Carmen Moraes e Lincoln Secco: Projeto de Doria ataca direto USP, Unicamp, Unesp e Fapesp
Tempo de leitura: 4 minDo desmonte à resistência: a Universidade contra o PL 529
Por Carmen Sylvia Vidigal Moraes e Lincoln Secco, no Jornal da USP
Os anos recentes assinalaram uma ruptura histórica.
A inteligência crítica debate se vivenciamos o fim da “nova república” ou também o desmonte do próprio Estado brasileiro como foi estruturado ao longo do século XX.
Em nenhum momento da nossa história a integridade nacional, os direitos sociais e as funções básicas do Estado estiveram tão ameaçados.
Por trás do discurso autoritário que desciviliza a esfera pública há um ataque muito mais mortífero aos fundamentos econômicos, legais e institucionais que sustentam uma coesão mínima da sociedade brasileira, já aluída constantemente por uma insuportável desigualdade social.
A universidade, neste contexto, também jamais enfrentou um desafio maior.
Em meio às graves crises sanitária, social, política e econômica que nos assolam, acompanhadas do declínio das forças políticas e culturais que se lhes opõem, o governo do Estado de São Paulo apresentou à Assembleia Legislativa, no início de agosto, em regime de urgência, o projeto de lei de nº 529.
O desmonte
Com a justificativa de previsão de um déficit de 10,4 bilhões de reais no orçamento para 2021, o projeto prevê a extinção de dez empresas públicas:
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— Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos de São Paulo (EMTU /SP);
— Fundação Parque Zoológico de São Paulo;
— Fundação para o Remédio Popular Chopin Tavares de Lima (Furp);
— Fundação Oncocentro de São Paulo (Fosp);
— Instituto Florestal;
— Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano de São Paulo (CDHU);
— Superintendência de Controle de Endemias (Sucen);
— Instituto de Medicina Social e de Criminologia (Imesc);
— Departamento Aeroviário do Estado de São Paulo (Daesp);
— Fundação Instituto de Terras do Estado de São Paulo José Gomes da Silva (Itesp).
Conforme o PL 529, além da extinção das “entidades descentralizadas”, o governo visa, estrategicamente, a implantar uma “gestão pública moderna e eficiente”, definindo um conjunto de metas destinadas a “extinguir 1.000 unidades administrativas”.
O projeto interno da Secretaria de Agricultura e Abastecimento, por exemplo, prevê a extinção de 645 Casas da Agricultura, como resultado da reestruturação da Coordenadoria de Assistência Técnica Integral (CATI), histórico órgão de extensão rural, prejudicando milhares de agricultores assentados e várias comunidades quilombolas.
As universidades
A proposta do governo estadual agride diretamente as universidades públicas paulistas (USP, Unesp e Unicamp) e, também, a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).
O artigo 14 do capítulo V do projeto estabeleceu, inicialmente, que o “superávit” financeiro das autarquias e das fundações fosse transferido à Conta Única do Tesouro Estadual.
Segundo o governador, a previsão viria “equacionar o déficit mencionado e ainda recuperar parte da capacidade de investimento do Estado”.
Ocorre que os fundos da Fapesp não constituem superávit, mas sim reservas financeiras para projetos de pesquisa científica em andamento, os quais, por sua natureza, são de longa duração, ultrapassando o ano de exercício, como é o caso de pesquisas para produção de respiradores e o apoio a testes clínicos de uma nova vacina relacionada à covid-19.
Decerto, as universidades não contribuem para a sociedade apenas com pesquisa aplicada.
Ela é o locus do pensamento crítico e sistematizado indispensável para civilizar nossa sociedade civil.
Quando a USP foi fundada visava-se a criar uma elite intelectual destinada a dirigir o desenvolvimento do Estado e quiçá do País.
Esse período de crescimento e consolidação terminou em 1964.
No início, a USP enfrentou a difícil articulação de antigas unidades com as novas. Uma real integração nunca se completou.
A ditadura cobre a segunda fase de desenvolvimento das universidades paulistas (já com a Unicamp e a Unesp), marcada pela profissionalização, departamentalização, especialização, massificação, dispersão e, especialmente, pela repressão contra alunos e docentes.
O período de redemocratização (terceira fase) mudou pouco a universidade nos marcos institucionais, mas foi assinalado pelo surgimento de entidades de docentes, funcionários e estudantes que procuraram democratizá-la.
A autonomia financeira, referendada pelo Decreto 29.598, de 2 de fevereiro de 1989, foi sua conquista histórica, fruto da mobilização geral da sociedade nos anos 1980 e especialmente das greves sustentadas durante meses no segundo semestre de 1988.
O novo século não conduziu ao aprofundamento da autonomia e nem a um compromisso permanente do Estado com as universidades.
De maneira menos perceptível, ingressamos numa quarta fase resultante do neoliberalismo avassalador que alterou o papel do Estado brasileiro e os valores dominantes na sociedade.
A universidade, situada num Estado muito conservador, deixou de responder aos problemas oriundos de sua expansão.
As crises se avolumaram, e o primeiro decênio do século XXI foi marcado por greves e ocupações estudantis.
Em 2007 o governo estadual decretou o fim da autonomia universitária.
Após 28 dias de ocupações e protestos, o governador José Serra editou um decreto declaratório afirmando que os decretos anteriores não podiam ferir a autonomia universitária.
A fase neoliberal não eliminou o entulho ditatorial, como, por exemplo, a reiterada invocação do Decreto 52.906/72 que “disciplina” o funcionamento da USP.
Mas incorporou o discurso supostamente moderno da privatização e terceirização.
Cabe ressaltar que diversas pesquisas feitas na própria USP demonstram que o objetivo das medidas neoliberais não é redução de gastos com a educação, mas desviá-los para remunerar empresas educacionais privadas em nome da ideologia da eficiência.
A resistência
As universidades já enfrentam problemas financeiros devido à grave crise em função da diminuição no recolhimento do Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual, Intermunicipal e de Comunicação (ICMS).
Após as críticas do Conselho de Reitores das Universidades Estaduais Paulistas (Cruesp) ao projeto do governo Doria e sobretudo a mobilização da sociedade civil, liderada pelo Fórum das Seis (que reúne reitores e representantes sindicais de docentes e funcionários das três universidades estaduais) e demais entidades, o governador recuou.
O posicionamento do Cruesp, sem dúvida de grande importância política à continuidade da luta conjunta em defesa dos serviços públicos do Estado de São Paulo, reafirma as grandes perdas sofridas pelas universidades estaduais nos períodos de crise econômica dos últimos anos, perdas agravadas nesse período de pandemia, e reitera sua defesa da autonomia de gestão financeira e orçamentária das universidades públicas.
Nessa direção, os reitores contestaram o propósito do governo de recolher o superávit financeiro para financiar as despesas com aposentados e pensionistas pois as universidades já realizam tal procedimento orçamentário e financeiro, e os aposentados “são pagos pela cota-parte do ICMS e não pela SPPrev”.
A nosso ver, este é um momento vital para dar impulso e continuidade à resistência, para o fortalecimento da luta unificada de todos os servidores públicos, de entidades científicas e sindicais contra o avanço do projeto de privatização, em defesa da saúde e da educação públicas, da pesquisa e do desenvolvimento científico.
*Carmen Sylvia Vidigal Moraes é professora titular da Faculdade de Educação da USP. Lincoln Secco, professor livre-docente da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP.
Comentários
Zé Maria
Doria Jr e Guedes são a mesma face da mesma moeda Ultraliberal.
Zé Maria
https://t.co/zibAD6iltW
https://pbs.twimg.com/media/EiCGJhIWoAUY4Jn?format=jpg
“O dia em que Bibo Nunes escolheu o reitor da UFRGS!!”
Jornalista Juremir Machado da Silva
https://twitter.com/juremirm/status/1306183041686155264
“NOMEADO INTERVENTOR NA UFRGS.
Inaceitável!
Já preparei projeto de decreto legislativo
p/derrubar a nomeação do governo
q fere autonomia da universidade.
A @ufrgsnoticias reelegeu o Reitor
Rui Oppermann a quem manifesto
meu respeito e solidariedade.
Todo apoio à Ufrgs.”
Maria do Rosário
Deputada Federal (PT=RS)
https://twitter.com/MariadoRosario/status/1306196899997908993
“Bolsonaro nomeia Carlos Bulhões,
terceiro colocado nas eleições,
como reitor da UFRGS”
“Trata-se de fato gravíssimo que destrói uma conquista
de 30 anos da comunidade universitária e da sociedade.
Não podemos aceitar calados a escalada autoritária.”
Paulo Pimenta (PT=RS)
https://twitter.com/DeputadoFederal/status/1306171329817849856
“Inaceitável, mais um interventor
dentro das universidades federais!
Bolsonaro nomeou Carlos Bulhões,
terceiro colocado na lista tríplice,
para gerir a UFRGS por quatro anos.
Nesse governo, a autonomia universitária
é desprezada e projeto de desmonte
da educação avança. Lutemos!”
União Nacional dos Estudantes (UNE)
https://twitter.com/uneoficial/status/1306193235287715847
“O projeto de destruição do ensino superior público
passa pelos cortes no financiamento
e fim da democracia interna das universidades.
A nomeação de quem PERDEU a eleição
para reitor da UFRGS é um absurdo!”
Manuela D’Ávila
ex-Deputada Estadual e Federal (PCdoB=RS)
ex-Candidata a Vice-Presidência do Brasil
O Candidato 1º Colocado na Eleição
para Reitor da URGS obteve 64,8%.
O 3º Colocado, agora nomeado
por Bolsonaro, teve 4,61% [!!!].
Zé Maria
https://pbs.twimg.com/media/EhknNzhWAAMOqnR?format=jpg
https://images02.brasildefato.com.br/b90652155edbb3699e483b6e70de8e7c.jpeg
Amanhã, 17/9, Quinta-Feira
Em frente à Reitoria
ATO DE PROTESTO NA UFRGS
#ElesNão Nem Bulhões Nem Bolsonaro
Contra a Intervenção do desgoverno Bolsonaro/Mourão
Contra o Aparelhamento Ideológico Fascista nas Universidades
.
.
BOLSONARO ESCOLHE CANDIDATO DERROTADO PARA REITOR DA UFRGS
https://www.extraclasse.org.br/educacao/2020/09/bolsonaro-escolhe-candidato-derrotado-para-reitor-e-gera-crise-na-ufrgs/
https://www.jornaldocomercio.com/_conteudo/geral/2020/07/747584-ufrgs-atual-reitor-rui-oppermann-e-reeleito-em-votacao-on-line.html
Intervenção na UFRGS: https://t.co/wy3xiMNDy6
Bolsonaro já Ignorou Resultado de Eleições
em 14 Instituições Federais de Ensino
https://twitter.com/brasildefato/status/1306261562219540481
https://images02.brasildefato.com.br/b90652155edbb3699e483b6e70de8e7c.jpeg
25 Entidades Lançam Nota de Apoio à Autonomia da UFRGS
https://www.brasildefators.com.br/2020/09/07/entidades-lancam-nota-de-apoio-a-autonomia-da-ufrgs
Na UFRGS, o Sistema “Disparitário” de Votos é o seguinte:
Estudantes = 15%
Servidores Técnico-Administrativos = 15%
Docentes = 70%
Bibo Nunes (PSL) = 100%
https://twitter.com/fnic0lazzi/status/1306245557321633792
ABAIXO-ASSINADO
Não à intervenção na UFRGS!
Assine a petição: http://chng.it/YrncMGHT
https://t.co/jqUgLvSYPU
https://twitter.com/Sonia_mada/status/1306441156297986048
Um bolsonarista [Bibo Nunes] já havia antecipado:
“A UFRGS terá um reitor de direita”.
Escolha ideológica que desrespeita a autonomia
e a vontade da comunidade acadêmica.
Elvino Bohn Gass
Deputado Federal (PT=RS)
https://twitter.com/BohnGass/status/1306236232767352832
robertoAP
Se o paulista continuar a votar na direita ,vai retornar à Idade Média bem rapidinho.
Henrique Martins
https://www.terra.com.br/economia/cartao-vermelho-de-bolsonaro-nao-foi-para-mim-diz-guedes,1be2b8629e526a3b96ac8d97cedef873ovmg2hfz.html
É claro que o cartão vermelho não é para o Guedes, até porque isso está com cara de jogada ensaiada. Ou seja, o canalha que nos governa enterra o Renda Brasil programa que está enfrentando dificuldades óbvias para ser implantado e ainda de quebra faz um populismo imoral com o pobre que é a base maciça da esquerda. Portanto, se o Guedes não cair depois desta, aí tem…..
Antonio Carlos RIBEIRO
Continuem a votar no PSDB, DEM, PSD, etc. O secretário responsável pelo projeto de lei com certeza é o mesmo que conseguiu a aprovação do PL do teto de gastos por 20 anos….É isso…o que esperar de alguem assim???
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