Adriano Diogo: Isa Penna é vítima de feminicídio de reputação; única condenada no caso do deputado assediador

Tempo de leitura: 4 min
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FEMINICÍDIO DE REPUTAÇÃO

Por Adriano Diogo*, especial para o Viomundo

8 de Março de 2021. Ano da peste, da pandemia.

8 de Março, no Brasil. Comemorado com mais ênfase após o fim da ditadura, quando as primeiras manifestações despotavam aqui.

8 de Março de 2021. Ao menos, em São Paulo, deveria ter como centro de debates o caso da companheira Isa Penna, deputada estadual do PSOL.

Em 16 de dezembro de 2020, ela foi covardemente assediada pelo colega Fernando Cury (Cidadania) durante sessão da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp).

Foi no próprio plenário.

Ela conversava com o presidente da Casa, Cauê Macris (PSDB), tentando colocar seus projetos de fim de ano,  suas emendas, quando foi atacada pelas costas, da forma mais animalesca possível.

Fernando Cury deu-lhe “abraço por trás”, que incluiu um toque no peito direito da parlamentar.

Isa Penna registrou BO e denunciou Cury ao Conselho de Ética da Assembleia por importunação sexual e quebra do decoro parlamentar.

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Na sexta-feira passada (05/03), saiu o resultado. Uma vergonha!

Por 5 votos a 4, o Conselho de Ética aprovou a suspensão do mandato de Cury por apenas 119 dias — e não seis meses, como sugeriu o relator.

O resultado é “quase um presente” para o parlamentar, como muito bem observou Isa Penna.

No processo, a única condenada foi a mulher, a jovem parlamentar.

Nesse 8 de Março, o jornal  Folha de S. Paulo trouxe dois anúncios de página inteira, em formato de informe publicitário, a favor da deputada.

Um deles, abaixo, registra os nomes dos deputados que aliviaram para o colega assediador.

A ira “deles” contra Isa Penna remonta a outubro de 2019.

Na ocasião, ela leu na tribuna da Alesp o poema “Sou puta, sou mulher”.

A colega Valéria Bolsonaro (ex-PSL, atualmente sem partido) ficou tão enfurecida, que, na hora, tentou cassar a palavra de Isa. E o deputado Douglas Garcia (PTB) pediu a cassação do mandato dela.

A língua portuguesa é tão pródiga que temos “cassação” com dois esses. Neste caso, cassação de mandato.

Mas temos também com cedilha, do verbo caçar.  Por exemplo, os caçadores embrenhados na selva em perseguição de pequenos e grandes mamíferos.

Pois bem, “eles” fizeram isso por 1 ano e quatro meses, procurando motivos.

Tentaram “cassar/caçar” a jovem deputada Isa Penna, uma menina brilhante, polemista.

Pura vingança pela ousadia dela.

O deputado Fernando Cury foi “penalizado” com afastamento sem remuneração por 119 dias. Ele apenas foi afastado do gabinete e das funções legislativas, porém manteve direito a assessoria, uso do carro, motorista, verba e telefone.

Ou seja, o gabinete funciona e ele terá direito inclusive a emenda de R$ 4,5 milhões.

Na realidade, recebeu uma promoção.

O assédio aconteceu num dezembro regado a uísque, festas e comemorações durante a aprovação do orçamento do governo João Doria (PSDB).

Nos mesmos moldes daqueles trotes das faculdades, analisados por mim nos últimos meses antes de sair da Assembleia, em março de 2015.

Trotes brutais, humilhantes, onde jovens calouras eram alcoolizadas, drogadas e violadas.

Foi isso que aconteceu no plenário da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo.

Isa Penna sofreu um trote, como nas mais terríveis repúblicas estudantis de algumas cidades do interior paulista.

Curiosamente, quando presidi a CPI dos Trotes, na Alesp,  descobri que as repúblicas estudantis de Botucatu eram tão assustadoras que um grande médico, preocupado com o futuro do filho, largou a profissão e se tornou um dos maiores filósofos de proteção da juventude na fase universitária.

Ele passou a atuar sob o pseudônimo de Dr. Bartô.  Fez isso para evitar que o próprio filho sucumbisse.

Na época, ele nos revelou na CPI dos Trotes que uma juventude estava sendo capturada para o mundo terrível da nova direita brasileira.

Da “formação” deles,  faziam parte escravização das mulheres em cursos acadêmicos do interior, festas “open” e até criação de uma rede de prostituição de jovens para trabalhar em boates e baladas

A deputada Isa Penna foi vítima desse universo que me foi revelado na época da CPI dos Trotes.

Um mundinho onde a mulher tem papel similar ao das mulheres escravizadas, que serviam aos senhores de engenho e aos da cidade.

O caso agora vai ser votado no plenário da Assembleia.

Certamente haverá um recurso em plenário.

Também haverá uma grande mobilização.

Evidentemente as pessoas não terão acesso à galeria da Alesp, talvez a votação ocorra de forma virtual.

Isa Penna terá seus direitos de mulher e cidadã “caçados”,  enquanto “eles” serão promovidos a “caçadores”, serial killers.

Essa associação remete a vários filmes da minha juventude, entre os quais “Os cafajestes” e “O caso Araceli”.

Felizmente, existe a possibilidade de que o Supremo Tribunal Federal (STF) se manifestar acabando com a tese que persiste até hoje no Brasil de “defesa legítima da honra do macho”.

O que aconteceu na Assembleia Legislativa se avizinha ao que ocorreu em todos os júris populares onde a deputada foi punida pela “livre defesa da honra do macho”.

Se o plenário da Assembleia Legislativa repetir a votação da Comissão Processante de Investigação, estará incorrendo em igual crime: o crime em defesa da honra dos deputados em detrimento do discurso da parlamentar.

Os machos oriundos das regiões rurais, os fazendeiros e os quatrocentões punirão a menina.

Depois de Ângela Diniz (assassinada por Doca Street) e Eliane de Grammont (morta por Lindomar Castilho), entre milhares e milhares de outras vítimas, Isa Penna será a maior vítima do processo machista, a única que foi cassada.

Que pena, que pena, que pena, Isa Penna!

Reaja, companheira!

Reajam, mulheres do do Brasil para que isso não se repita!

Foi uma jogada combinada do deputado assediador com “eles”.

Que esse país um dia tenha justiça e que essa comece pelas mulheres.

Que a “livre defesa da honra do macho” seja extinta do direito brasileiro e acabe com o feminicídio e o feminicídio das reputações!

*Adriano Diogo é ex-deputado estadual pelo PT/SP.  Na Assembleia Legislativa de São Paulo, presidiu a Comissão da Verdade do Estado de São Paulo Rubens Paiva, que investigou e divulgou os crimes cometidos pela ditadura militar no estado, o SOS Racismo e a CPI dos Trotes.

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Comentários

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Zé Maria

Esse Deputado Paulista Assediador é tão Criminoso quanto o Tararado do Metrô.
Tem que ser não só Cassado como também Preso.

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