Requião não quer saber de manifestos: “Sempre a mesma merda”

Tempo de leitura: 5 min

Sempre a mesma coisa, a mesma merda, sempre

Não queremos assinaturas, manifestos ou proclamações. Queremos ação.

Por Roberto Requião, na Carta Maior

Não me desculpo pela palavra pouco elegante no título.

Não é a quarentena que me irrita.

É a peculiaríssima propensão dos brasileiros — especialmente os que habitam o espaço político à esquerda — de recaírem sempre, e sempre na mesma esparrela que me tira do sério.

Aproveitando os dias em casa para organizar arquivos, deu-se me à mão um texto que publiquei, em um dos jornais de Curitiba, no dia 18 de julho de 1984.

Há 36 anos!

Derrotada a emenda constitucional que restabeleceria as eleições diretas para presidente da República, discutia-se o que fazer.

E aí se revelava o embuste tão costumeiro em nossa história.

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No artigo, deplorava que, na sofreguidão de se buscar o próximo passo, sacassem o rançoso apelo “à união de todos”, mesmo que isso pudesse significar um passo atrás na luta para dar o golpe final no regime militar.

Enfim, propunha-se enfiar no mesmo bornal toda sorte de felinos; ou seja: uma frente sem propostas e sem princípios. Já uma outra vertente queria simplesmente chutar o pau da barraca.

Diante do impasse, eu perguntava e respondia: “Estamos, então, sem saída? Não. Temos saídas ética e politicamente corretas”.

E lembrava os conceitos de Aristóteles de ato meio e atos extremos.

No caso, o ato extremo de covardia era a conciliação com os conservadores, abrindo mão da possibilidade de vitória, por medo ou por conluio com a ditadura.

O ato extremo de temeridade era a irresponsabilidade de se propor uma radicalização extemporânea, inconsequente.

Já o ato meio significava avançar, consolidar o avanço, retomar a marcha e conquistar o próximo objetivo.

Para tanto, eu propunha um programa mínimo, em torno do qual deveriam se reunir os brasileiros comprometidos com a soberania e o desenvolvimento nacional, com a renegociação da dívida externa, com o direito dos trabalhadores, com uma política de emergência para a geração de empregos, com as liberdades democráticas, com a reforma tributária, com a reforma política e assim por diante.

Enfim, deixava claro naquele artigo de 36 anos atrás que uma frente sem projeto, sem princípios, sem um programa mínimo, sem uma clara linha econômica nacionalista, democrática e popular, não era uma frente.

Assim como hoje a reunião de políticos frouxos, pusilânimes, disponíveis e desfrutáveis com um amontoado de oportunistas, com as madalenas hipoteticamente arrependidas, com os assassinos de reputações, com os ditos liberais, com os mercadores e rentistas, com banqueiros e ex-banqueiros, com animadores de auditório, com ex-presidentes e ex-ministros que atentaram contra o Estado Nacional e alienaram a nossa soberania, não é uma frente.

É uma súcia que, mais uma vez, se aproveita de uma situação dada para fazer com que tudo permaneça como sempre foi.

Há quem diga: não seja tão radical, nesse balaio tem muita gente boa, gente bem intencionada, ingênuos, mas puros de alma e de intenções.

Pode ser, conceda-se. Mas, para que serve a história, então?

Para que servem as experiências passadas?

Ou seria a tal da ignorância córnea que impede se inculque na cabeça dos “bem intencionados” um mínimo de lógica e racionalidade?

Sob que guarda-chuva os defensores dessa frente ampla, irrestrita querem abrigar os brasileiros?

Sob o guarda-chuva da defesa da democracia.

Que democracia? A democracia do mercado?

A democracia da prevalência do capital financeiro sobre os interesses nacionais e populares, sobre a produção, o emprego, o salário, os direitos trabalhistas e a previdência social?

Sufocado pela angústia de ver mais uma vez desperdiçada uma oportunidade histórica, pergunto: o ministro da economia de vocês, em um hipotético governo de união nacional, seria o Guedes mesmo?

Ou, para não escandalizar tanto os seus acompanhantes que se dizem à esquerda, vocês se contentariam com o Armínio Fraga, o Lara Rezende, alguém do Itaú ou do Bradesco?

Precisamos de propostas, não de um discurso vazio repleto de assinaturas.

Precisamos de um projeto nacional, que se comprometa com um programa mínimo, como este e que promova:

no campo econômico, um câmbio competitivo e controlado, uma nova política monetária que traga os juros aos níveis internacionais e a troca da lógica da atração da poupança externa pela enorme poupança interna, que será liberada pela conversão da dívida pública em investimentos;

no campo trabalhista, a promoção constante do fator trabalho no processo produtivo, através de uma política que valorize o emprego, o salário mínimo e as relações trabalhistas;

no campo educacional, a construção de um sistema educacional que garanta, no mínimo, uma década e meia de bancos escolares à população, a reformulação de currículos, a valorização do magistério e o fomento à pesquisa científica;

no campo fundiário, a elaboração de um plano de ocupação do território, que valorize a agricultura e preserve o meio ambiente e envolva desde ações de ordenamento territorial até políticas de ocupação dos espaços;. no campo da infraestrutura, o planejamento de longo prazo e a elaboração detalhada de projetos de engenharia;

no campo industrial, a implantação dos setores tecnológicos de ponta, lembrando que o mundo pós pandemia exigirá autonomia industrial em quatro complexos produtivos: agroindústria, energia, saúde e defesa, para ser realmente um país soberano;

no campo externo, uma estratégia geopolítica que preserve a nossa soberania e ações diplomáticas que afirmem nossa liderança no mundo latino;

no campo da cultura e da arte, a retomada, a renovação e a ampliação de programas de apoio e incentivo ao setor, assim como o resgate e o fortalecimento das estruturas pública que lhe dão suporte. A cultura, como o cimento da nacionalidade, a linha que nos une, eleva e promove, é tão essencial quanto a economia e a política;

combate à corrupção como política Estado, implacável, mas justa;

que tenha como preceitos a defesa da soberania nacional, a garantia dos direitos e interesses dos brasileiros;

referendo revogatório para submeter à decisão dos brasileiros todas as medidas atentatórias à soberania nacional e aos direitos dos trabalhadores tomadas desde o governo produto do golpe de 2015/2016.

Em síntese, nossa missão é construir um projeto nacional que dê ao povo brasileiro emprego, educação, saúde, segurança, cultura, uma boa moradia provida de água, esgoto, energia e dos meios modernos de convivência social e não um documento vazio que fala em defender o indefensável.

Não queremos uma frente de assinaturas em um documento oco de ideais e propostas.

Não queremos uma frente que, de tão elástica, liquefaz-se pela sua insubstância.

É claro que devemos enfrentar os fascistas, os milicianos, essa horda de insensatos que sonha com uma ditadura cívico-militar. É claro.

Mas, na verdade, parte dos que lançam a ideia da união nacional pela democracia criticam Bolsonaro, filhos e os celerados que os cercam não pela agenda econômica, política e social que executam.

E sim pelos maus modos à mesa, pelos arrotos e palavrões.

Não se opõem ao reinado de Mamon, defendem a PEC dos Gastos, as reformas trabalhista e previdenciária, as privatizações, o arrocho salarial, a criminalização dos sindicatos e dos movimentos sociais, a entrega do petróleo, a abdicação da soberania nacional.

Alguns dos pressupostos para a formação de uma frente nacionalista, democrática e popular, estão aqui. Lanço-os para o debate.

A organização e mobilização de uma frente com essas características, reunindo partidos, sindicatos, associações profissionais, igrejas, entidades estudantis, universidades, personalidades da vida política e das ciências, intelectuais e acadêmicos deve-se constituir em um sólido muro contra o avanço antidemocrático.

Não queremos assinaturas, manifestos ou proclamações.

Queremos ação. Quem se habilita?

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Comentários

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Nelson

Bem, estou junto com o Requião.

Juntar com essa cambada do PSDB, DEB, PP, PTB, Novo e de outros menos votados? Nem falar. Onde estava o apreço deles pela democracia em 2015, quando inviabilizaram por completo o segundo mandato da Dilma? E, em 2016, quando, mesmo plenamente cientes do buraco sem fundo em que o Brasil iria entrar, apoiaram o impedimento?

Essa patota toda optou por salvar seus pescoços enquanto rifava os pescoços de 200 milhões de brasileiros. Eles são responsáveis, sim, por essa barafunda em que nos metemos, tanto que seguem aprovando a demolição/destruição do país lá no Congresso Nacional e nas Assembleias Legislativas (vide o queridinho da RBS, que agora aparece dia sim, outro também nas telas – já tá em campanha pra 2022).

Se passarem a aceitar a revogação, uma a uma, das medidas destrutivas que tomaram após o golpe, eu passo a acreditar que a tucanaiada, os demos e todo o resto estão realmente preocupados com o país e seu povo.

Nelson

Ainda que seja do MDB, o ex-senador Roberto Requião vem adotando, há muito tempo, uma postura acertada, bem mais radical, mais à esquerda que governos e parlamentares do PT.

E agora, enquanto muitos petistas e membros de outros partidos que também se têm como de esquerda correm, gozosamente, a assinar o “manifesto para ninguém” – como adjetivou, apropriadamente, o Jair de Souza – o ex-senador expõe, categoricamente, os motivos altamente pertinentes para não se atirar de qualquer jeito nessa tal de frente ampla.

    Ibsen

    A pergunta que faço é: Porque o Requião ainda mas fileiras do partido mais “tudo que ele disse” que eu conheço.

Zé Maria

A Frente Ampla do Lacerda (UDN), JK (PSD) e Jango (PTB) não deu muito certo.
Demorou 10 anos, de 1966 a 1985, para os Milicos deixarem o Poder.
E no meio do caminho teve o AI-5 e derrubaram o Projeto das Eleições Diretas.

No momento, os Milicos pretendem amarrar até o fim do ano.
Com a Cassação da Chapa, só haverá novas eleições diretas
se a vacância ocorrer nos primeiros dois anos de mandato.
Se for no ano que vem, serão eleições indiretas, pelo Congresso.

    Zé Maria

    Em tempo:

    Leonel Brizola (PTB) foi contra a aproximação de Jango (PTB) com Lacerda (UDN),
    pois na realidade a aproximação do Conspirador Golpista Carlos Lacerda só serviu
    para aproximar as madalenas udenistas e pessedistas ao MDB, tornando-o mais
    palatável aos Militares, e em meados da década de 1980 produziria a Coalizão
    Tancredo(PSD)/Sarney(UDN), após a Frente Liberal (hoje DEM) haver aberto
    Dissidência do PDS – sucessor da ARENA – Partido de Apoio à Ditadura Militar,
    daí produzindo a “Concertação”, que (des)governou o Brasil de 1985 a 1989, e o
    Governo Collor, ambos apoiados por Roberto Marinho, Dono do Grupo Globo,
    até o processo de Impeachment que enfim colocaria no Poder Central o PSDB,
    com FHC, e o PFL dos ex-Arenistas Marco Maciel, ACM, Borhausen e os Maia.
    Afora a Constituição Federal de 1988, a autodenominada ‘Transição Democrática’,
    nesse Período, não realizou coisa alguma produtiva para o País.

    https://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/Jango/artigos/Exilio/Articulacao_da_oposicao
    https://www.flc.org.br/revista/materias_view8d0e.html?id=%7B2782325A-9C68-4B52-A631-6AC67B8DDD99%7D

Darcy Brasil Rodrigues da Silva

Pelo visto, o Senador Requião faz parte de um grupo ( por sinal,bastante expressivo, para meu espanto) de indivíduos que subestimam a capacidade de Bolsonaro aplicar um golpe com as suas milícias. Se um golpe for dado, aqueles que não forem assassinados pelas milícias protofascistas que terão aplicado esse golpe, terão oportunidade de discutir em profundidade, no exílio, as propostas para um programa neodesenvolvimentista que o senador reinvidica.

    Alexandre Magno

    Darcy Brasil , achei interessante sua observação , o que propõe então?

    Nelson

    Meu caro Darcy.

    A meu ver, o golpe já foi dado; em abril de 2016. Agora, o que o governo Bolsonaro está a fazer é cumprir a tarefa dada a ele: consumar o golpe. E a consumação do golpe se dá pela destruição do Brasil enquanto nação com capacidade de “andar com as próprias pernas”.

    Obedecendo aos mentores e planejadores do golpe – sabemos muito bem quem são eles – o objetivo é demolição final de todo o aparato público/estatal que garante o suporte para que o Brasil ainda consiga “caminhar com as próprias pernas”, mesmo que já trambaleando em muitos aspectos.

    E Bolsonaro está a cumprir essa tarefa, assim como Temer cumpriu grande parte da reservada a ele. Portanto, eu não vejo razão para que os mentores do golpe queiram implantar uma ditadura explícita aqui no nosso país.

    Se a ditadura está sendo implementada de forma escamoteada – o “Patriot Act Tabajara”, por exemplo, caminha para ser aprovado pelo Congresso Nacional. Veja, estão a institucionalizar medidas ditatoriais como a permissão para que os serviços de segurança possam varrer a comunicação feita pelo povo através da Internet [redes sociais, celulares, etc].

    Outra medida que está para ser aprovada, no âmbito do “Patriot ACt Tabajara”, é a criação de forças policiais clandestinas que terão ampla liberdade de ação, em nome de um suposto combate ao terrorismo. Sabemos muito bem que o alvo deles serão os movimentos sociais de esquerda.

    Então, amigo Darcy, eu pergunto. Será que os estrategas do Sistema de Poder que domina os Estados Unidos têm em mente esse golpe agora? Eles podem não ser infalíveis na aplicação de suas táticas e estratégias para dominar os povos, mas, não podem, de jeito nenhum, ser chamados de burros.

    Se não estou enganado, foi o genocida Henry Kissinger que aconselhou que o poder deve ser sutil, deve ser aplicado de forma a que as pessoas o sintam mas não consigam notá-lo. A partir desse ensinamento, será que o Sistema que citei preferiria uma ditadura explícita, que, cedo ou um pouco mais tarde, insuflaria forte oposição a ela? Ou preferiria uma ditadura sutil com o “Patriot Act Tabajara” e outras medidas totalitárias a protegê-la contra a reação popular?

    Nelson

    Enquanto se dizem defensores da democracia, os que agora assinam o tal “manifesto” continuam, lá no Congresso Nacional, a ferrarem ainda mais com o povo brasileiro.
    Aprovaram, no ano passado, a destruição da Previdência Social, em prejuízo de uns 98% do povo brasileiro, no mínimo.

    Há poucos dias, aprovaram mais uma proposta absurda, a PEC 10/2020 que permite ao Banco Central comprar derivativos. O objetivo, claríssimo: carrear mais alguns trilhões dos recursos públicos para os cofres dos bancos privados, turbinando seus lucros.

    Antes, com Temer, os pretensos democratas já tinham aprovado a destruição dos direitos trabalhistas, a absurda PEC 241/EC 95, a MP do Trilhão e várias outras medidas altamente nocivas ao povo e ao país.

    Eles estão a cometer toda essa destruição dos direitos do povo brasileiro graças a uma grande maioria que fizeram no parlamento por meio de eleições fraudulentas, portanto, nada democráticas.

    E querem me convencer de que amam de paixão a democracia. Que democracia é esta que quer dar tudo para o capital enquanto tira o couro do povo?

a.ali

mais do que perfeito, requião…tb. estamos cheios de petições, de assinaturas e falta de ação. parece serviço “meia sola”, tapa buraco, qualquer coisa para ñ dizer que ñ estão fazendo nada…

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