Samuel Lima: Algumas observações sobre a cobertura da crise

Tempo de leitura: 5 min

Uma “incelença” para acalmar a imprensa

por Samuel Lima

Docente na UnB, professor visitante na UFSC e pesquisador do objETHOS, texto sugerido pelo Robson Moreno

A cobertura dos desdobramentos da crise financeira de 2008, no decorrer da semana, pode ser traduzida num tipo de enunciado, que se reproduziu em veículos impressos e eletrônicos como se fora um mântra. Observe-se o lide do repórter José Roberto Burnier (Jornal Nacional, TV Globo, edição de 08/08/11), a respeito do movimento da Bolsa de Valores de S. Paulo:

“Perto das 15h30, o índice chegou a cair 9,74%. Se alcançasse -10%, o mercado seria fechado por meia hora. Usado para esfriar a cabeça dos investidores e impedir uma queda ainda maior, o mecanismo de defesa não foi necessário, mas o mercado continuou em pânico“.

Não é exatamente novo esse esforço extra para mimetizar o deus Mercado, tratando-o como um ser provido de atributos humanos: medo, nervosismo, pânico, calma, preocupação, confiança ou desconfiança…

Na escuridão de um jornalismo submisso, vassalo e absolutamente superficial, do ponto de vista informativo e analítico, todos os investidores são pardos. Inexiste especulação, jogatina, ambição desmedida que são a “alma dos negócios” nos mercados financeiros e bolsas de valores na Aldeia Global. No fim, perdem de fato os otários, investidores pessoas físicas que atuam com os nacos de informações captados aqui e acolá.

O fim está próximo

A baixa qualidade da cobertura, sobretudo nos telejornais das emissoras abertas, foi tão marcante que o economista Roberto Macedo (ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda e presidente do IPEA), comentarista do Jornal da Record News (edição de 08/08/11) apontou: a imprensa não publicou, até aqui, informações substanciais sobre a oscilação dos preços das commodities, como soja, petróleo e café que impactam diretamente o resultado das exportações brasileiras.

Além desse viés ideológico, assumidamente a essência do jargão dos agentes de mercados financeiros, um leitor/telespectador/ouvinte interessado em obter algum tipo de interpretação e/ou análise crítica ficaria apenas no desejo. Na cobertura vassala e submissa, não cabem vozes discordantes, nenhuma dissonância é permitida. Senão vejamos no olhar sui generis de Míriam Leitão (Bom Dia Brasil, TV Globo, edição de 10/08/11), que vaticinava:

“A comentarista Míriam Leitão falou sobre a decisão do Banco Central americano (FED), que, nesta terça (10), não fez exatamente o que o mercado queria, que era um relaxamento monetário, uma nova ingestão de moeda na economia. Segundo Míriam, o BC teve uma visão pessimista em relação à economia. Pessimismo que acalmou o mercado: o BC americano está sabendo que a situação é grave”.

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Entre a perplexidade e o pânico, o apresentador Renato Machado conseguiu prever uma espécie de “armagedon” para o dia 9 de agosto, quando se esperava um mergulho mais radical nas supostas perdas dos valores das ações no mercado de capitais. Apregoava Machado (Bom Dia Brasil, TV Globo, edição de 09/08/11):

“Está todo mundo preocupado. É crise nas maiores economias do mundo, nas bolsas de valores, nas empresas e na vida de muita gente. O que vai acontecer com o Brasil e o mundo?As bolsas de valores voltaram a derreter nesta terça-feira (9). O pânico tomou conta dos investidores na segunda-feira (8). Foi o pior dia para os mercados desde a crise de 2008″.

A essa chamada cataclísmica, seguiu-se um diálogo entre a apresentadora Ana Luíza Guimarães e o repórter Marcos Uchôa (correspondente em Londres), que ilustra ainda mais a incorporação da linguagem dos financistas no texto jornalístico:

– Uchôa, como está o ânimo dos investidores? [Ana Luíza]
Os mercados continuam mal na Europa. Abriram em forte queda, mas já deram uma melhorada. A Bolsa de Frankfurt estava em -5,7% e fechou em -3%. Paris opera com -1% e hoje pode ser o 12º dia de baixa. Itália fechou em -1,5%, também um recorde negativo se continuar assim.

O mundo não acabou

Os indicadores das bolsas iriam desmentir, poucas horas depois, as previsões de Renato Machado. A Bolsa de Nova York fechou em 4% de alta e a Nasdaq (de tecnologia) com número positivo de 5%; a Bovespa BM&F 5,1% registrando a maior alta desde 2009, com um montante negociado na casa dos R$ 10,3 bilhões. Restou ao apresentador Guto Abranches (Conta Corrente, GloboNews, edição de 09/08/11, às 19h30) reconhecer: “Pois é, o mundo não acabou, que bom. Hoje as principais bolsas de valores do mundo fecharam em alta, algumas em alta bastante forte”. E um perplexo Abranches indagava: “O que é que mudou de ontem para hoje? Praticamente ou absolutamente nada”.

Outro exemplo desse mimetismo está no mesmo telejornal (Bom Dia Brasil, edição de 11/08/11), desta vez no texto do jornalista Jorge Pontual, cobrindo o movimento da Bolsa de Valores de Nova York, na véspera:

“O que mais influiu para a queda de quarta-feira (10) na Bolsa de Nova York foi a situação da França. As ações do maior banco francês, Société Générale, chegaram a cair 20%, mas fecharam com perda de 15% depois que o banco desmentiu estar em dificuldades. Correram rumores na Europa e nos Estados Unidos de que a França estaria prestes a perder a nota máxima, AAA, para seus títulos. Mas as três agências de classificação de risco confirmaram a nota da França. Nem isso acalmou os investidores“. [Os grifos são todos do autor do texto]

Nem mesmo a decisão da Standard & Poor’s (S&P), agência de classificação de crédito, de rebaixar a nota dos títulos da dívida americana, foi capaz de trazer ao noticiário dos telejornais figuras como o economista Paul Krugman, prêmio Nobel e articulista entre outros dos jornais Folha de S. Paulo e Estadão. A respeito dessa decisão escreveu Krugman em sua coluna no portal de O Estado de S. Paulo:

“A S&P, juntamente com as demais agências de classificação de crédito, desempenhou papel importantíssimo na precipitação dessa crise, concedendo notas AAA a ativos lastreados em hipotecas que desde então se transformaram em lixo tóxico. Mas as avaliações incompetentes não pararam por aí. Num episódio agora famoso, a S&P concedeu ao Lehman Brothers, cujo colapso deu início a um pânico global, uma nota A até o mês da sua quebra. E qual foi a reação da agência depois que esta empresa foi à falência? Ora, a S&P publicou um relatório negando ter feito qualquer coisa de errado. (…) Espere só, a coisa não para por aí. Antes de rebaixar a nota da dívida americana, a S&P enviou ao Tesouro dos EUA um rascunho do seu comunicado à imprensa. Os funcionários americanos logo repararam num erro de US$ 2 trilhões nos cálculos, algo que qualquer especialista em orçamento teria calculado corretamente. A S&P reconheceu o erro e rebaixou a nota mesmo assim”.

É do jornalista Sidnei Basile, ex-Diretor de Redação da revista Exame, falecido recentemente, a indagação de fundo sobre a cobertura econômica: fazemos jornalismo para o mercado ou para a cidadania? E respondia: “Cidadãos não são clientes; são cidadãos. Notícias são notícias e não ‘serviços ao consumidor’” (in “Elementos de Jornalismo Econômico”, 2002: p. 36). O autor cita ainda os pesquisadores Downie e Kaiser (p. 41): “O mau jornalismo (e isto é radical na cobertura econômica – grifo meu) pode deixar as pessoas perigosamente mal informadas”.

Ao final de tanta predição em torno do juízo final, a partir do “tombo” ou “derretimento” das Bolsas, resta cantar uma novena acompanhando a voz grave de Dorival Caymmi em “Velório”: “Uma incelença entrou no paraíso/ A-deus, irmão, adeus/ Até o dia de juí-zo…”.

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Comentários

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Augusto

A maior empresa de comunicações aqui do Brasil começou com capital estrangeiro! Vocês devem saber de qual 'Organizações' estou falando… Isso muda tudo.

SILOÉ-RJ

É tão nítido o enterêsse de influenciar negativamente a nossa economia e dessa forma fragilizar o governo, que eles não perdem a menor oportunidade.
Já cheguei a ouvir na globo news nesse período que: "A BOVESPA teve uma LEVE alta de 4%", quando todas as outras bolsas estavam em queda nesse dia. Isso tudo depois do manifesto.
Enquanto o PT for governo, nem quando a nossa economia for a maior do mundo, eles deixarão de torcer CONTRA..

    FrancoAtirador

    .
    .
    É a mais pura verdade, SILOÉ-RJ.

    Creio que só na América Latina, mas muito mais aqui no Brasil,

    a mídia local torce contra o próprio país e a favor dos EUA e Europa.

    Tudo por interesses financeiros mesquinhos.

    São impatrióticos e, além, vendidos.
    .
    .

    Mário SF Alves

    Em sendo assim, pela lógica do argumento, "quanto pior para o Brasil, melhor para o PIG", seria isso?
    E que fique bem claro: na expressão "quanto pior para o Brasil, melhor para o PIG" fica evidente que eles – o PIG e seus prepostos – jamais farão um governo de interesse do povo brasileiro. Não por total incompetência, claro, mas, e só, porque não lhes interessa.

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