A AMEAÇADORA ENTREVISTA DO GEN. RAMOS
Por Roberto Bueno*
Neste dia 12.06.2020 foi publicada por tradicional revista semanal brasileira instigante e multifacetada reportagem com Luiz Eduardo Ramos que ocupa a Secretaria de Governo sobre a qual aqui apenas trataremos de alguns de seus aspectos.
É preciso considerar inicialmente que o Gen. Ramos fala desde a posição de um militar na ativa que serve o Governo, fato de transcendente importância à medida que sua alta patente e força militar de conexão com a tropa é elemento fortemente influenciador de seu desempenho na Secretaria de Governo.
Sobressai nesta posição uma de suas competências institucionais, a de negociar com aliados políticos, o que inclui cargos, sobretudo importantes no momento que o Governo está cercado por quase quatro dezenas de pedidos de impeachment e a sua colocação em votação pelo Presidente da Câmara Federal, Rodrigo Maia, é uma possibilidade que não pode ser excluída de horizonte próximo.
Os termos segundo os quais o Gen. Ramos desempenha na Secretaria de Governo foram colocados com clareza e aparentam contradição com os termos críticos de referência ao que o atual Governo qualificava como “velha política”.
Detalhadamente o militar informou que está a aparelhar os cargos na administração pública, cuja função derivada, se depreende, é instrumentalizá-los para travar o sucesso de eventual pedido de impeachment.
Passo seguinte o Gen. Ramos resume que os cargos serão distribuídos segundo estrito controle de fidelidade ao Governo, e deixa no ar a senha para os interessados atirando sangue ao mar à distância ótima dos tubarões: dispõe de cerca de onze mil cargos.
Velha política?
O fato de que o Governo, com o beneplácito das Forças Armadas, indique o Gen. Ramos para a Secretaria de Governo franqueia passagem a situações daninhas para o republicanismo e o Estado democrático de direito.
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Exemplo disto foi a presença do Gen. Ramos em ato político realizado no último final de semana atacando a Constituição e aos poderes instituídos, especificamente contra o Supremo Tribunal Federal (STF).
A interdição a esta participação se deve a que posição militar da ativa do Gen. Ramos acaba por mesclar-se na percepção pública com a sua posição no Governo, confundindo uma instituição de Estado, as Forças Armadas, com posturas eminentemente políticas adotadas pelo Governo a que serve, algo incompatível com estrutura de Estado republicana e democrática.
Na citada entrevista o militar declarou que “não poderia” ocorrer a interpretação “equivocada” de sua presença (inicialmente oculta) na manifestação junto ao Presidente Bolsonaro, que ali não estava na qualidade de General ou em representação do Exército, e que para evitar tal equívoco, teria cogitado dirigir-se ao Comandante do Exército para solicitar passar à reserva.
A aproximação e possível confusão de instituições de Estado com os governos de plantão deve ser evitada, e exemplo disto tivemos neste dia 1º de junho de 2020 em situação análoga ocorrida nos EUA.
Ocorreu que o Gen. Mark Milley, Comandante das Forças Armadas dos EUA participou de caminhada junto ao Presidente Donald Trump, transitando fardado da Casa Branca até localidade próxima, a Praça Lafayette.
Ali foi realizado ato eminentemente político de interesse do Presidente, uma fotografia em que sustentava uma foto da bíblia em frente a uma Igreja que sofrera danos, supostamente, pela ação de manifestantes antirracistas, movimento decorrente de firme resposta popular à morte por asfixia de cidadão preto George Floyd por um policial branco.
O Gen. Mark Milley foi constrangido a apresentar públicas desculpas dizendo “Aprendi com o erro”.
No Brasil não foi adotada a mesma posição pública de desculpas pelo Gen. Ramos.
Na entrevista concedida à revista semanal de circulação semanal o Gen. Ramos foi questionado sobre algumas questões cruciais da vida brasileira, e não se furtou a responder de forma carregada do que parece, à primeira vista, ser uma ameaça para as instituições, dúvida logo dirimida.
O Gen. Ramos manifestou insatisfação com as manifestações populares ocorridas recentemente em diversas cidades brasileiras, incluindo Brasília, a qual informou ter comparecido “disfarçado” no gramado em frente ao Congresso ocupado pelos manifestantes para ficar “observando”, concluindo tratar-se de petistas.
À parte o seu incômodo com a estética, o preto vestido pelos manifestantes, lhe causou desgosto o teor da voz dos manifestantes que qualificaram o Presidente ao qual serve como “fascista”.
Insatisfeito com a pecha, o Gen. Ramos estabeleceu parâmetro de comparação de Bolsonaro com Hitler, para concluir que este último exterminou 6 milhões de judeus, além de outras desgraças.
A opção do Gen. Ramos opera em desfavor de seu argumento, e logo em um momento inaudito da história brasileira em que já pereceram oficialmente (e malgrado a vasta subnotificação) cerca de 40 mil brasileiros, nefasto evento que conta sobremaneira com a inépcia continuada da administração.
Ao ser questionado sobre a possibilidade de as Forças Armadas perpetrarem golpe de Estado, o Gen. Ramos expressou notável dissabor.
Desde a sua qualidade de ex-instrutor de muitos dos atuais comandantes de unidades do Exército avaliou que não dariam golpe de Estado, que não quebrariam o regime democrático brasileiro e, ademais, que o próprio Presidente da República não “nunca pregou o golpe”.
Estas afirmações do Gen. Ramos podem ser contraditadas por múltiplas afirmações, e recentemente contamos as notas públicas assinadas por altas patentes militares da ativa e da reserva, e também observar as sucessivas manifestações públicas costumeiramente aos finais de semana às quais o Presidente da República comparece e que, invariavelmente, clamam pelo fechamento do STF assim como pela intervenção militar com o fechamento do regime.
Além destas manifestações, também o Presidente e seus apoiadores, além de seus familiares já declararam publicamente que o STF poderia ser fechado, bastando para isto um “cabo e um soldado”.
Lamentavelmente o titular da Secretaria de Governo, Gen. Ramos, avalia de forma equivocada o papel angular exercido por um dos poderes da República, o Poder Judiciário, que tem no STF a sua mais alta Corte, e ao fazê-lo abre as portas para o argumento do golpe de Estado, em verdade reclamado por muito poucos cidadãos, mas que encontra eco em uma minoria com altas posições na estrutura de poder da República.
O Gen. Ramos entende ser ultrajante e até ofensivo ponderar sobre a hipótese de que as Forças Armadas tenham propósito golpista mas este é caso, definitiva e implicitamente, admitido por suas próprias palavras ao temerosamente informar que o golpe não está em causa, mas que “o outro lado não deve esticar a corda”.
A esta altura o sentido da fala do militar adquire tom de gravidade para as instituições, posto que delimita campo de embate político em que os atores são o “nós” e o “outros”, cenário político no qual a disputa já não é determinada pelos parâmetros informados pela Constituição, senão pelo arbítrio daqueles que detém a guarda das armas.
É isto o que, implicitamente, está contido nas palavras do Gen. Ramos ao sugerir que se o “outro lado puxar demais a corda” o golpe pode ser a consequência.
Deste cenário resta claro que o Gen. Ramos não valora adequadamente que o campo de disputas políticas é balizado exclusivamente pelo equilíbrio dos poderes, Legislativo, Judiciário e Executivo, todos eles em permanente tensão em uma democracia, e não sob a égide de uma hierarquia de tipo militar onde o arbítrio do superior determina o rumo dos acontecimentos.
Em um cenário democrático o seu maior vigor implicará no aumento de tensões com as quais as instituições devem tratar no marco da normalidade constitucional.
O vigor da democracia será justamente avaliável pela liberdade de expressão pública das tensões e ambições políticas de seus atores, o que pressupõe a efetiva participação da sociedade civil e o exercício de pressões sobre as instituições e as autoridades para que respondam às suas demandas e opções políticas.
O modelo democrático implícito na Constituição brasileira de 1988 atribui aos indivíduos a legítima titularidade do poder para determinar sob qual tensão em que sentido as cordas da democracia devem ser puxadas.
*Professor Associado da Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Doutor em Filosofia do Direito (UFPR). Mestre em Filosofia (Universidade Federal do Ceará / UFC). Mestre em Filosofia do Direito e Teoria do Estado (UNIVEM). Especialista em Direito Constitucional e Ciência Política (Centro de Estudios Políticos y Constitucionales / Madrid). Professor Colaborador do Programa de Pós-Graduação em Direito (UnB) (2016-2019). Pós-Doutor em Filosofia do Direito e Teoria do Estado (UNIVEM).
Comentários
Marys
Pagando pra ver.
Ladram, mas não mordem.
Quem morde mesmo é o pitbull que atua seu gabinete ilegalmente no Planalto.
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