-liberalismo do Brasil esquece. NAO funciona.
O Brasil é um sério candidato a Chile de 2 anos atrás ou de Colômbia atual.
O neo … é para o terceiro mundo. Tendeu.
Economia e política precisam de sincronia. Acho que aqui e diferente. Mas pode acontecer isso sim.
Para a eleição falta um bom tempo ainda 1,5 ano, talvez os candidatos não sejam todos esses de agora e só esses.
Tá todo mundo sem emprego e ainda brigando. Continua que vai dar certo.
Xingam o Lula, mas todo mundo dá sua lambretinha por aí. Afinal, aqui é o povo mais esperto do mundo.
É muita esperteza mesmo. Viramos 12 economia. Éramos 6 ou 7. É menos dinheiro ou não é para todos.
Briga mais. Tá no caminho certo.
Sandra Rezende
Todos nós sabemos que Lula ama o Brasil e o povo brasileiro. Lula não negociou sua dignidade pela sua liberdade e vencerá em 2022 sem negociar a dignidade do Brasil e do povo brasileiro. Não creio que esse encontro com FHC seja de alianças. A Direita tem programa completamente diferente do programa do PT e 2022 deverá ser de mais radicalização nesse sentido.
Zé Maria
Está se formando um Perigoso Senso Comum
de que ‘qualquer coisa é melhor que Bolsonaro’.
Espera-se que Lula não nomeie para Ministro
da Fazenda ou da Economia – ou o que seja -,
um Neoliberal indicado pela Gang do Guedes
ou do PSDB, isto é, o Escolhido pelo Mercado,
que é o que a Mídia Venal pretende que seja.
Se Lula indicar alguém do Mercado Financeiro estará cometendo o mesmo erro que Dilma
cometeu, quando nomeou Joaquim Levy.
Nelson
Bem, meu caro Zé Maria. É de lembrarmos que Haddad já tinha definido que seu ministro da Fazenda, da Economia ou coisa que o valha seria o neoliberal convicto, Marcos Lisboa.
–
Então, se for a ala tucana do PT a definir os rumos do governo – e parece que é esta ala, que se diz de esquerda, mas se comporta como liberal(*) ou neoliberal que manda -, teremos, sim, o mesmo “erro” cometido mais uma vez.
Ermelinda Maria Dias Coelho
Acredito que as situações da Africa do Sul e do Brasil apresentam algumas diferenças.
A primeira é que Lula ficou preso 580 dias, e se incorporou totalmente à vida política. E, comanda a oposição e dita comportamentos para o (des)governo seja pela informação seja pela contraposição.
Mas, tenho grandes preocupações. Depois de Michel Temer, de quem fui contra a indicação em fevereito.2010. Na ocasião fui veementemente criticada.
A primeira então, diz respeito ao preenchimento da vaga de vice. Ele pode ser negocial-politicamente bom – assim como o disseram de Michel Temer – e, ser realmente arrasador para os trabalhadores – assim como o dito.
Lula, sem qualquer desmérito, tem mais de 70 anos e, vivemos tempos de pandemia, que não tem horizonte final definido, sequer cogitado.
Pode, a qualquer momento, sofrer um processo de afastamento, do e no interesse da direita que se aproxima.
Então, não é o PAPEL DO VICE no processo que é da maior responsabilidade. É
O VICE que é a maior responsabilidade no processo.
Lula elogia José de Alencar, o que não é paradigma, porque podemos citar – NO SENTIDO INVERSO – Michel Temer.
Não é possível levar o povo brasileiro a ser enganado novamente, elegendo Lula e herdando outro Michel Temer, o até pior.
Votei no Haddad e, em nenhum momento me senti responsável pela eleição de Bolsonaro. Tem responsabilidade com Bolsonaro quem votou, apoiou, fez campanha para ele.
Mas, me sinto responsável por Michel Temer e as consequências de sua existência e seu período como presidente, por suas artimanhas e tramas.
Não basta ter “conversas” e fazer negociações e tratativas. Há que se TER RESPONSABILIDADE ACIMA DO NORMAL E CORRIQUEIRO com relação aos acordos políticos.
Não vou citar sequer as políticas já tratadas pelo autor.
Mas, fazendo referência às loas tecidas, “nem que seja pela foto”, sobre o encontro Lula e FHC, temos que lembrar que muito recentemente este último criticou o (des)governo bolso, inclusive publicou um levantamento comparativo, sobre o desempenho nas privatizações.
PSDB que votou, quando muito não totalmente, em todas as matérias econômicas destrutivas para os trabalhadores propostas por Michel Temer e Bolsonaro.
Que na votação da privatização da Eletrobrás, em 19.05.2021, enquanto o aperto de mão – atual – era dado, de 33 deputados federais, 25 votaram a favor e com o governo Bolsonaro, 4 contra e 4 se ausentaram/abstiveram.
O PSB, em vias de se tornar o Socialistas, não é diferente. PDT, etc. Isto, para citar somente os que dizemos serem do campo “progressista”.
Do futuro Socialistas tem a compensar o PCdoB que votou 100% contra. E, o PT.
Temos a REDE que também votou 100% contra, mas que não integra o leque de alianças em discussão.
O NOVO, também 100% contra, compõe o campo oposto.
E, por último, a minha surpresa até o PSOL teve somente 90% de votos contra. 10% não compareceram ou se abstiveram.
Então, ao fim e ao cabo, exatamente de QUÊ NOS ESTAMOS TRATANDO? Não é sob o aspecto econômico e de políticas públicas exatamente o mesmo ocorrido na Africa do Sul, e do que nós já temos não uma, mas várias experiências similares, com resultado igualmente danoso.
Quero dizer que estou na fase do caldo de galinha. Grosso, e do repouso. Pensando, ponderando.
Qual, ao final, será o sentimento de “menor responsabilidade” que estará formado em mim – votar em Lula com qualquer que seja o vice colocado?
Votar em Braga, do PSOL?
E, aí no 2º turno, se houver?
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