NEOLIBERALISMO, GERENCIALISMO E CAQUISTOCRACIA
Por Joelma Lúcia Vieira Pires*
O neoliberalismo expressa a hegemonia dos capitalistas financeiros em âmbito transnacional e, por conseguinte, uma nova configuração de acumulação do capital com a intensificação da especulação financeira.
A cultura do neoliberalismo é baseada na desmedida dos capitalistas quanto ao impulsionamento da acumulação com a expansão do funcionamento da lógica mercadológica para o Estado e para todas as instituições públicas para que operem como empresas do setor privado.
Consequentemente, é agravada a ocupação da esfera pública pela esfera privada.
Em consonância, a tendência é o aumento da manifestação das práticas privadas dos indivíduos no âmbito da esfera pública pautadas no favorecimento do grupo de iguais para a reprodução dos seus interesses.
Logo, imersos nessa situação, de maneira consciente ou não, os indivíduos tendem a aceitar a apropriação das instituições públicas pelos capitalistas financeiros, com a expectativa de aquisição de vantagens, porém essas são sempre adiadas como dissimulação da inviabilidade da sua concessão.
O que, de fato, se materializa é o desmantelamento das instituições públicas e a desconstrução em grau máximo dos direitos dos que nelas trabalham.
O engajamento dos indivíduos na operacionalidade da lógica da esfera privada culmina na transferência da gestão empresarial para as instituições públicas sob a forma de gerencialismo inerente ao neoliberalismo.
O gerencialismo é relativamente problematizado nas instituições com preponderância da cultura organizacional democrática e assimilado integralmente nas de cultura organizacional predominantemente autoritária.
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Nas instituições autoritárias, que são compostas de um número significativo de indivíduos autoritários, a expressão coletiva de resistência fundamentada na garantia da esfera pública é quase inexistente, qualquer manifestação de cooperação que reafirme a esfera pública é desqualificada e rejeitada, e qualquer indivíduo que expresse resistência individual contra o predomínio da esfera privada é cerceado, intimidado e excluído.
A tendência é o apagamento de qualquer vestígio de democracia que possibilite a problematização da reprodução do poder dos indivíduos que privilegiam as práticas que sustentam seus interesses privados, tais práticas corroboram a dominação do capitalismo neoliberal, em nome da razão econômica.
As instituições autoritárias são laboratórios desse capitalismo, elas servem ao seu fortalecimento e reprodução.
Dejours (2000, p. 17) lucidamente observa que a “maquinaria da guerra econômica não é, porém, um deus ex machina. Funciona porque homens e mulheres consentem em dela participar maciçamente”.
Mediante o exposto, as instituições autoritárias com funcionamento congruente ao gerencialismo têm como centralidade o produtivismo desordenado e sem compromisso ético coletivo com a sociedade.
A cultura do gerencialismo é constituída para vincular as instituições públicas aos interesses capitalistas de expansão do mercado e maximização dos lucros de maneira exorbitante.
Em função disso, a cultura do gerencialismo nas instituições instaura costumes, tais como, a regularização da perseguição aos divergentes, o uso da avaliação de desempenho fundamentada em pressupostos ideológicos com o objetivo de estabelecer a conformação dos indivíduos à lógica dos interesses privados, a busca compulsiva de resultados que correspondem aos critérios de inclusão e mobilidade ascendente em rankings que medem eficiência e excelência de acordo com o ajuste na engrenagem da máquina do capitalismo financeiro transnacional.
O motivo da satisfação alienada dos indivíduos com a condição de servidão voluntária, nesse contexto, indica um estado de adoecimento físico e psíquico, justificado para o objetivo de inserção na competitividade internacional e na modernização que não os favorece em absolutamente nada.
Essa conjuntura de descabimento que conduz à barbárie combina com a expressão da caquistocracia no interior das instituições.
A caquistocracia é o sistema de governo que reúne os piores, os menos qualificados e absolutamente inescrupulosos.
Nas instituições o gerencialismo é implementado e respaldado com a dedicação dos indivíduos que compõem a caquistocracia.
Eles têm disposição para a operação do “trabalho sujo” (dimensão do trabalho que é consubstancial com o mal), conforme análise de Dejours (2000).
Ao executarem o “trabalho sujo”, infligem sofrimento aos outros e os manipula, sem culpa, com orgulho e ostentação da condição de cúmplices do império do terror, mas tal comportamento revela que são habitados pela escravidão.
A maioria dos indivíduos dedicada à participação no sistema consente padecer sofrimento imposto pelos integrantes da caquistocracia no interior das instituições.
O sofrimento alimenta a maquinaria da guerra econômica e acelera a engrenagem da máquina do capitalismo financeiro transnacional em cada instituição.
Existe a possibilidade de que um grupo minoritário de indivíduos que manifesta a coragem como virtude política, por meio da sua lucidez, provoque a exposição dos propagadores do sofrimento, integrantes da caquistocracia, no interior das instituições.
É com o exercício da coragem que tal grupo aprimora a sua lucidez que contribui para a revelação das injustiças, das perseguições, e das possíveis artimanhas que resultam em golpes contra os que pretendem garantir a democracia que reafirma a esfera pública.
Por outro lado, o grupo de iguais que reafirma a esfera privada usa de todas as articulações ardilosas para a recorrência no poder, o que assegura a reprodução dos seus interesses privados.
O autoritarismo das instituições é a retratação da dominação do grupo de iguais da esfera privada.
Diante disso, é indispensável a indagação: qual a participação das instituições que funcionam como laboratórios do autoritarismo na constituição da conjuntura de barbárie que assola o país?
Quando a maioria dos indivíduos apoia e se torna zelosa colaboradora de um sistema que funciona mediante a organização regulada, acordada e deliberada da mentira e da injustiça, a banalidade do mal prevalece.
O mal é a tolerância à mentira, sua não denúncia e a cooperação em sua produção e difusão.
O mal é a participação na injustiça e no sofrimento infligido a outrem.
O sofrimento pode suscitar um movimento de solidariedade e de protesto somente quando se estabelece uma associação entre a percepção do sofrimento alheio e a convicção de que esse sofrimento resulta de uma injustiça.
No entanto, na contemporaneidade, a postura dos indivíduos é de resignação às adversidades, não há mobilização coletiva contra a injustiça e, por conseguinte, nenhum apelo à ação coletiva que reclame à ação política (DEJOURS, 2000).
Indubitavelmente, qualquer movimento de protesto contra a injustiça será adiado enquanto a necessidade de identificação narcísica com o mito (tirano), para o engajamento na máquina de guerra econômica, inviabilizar a resistência como caminho para a emancipação que constitui a libertação contra a caquistocracia propulsora do capitalismo neoliberal.
Referência
DEJOURS, Christophe. A banalização da injustiça social. Tradução de Luiz Alberto Monjardim. 3. ed. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2000.
*Joelma Lúcia Vieira Pires é profa. Associada na Universidade Federal de Uberlândia
Comentários
Zé Maria
É isto, Professora Joelma!
“Caquistocratas” Gestores do Fascismo de Mercado
compondo “instituições autoritárias com funcionamento
congruente ao gerencialismo” econômico-financeiro
capitalista neoliberal “que têm como centralidade o
produtivismo desordenado e sem compromisso ético
coletivo com a sociedade”, e “que funcionam como
laboratórios do autoritarismo na constituição da
conjuntura de barbárie que assola o país.”
“Ao executarem o ‘trabalho sujo’ – dimensão do trabalho
que é consubstancial com o mal – infligem sofrimento
aos outros e os manipula, sem culpa, com orgulho e
ostentação da condição de cúmplices do império do terror,
mas tal comportamento revela que são habitados pela
escravidão”, diante da “necessidade de identificação narcísica com o mito (tirano)”.
Daí o Dilema Político e Sócio-Econômico – não Metafísico – do 3º Milênio em que esse Sistema Material Autoritário
Perverso só “funciona porque homens e mulheres” [ou:
a própria Sociedade] “consentem em dele participar
maciçamente”, numa espécie de “satisfação alienada
[inconscientemente Masoquista] dos indivíduos com
a condição de Servidão Voluntária”.
Um Paradoxo em que “a maioria dos indivíduos dedicada
à participação no Sistema consente padecer sofrimento imposto pelos integrantes da Caquistocracia no interior
das instituições”, daí transbordando para todo o Círculo Social.
Entretanto, “existe a possibilidade de que um grupo
minoritário de indivíduos que manifesta a Coragem
como Virtude Política, por meio da sua lucidez, provoque
a exposição dos propagadores do sofrimento, integrantes
da ‘Caquistocracia – Sistema de Governo que reúne os piores, os menos qualificados e absolutamente inescrupulosos’ – no interior das instituições” [Escolas e Universidades, por exemplo, mas também estruturas das
Polícias, do Ministério Público, do Poder Judiciário, assim
como os demais Órgãos da Administração Pública que são
infiltrados por indivíduos autoritários sem escrúpulos que
usam “de todas as articulações ardilosas para a recorrência
no poder, o que lhes assegura a reprodução dos seus interesses privados” como método de propagação do Neoliberalismo].
“É com o exercício da coragem que tal grupo aprimora a
sua lucidez que contribui para a revelação das injustiças,
das perseguições, e das possíveis artimanhas que resultam
em golpes contra os que pretendem garantir a democracia
que reafirma a esfera pública.”
[Excertos Editados do Artigo intitulado “Neoliberalismo, Gerencialismo e Caquistocracia”, da Profª Joelma L. V. Pires, publicado em Viomundo, 02/10/2020]
https://www.viomundo.com.br/voce-escreve/joelma-pires-caquistocracia-o-governo-dos-inescrupulosos.html
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