Bastidores da crise em Manaus: Samu respondeu a chamados de emergência, mas encontrou ao menos nove mortos por covid em casa

Tempo de leitura: 5 min
Negacionismo e incompetência

por Luiz Claudio dos Santos Corrêa*, sugerido por Zé Maria

A saúde do Amazonas já vem sofrendo um grande colapso devido a problemas de governos anteriores, inclusive corrupção – resultou, inclusive, em uma operação da Polícia Federal que prendeu vários envolvidos em fraude no sistema público de saúde.

Mas também sofre com a grave falta de investimentos, piorando com a emenda do teto de gastos, que reduziu o que é repassado pelo governo para o estado e o município.

O Amazonas foi o primeiro estado a sofrer com a pandemia.

Ela chegou aqui muito mais cedo do que no restante do Brasil, de forma forte, e o mesmo aconteceu com a segunda onda.

Na primeira onda nós já tivemos problemas de falta de leitos e falta de insumos nos hospitais.

Não falta de oxigênio, como agora, mas já houve problemas de falta de leitos.

O número de mortes na primeira onda foi muito elevado e houve intervenções pontuais, mas não em termos de estrutura e de prevenção, em que se podia ter uma ação mais enérgica do estado, com fechamento da parte comercial, da estrutura industrial e, com isso o trânsito de pessoas na rua foi muito forte.

Ainda assim, o incentivo do governo federal para que as pessoas fossem para a rua, não usassem máscara, não tomassem os cuidados, ajudou para que o discurso econômico se sobreposse à vida.

Então Manaus, que teve um grande pico na primeira onda, não conseguiu estabelecer um fechamento das suas atividades, o que contribuiu para um grande aumento de mortes e que não parasse.

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Não houve a chegada dos recursos prometidos por parte do governo federal, e o que se fez foi trabalhar muito na base do improviso, na estrutura curativa e não preventiva.

As pessoas começaram a falecer em casa…

E na segunda onda é ainda mais grave.

O governo tentou estabelecer o lockdown e houve uma revolta de alguns setores específicos mais voltados à ideia de que não se deve fechar a economia, não se deve parar.

Isso foi em dezembro, quando foi dado o alerta de que poderia aumentar, e fechando as atividades se pretendia que se reduzisse as aglomerações.

Infelizmente o resultado veio, as pessoas que aderiram àquela revolta hoje estão caladas, deputados federais.

E o aumento de casos veio com o pico nessa semana, em que se tornou calamidade, primeiro pelo estrangulamento da rede pública, que chegou a 100% de sua lotação e os doentes, quando chegavam aos hospitais, eram encaminhados para retornarem às suas casas.

Foi quando as pessoas começaram a morrer por falta de oxigênio. As pessoas começaram a falecer em casa e o sistema Samu, quando era chamado, já era chamado para recolher o corpo.

E, nos hospitais, a demanda de profissionais, de material para atender e de leitos não foi suprida. Não houve investimento, houve muita politicagem.

O hospital de campanha foi desmontado, o empresário que dizia ter bancado a construção desmontou, sob alegação de que iria mandar para outro estado, de que a estrutura era particular.

A Prefeitura disse que tinha investido na estrutura, e a população não compreendeu bem em que estágio estava essa negociação.

Hoje se compreende que esse hospital de campanha foi levantado na primeira fase apenas para que um dos sócios dessa rede privada de saúde pudesse utilizar esse hospital de campanha como plataforma eleitoral.

Tanto que agora, nesse segundo pico, ele não se preocupou em montar um novo hospital de campanha, como alardeava nas eleições.

…não só falta de oxigênio, mas de materiais para os profissionais de saúde, como luva e máscara 

A briga se tornou muito mais política do que de preocupação com a saúde.

O governador não parece ter a habilidade necessária.

O governo do estado, temos que ser justos, é o que mais age no momento, apesar das falhas, que não são poucas.

E tenta corrigir, só que tenta corrigir as coisas fora do tempo, quando já aconteceram.

Se falta oxigênio, espera faltar pra mandar buscar.

Ontem (quinta-feira, 14) foi o pico que muitos pesquisadores já divulgavam que chegaria na segunda semana de janeiro.

Os hospitais lotados, os estoques de insumo – não só de oxigênio, mas de materiais para os profissionais de saúde, como luva e máscara – foram acabando.

O oxigênio acabou primeiro. No hospital público que nós temos aqui, Hospital Getúlio Vargas, as pessoas estavam morrendo por asfixia por falta de oxigênio nos leitos, os técnicos, enfermeiros e médicos montando em cima dos pacientes para tentar fazer a respiração mecânica e manual.

O dia 13 foi um dia em que a nossa cidade, que costumava ter 30, 40 sepultamentos, passou a ter 190, as funerárias com a capacidade lotada, pessoas morrendo nos hospitais pela falta de insumos e também morrendo em casa.

…quando chegava, a pessoa já estava morta 

Eu tenho um irmão que trabalha no Samu e ele trabalhou nesse dia 13 e disse que só ele, no plantão dele, carregou nove pessoas em chamados para atender na residência e, quando chegava, a pessoa já estava morta em decorrência da asfixia.

No hospital onde foi o maior pico de falta de oxigênio foram nove mortes no corredor.

E a cidade parecia que ainda estava funcionando.

Contando com a colaboração popular – não que o povo seja culpado, mas, de tanto incentivarem através do discurso negacionista de que não tem vírus, a economia precisa continuar, esse discurso colou muito aqui e infelizmente as pessoas estavam na rua sem os cuidados básicos.

As empresas e as lojas já não tinham esse cuidado de exigir que as pessoas usassem as suas máscaras, de dizer para as pessoas fazerem a higienização com álcool… todos os cuidados preventivos já estavam sendo deixados de lado em nome desse discurso negacionista de que a economia não pode parar, de que é só uma gripe e de que ninguém vai morrer por isso.

E o que a gente viu agora é uma cidade em colapso, uma rede pública de saúde – e a rede privada também – em colapso.

A gente acredita que vai baixar um pouco agora com essas medidas que foram tomadas.

O governador no final do ano não teve força, mas a Justiça mandou fechar e ele, no embalo, está tomando as medidas de fechamento, de lockdown, de toque de recolher.

E a gente espera que, para as próximas semanas, baixe esse índice para termos um pouco de tranquilidade.

No nosso Tribunal do Trabalho nós perdemos nove colegas, pela nossa contagem, diretamente por covid.

Alguns outros, que tinham comorbidades, elas se agravaram com o covid e eles acabaram falecendo.

Hoje ficamos sabendo de um colega da Justiça Federal. Nós estamos aqui, o clima é de que a gente tem que convencer a sociedade de que é necessário o isolamento, de que alguns prejuízos vão haver, mas que o maior benefício que temos que preservar neste momento é a vida.

O governo federal, sem sensibilidade, aumentou os impostos de importação de cilindros de oxigênio 

Hoje estamos tendo relatos de que os cilindros de oxigênio estão chegando.

O governo federal, sem sensibilidade, aumentou os impostos de importação de cilindros de oxigênio.

Uma semana atrás, o ministro Pazuello, quando esteve aqui, foi pedido para ele que a vacinação no Amazonas tivesse prioridade, ele não atendeu.

Foi aquele discurso do “dia D” e da “hora H”, de que não haveria prioridade.

Ele foi avisado da falta de insumos no estado e o governo federal não tomou nenhuma providência.

De parte da Prefeitura de Manaus, temos um novo prefeito e parece que Manaus não tem prefeito, o discurso é negacionista.

Infelizmente, é da mesma linha do governo federal e a única coisa que faz é o mesmo discurso que ouvimos nas outras esferas, culpar o antecessor por não poder fazer nada.

Essa é a tragédia anunciada que estamos passando em Manaus.

*Presidente do Sindicato dos Servidores da Justiça do Trabalho da 11ª Região e da Justiça Federal do Amazonas (Sitraam).

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