Promotores, advogados e juízes pela democracia: “Todos somos responsáveis por enfrentar o racismo”

Tempo de leitura: < 1 min
Guilherme Gonçalves, Fotos Públicas

Apoie o VIOMUNDO


Siga-nos no


Comentários

Clique aqui para ler e comentar

Zé Maria

Entrevista: Gilberto Souza dos Santos, Desembargador do Trabalho.

O desembargador Gilberto Souza dos Santos, que integra a 3ª Turma
do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT-RS), é um dos seis
[6] magistrados e magistradas que se declaram como negros e negras
na Justiça do Trabalho do Rio Grande do Sul.
Esse número representa apenas 2,1% do quadro da magistratura trabalhista gaúcha.
Apesar de a população negra constituir a maioria do povo brasileiro, essa
sub-representação está presente em todas as carreiras públicas e privadas
do país.

Quando conseguem inserção no mercado de trabalho, sobram aos negros
e às negras, de forma geral, os cargos menos prestigiados e com remuneração reduzida.

Segundo o estudo “Desigualdades Sociais por Cor ou Raça no Brasil”, publicado
pelo IBGE em 2019, os trabalhadores negras e negros representam 55% da
força de trabalho no país, mas preenchem apenas 30% dos cargos gerenciais.

Em cargos de remuneração mais alta, a representatividade dessa parcela
da população brasileira é de apenas 12%.

Para além do mercado de trabalho, o racismo estrutural que permeia
a sociedade brasileira impede o acesso à educação fundamental,
às universidades e a espaços de representação política, além de tornar
comuns episódios de violência contra a população negra.

Nesse dia 20 de novembro de 2020, Dia da Consciência Negra, estamos
diante de mais um desses casos, em que um cidadão negro foi assassinado
por seguranças de um supermercado de Porto Alegre, com uso de violência
extrema.

Como reflexão sobre esses e outros aspectos que afetam o povo negro do Brasil, o desembargador Gilberto Souza dos Santos falou à Secretaria de Comunicação Social do TRT-RS neste Dia da Consciência Negra.

Confira a entrevista a seguir (https://t.co/mB4ONmjmab).

Excertos

Pergunta: Vamos começar por uma pergunta de ordem pessoal. O senhor já sofreu alguma discriminação relacionada à cor da pele na sua atuação como advogado trabalhista, procurador do Trabalho e desembargador?

Desembargador do Trabalho Gilberto Santos: Olha, quando a gente ingressa numa carreira como a de procurador e de desembargador, isso fica mais difícil de acontecer, porque a gente é visto como autoridade. Então as discriminações não ocorrem, ou pelo menos ficam mais escondidas. Mas já tive episódios de racismo enquanto fui advogado de trabalhadores, principalmente quando havia encontros com a elite, com grandes empresários. Aí houve algumas vezes em que fui insultado com cunho claramente racista.

Pergunta: O senhor tem três filhos já adultos. Como as questões raciais entram na convivência de vocês? O racismo é discutido em casa?

Desembargador do Trabalho Gilberto Santos: Sim, diariamente. Esse é um dos temas principais aqui em casa. Como eu sou casado com uma mulher branca, dois dos meus filhos têm a pele mais clara, e um tem a pele mais escura, o fenótipo mais tipicamente associado aos negros. E eu noto diferença de tratamento já em relação a ele. E nós discutimos sempre sobre isso. Prestigiamos artistas negros e negras, ouvimos música de músicos negros e negras. Isso está sempre sendo discutido na nossa família.

Pergunta: Há apenas seis juízes e juízas negros e negras na Justiça do Trabalho gaúcha, três no primeiro grau e três no segundo, o que representa 2,1% do quadro de mais de 280 integrantes. No caso dos servidores, o percentual de negros e negras é de apenas 6,5%, num universo de cerca de 3,1 mil pessoas. A que se deve essa disparidade, na sua opinião?

Desembargador do Trabalho Gilberto Santos: Essa disparidade é histórica. Faz muito pouco tempo que os negros e as negras começaram a ter alguma oportunidade. Em 1888, com a lei Áurea, que supostamente libertou os negros, não surgiram as condições para inserção na sociedade em geral e no mundo do trabalho em especial. Só fomos ter algum avanço na década de 40, com a CLT e o surgimento de uma legislação protetiva aos trabalhadores, em grande parte negros. As carreiras jurídicas, particularmente, são muito exigentes, demandam uma boa formação. Se você não teve um bom ensino fundamental e médio, não consegue entrar em boas universidades. Se não consegue entrar em boas universidades, não consegue ter acesso a todos os conteúdos exigidos em um concurso para juiz ou procurador. Esses concursos necessitam de muita dedicação, muitas horas de estudo. Se você trabalha, tem filhos, tem família para sustentar, é difícil conseguir se dedicar na dimensão que esses concursos exigem. Eu mesmo só consegui fazer o concurso para procurador com mais de 40 anos, quando já trabalhava como advogado fazia muitos anos. E mesmo assim precisava estudar nos sábados, domingos e feriados. Meus filhos achavam que eu não dormia, porque iam dormir e eu estava estudando, acordavam eu continuava lá estudando. Então é possível, com muito esforço pessoal, chegar a uma carreira dessas, mas o sacrifício despendido é muito maior do que o exigido de quem já teve as condições necessárias desde sempre. Por isso que somos tão poucos na magistratura e nas demais carreiras públicas do Direito, como nas procuradorias e nas defensorias públicas.

Pergunta: O Tribunal também possui, desde 2017 [por reivindicação do Sintrajufe], uma política e um comitê de equidade de gênero, raça e diversidade, para debater temas como a igualdade racial. Qual a importância de as instituições públicas promoverem o debate sobre essas questões?

Desembargador do Trabalho Gilberto Santos: O nosso Tribunal é um dos mais avançados nesse sentido. A importância de instâncias como essa é imensa. Se a instituição onde você trabalha discute esses temas, faz eventos, promove esse tipo de reflexão, é possível que haja mais gente se reconhecendo como negro e negra, colocando isso na sua vida, pensando a respeito. Talvez aquele número de seis juízes e juízas negros e negras não seja exatamente a realidade, podem existir outros, mas que não se declaram como tal, por diversos motivos, como o medo do preconceito, ou pelo fato de não terem isso como objeto de reflexão nas suas vidas, entre outros aspectos. Com um Comitê de Diversidade, pode ser que cada vez mais gente se sinta à vontade para se declarar como negro ou negra, para afirmar a sua condição e para exigir melhorias na ação da instituição e da sociedade de forma geral.

Íntegra: (https://twitter.com/TRT_RS/status/1329874341589381121)

Leia também:

Nota Pública do TRT4-RS:
https://www.trt4.jus.br/portais/trt4/modulos/noticias/409232

Nota Pública da Amatra IV:
https://www.trt4.jus.br/portais/trt4/modulos/noticias/409355

https://www.sintrajufe.org.br/img/noticias/ato-dia-20-site-1000px.jpeg

Nota Pública do Sintrajufe-RS:

https://www.sintrajufe.org.br/ultimas-noticias-detalhe/17877/nota-e-convocacao-da-diretoria-executiva-do-sintrajufe-rs-chega-de-racismo-vidas-negras-importam-

Deixe seu comentário

Leia também