Não chore por Rupert Murdoch — Já se esperava por isso
por Ron Kaye, em seu blog, em 14.07.2011, via BBC
Rupert Murdoch esperava por isso há muito, muito tempo
Eu estava lá em 1975, no pico da maior crise política e constitucional da história da Austrália quando Murdoch mostrou seu desprezo pela verdade, pela integridade jornalística e pela própria democracia.
Depois de 30 anos fora do poder, o Partido Trabalhista liderado por Gough Whitlam venceu a eleição de 1972 graças, não pouco, ao apoio do então liberal Murdoch, que tinha saído do nada para ganhar dos barões da mídia e se tornar uma força no jornalismo australiano, graças às mulheres topless na página três de seus tablóides e a uma desavergonhada disposição para apelar ao menor denominador comum.
Em 1975, a invasão britânica do jornalismo de Murdoch já estava avançada e sua posição política mudou fortemente para a direita. Ele se juntou ao incansável ataque ao governo trabalhista, cujas próprias folias permitiram ao Governador Geral, o representante da rainha, demitir Whitlam, instalar conservadores no poder e convocar eleições antecipadas.
Murdoch, como fazia periodicamente, voou para Sidnei e assumiu a redação do The Australian, seu único jornal respeitável.
Como repórter e algumas vezes editor-pauteiro, eu ficava fascinado vendo-o trabalhar e ouvindo Murdoch de tempos em tempos.
Ele era um gênio jornalístico, como nenhum outro que eu já tinha visto ou vi desde então. A única pessoa próxima dele era Gene Pope, o demoníaco fundador, diretor e editor do National Enquirer.
Havia algo em comum entre eles. Os dois cresceram em meio à riqueza e ao privilégio, ainda assim tinham o instinto intuitivo para o cerne da notícia e uma capacidade de ler a mente de pessoas comuns, nascida, creio, de seu desprezo pela banalidade delas.
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Como copidesque do National Enquirer eu sempre achei que estava escrevendo a verdade, só não sabia se ela era real. Com Murdoch, nem a verdade nem a realidade pareciam importar, que é o que faz a queda dele tão deliciosa.
Com milhares de pessoas protestando nas ruas e a paixão política fora de controle durante a campanha de três semanas de 1975, Murdoch decidiu que o trabalho de seu principal repórter de política era muito equilibrado e justo, assim Murdoch atirava os textos no lixo e escrevia ele mesmo, usando o nome do repórter para publicar os textos.
A última esperança do Partido Trabalhista eram os números do desemprego que seriam divulgados na tarde da sexta-feira, mostrando que a política econômica estava funcionando e era isso que os números divulgados pelo governo conservador provavam.
Murdoch ficou furioso. Ele ligou para o ministro do Trabalho e exigiu que os números fossem revistos e conseguiu isso uma hora depois, permitindo ao The Australian noticiar com exclusividade sobre o fracasso das políticas do partido.
Foi assombroso ver como as notícias poderiam ser descaradamente manipuladas. Os repórteres e os editores que viram o que aconteceu ficaram furiosos e no domingo de manhã um punhado de nós decidiu que algo precisava ser feito.
Pressionamos os líderes do sindicato dos jornalistas para convocar uma reunião especial mas eles se negaram, rejeitando as reclamações. Descobrimos um item do estatuto que nos permitia convocar uma reunião de emergência mesmo sob objeção e na segunda-feira à noite, durante o intervalo para o jantar, cerca de 600 jornalistas do The Australian, Sydney Mirror e Sydney Telegraph se reuniram para considerar a decretação de uma greve.
Ao contrário dos Estados Unidos, os sindicatos na Austrália são poderosos, com cerca de 55% da força de trabalho sindicalizada então e muitos dos sindicatos liderados por comunistas.
Meus pedidos apaixonados em defesa da Primeira Emenda, como se houvesse Bill of Rights na Austrália, e em defesa da liberdade de imprensa e da integridade de nosso trabalho pareciam encontrar ouvidos surdos, como se meu inglês norte-americano fosse mesmo um idioma estrangeiro.
Mas, então, um colunista bêbado do tablóide Mirror começou a me atacar e a tumultuar o encontro, denunciando-me em rimas e me comparando a um tanque de esgoto — querendo dizer que eu era um ianque sujo — e os presentes começaram a mudar de posição.
Depois de muito debate, nós ganhamos no voto e ninguém voltou ao trabalho por 24 horas.
Com o Partido Trabalhista em pedaços, Murdoch se tornou o foco da mídia nos dias finais da campanha, aparecendo na TV para defender suas ações. A greve se tornou parte do folclore sobre Murdoch. Alguns meses depois, eu e dois outros líderes fomos demitidos. Todos entraram em greve de novo e nos ofereceram nossos empregos de volta ou pagamento de uma indenização em algumas horas. Fui trabalhar de correspondente da revista Newsweek e no The Guardian, em Londres.
Por muito tempo, eu abominava Murdoch e ficava feliz ao desprezá-lo. Mas fiquei mais velho e com maior sabedoria comecei a ter um relutante respeito pelo que ele conseguiu conquistar como o maior magnata da mídia nos últimos 50 anos, em minha avaliação de todos os tempos.
Ele começou com um pequeno jornal falido de Adelaide, que conseguiu como parte de um acordo em uma ação baseada em promessas não cumpridas feitas ao pai dele, um importante executivo de jornal que morreu cedo, enquanto Rupert estava na Inglaterra como Rhodes Scholar.
Dentro de um ano o jornal de Adelaide estava florescendo e Murdoch invadiu Sydney e assumiu um tablóide em decadência de um dos três magnatas que dominavam a mídia do país e esperavam que o jovem empresário se afogasse na tinta vermelha dos prejuízos.
Murdoch rapidamente se tornou maior que qualquer um deles e depois fez o mesmo na Inglaterra.
Ele tentou fazer o mesmo nos Estados Unidos, comprando um jornal em San Antonio e o New York Post mas o ramo dos jornais é diferente aqui e os leitores de jornais, na maioria, também. Ainda assim, o Post se tornou o modelo para a TV sensacionalista e a mania de fofocas da internet que hoje domina o país e Murdoch transformou o Wall Street Journal num jornal muito mais vivo, da mesma forma que fez com o Times de Londres.
A televisão, ficou demonstrado, era a mídia de Murdoch nos Estados Unidos. De todas as suas conquistas, a maior foi criar uma rede de TV que trinfou sobre as Três Grandes e transformar a Fox News na TV a cabo mais bem sucedida e na força política mais poderosa do país.
Mas, não chorem por Rupert Murdoch. O colapso de seu irresistível poder político na Inglaterra é bom para o país. Que sua imagem está manchada é bom para o mundo. Isso estava marcado para acontecer faz muito, muito tempo.
Leia também:
Maria da Conceição Tavares: Vivendo a treva, nas mãos dos ultra-liberais
Naomi Klein: Canhões e balas de borracha
Nouriel Roubini: Danou-se, então, o capitalismo?
Comentários
Mário SF Alves
Será que foi por isso que o Berlusconi jamais se meteu tanto a besta com a Terra da Rainha?
gilberto
Todo imperador um dia cai….isso é o que nos faz ter esperanças.
Todo politico morre , até os que estão 'imortalizados"(balela pura ) nas academias de letras ( falsas).
Rafael
Fico pensando o seguinte: a função que Murdoch executa deve ser realizada por alguém, ou seja é um posto a ser ocupado seja quem for. Na democracia como ela funciona é necessário alguém como Murdoch que realize essa atividade de manipulação, de concentração de poder em um único meio de comunicação para que não haja a voz dissonante, para que não haja o contraponto. Aqui no Brasil são os marinho, na Inglaterra, Austrália e Eua foi o Murdoch, mas em breve virá outro.
FrancoAtirador
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A ABRIL E A NASPERS
UM ESTUDO DE CASO DO CAPITAL ESTRANGEIRO NA MÍDIA BRASILEIRA
http://www.direitoacomunicacao.org.br/index2.php?…
Marcio H Silva
Gutemberg está se revirando no túmulo.
Do Wikipedia: João Gutenberg, ou Johannes Gensfleisch zur Laden zum Gutenberg (Mogúncia, c. 1398 – 3 de Fevereiro de 1468) foi um inventor e gráfico alemão que introduziu a forma moderna de impressão de livros – a prensa móvel- que possibilitou a divulgação e cópia muito mais rápida de livros e jornais. Sua invenção do tipo mecânico móvel para impressão começou a Revolução da Imprensa e é amplamente considerado o evento mais importante do período moderno.[1] Teve um papel fundamental no desenvolvimento da Renascença, Reforma e na Revolução Científica e lançou as bases materiais para a moderna economia baseada no conhecimento e a disseminação da aprendizagem em massa.
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