João Pedro Ferreira: “Deixar que os mortos enterrem seus próprios mortos”

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“Deixar que os mortos enterrem seus próprios mortos”

por João Pedro Ferreira*

O rigor de Karl Marx ao ver o golpe de Luís Bonaparte no “18 de Brumário” identificou uma situação de contrarrevolução na ofensiva. Mas nem por isso isto justificaria uma defensiva ou a perda de fé na revolução.

Ele atentou e combateu a ilusão de que a sociedade havia ‘retrocedido para antes de um ponto de partida’ e afirmou que na realidade só então fora criado o verdadeiro ponto de partida revolucionário.

A falência contundente de um sistema político putrefato exige que, frente a outros personagens, os militares tomem a frente, cada vez mais, de tudo e todos.

Essa verdade, a de um golpe militar em curso no país (que até bem pouco tempo estava turva e somente poucos viam), hoje está clara, límpida.

Com isto, todos são obrigados a se referir a tal fenômeno.

Ainda que cada qual o faça com sua visão de mundo e interesses escusos.

Vejamos como o sistema político putrefato vem discutindo: reuniões dos ministros do governo para tratar da resposta ao STF.

Este, cujas atenções se voltaram para recolher celulares de tuiteiros fascistas, acusados de ser o centro da divulgação de fake news na última eleição.

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Os monopólios de comunicação e imprensa do país, que representam uma direita civil decadente, apelam para o cumprimento da lei, para desarmar o acampamento bolsonarista.

O parlamento burguês tenta manter a continuidade de seu funcionamento antipovo aprovando toda sorte de ataques contra os trabalhadores.

O deslocamento em escala de anos-luz entre esta casta burocrática e a vida real de milhões brasileiros não impressiona.

Afinal, o que é que estes ricaços, oligarcas e generais — que à guerra não foram — tem a ver com a vida real do chão de favelas, bairros pobres e periferias?

Endividamento?

Encarecimento dos itens básicos de alimentação [1]?

Preocupação com contas de água, gás e luz (que por todo o país aumenta, ao invés de diminuir) [2]?

Tudo isto definitivamente não os incomoda e não faz parte da realidade dos representantes do 1% da população brasileira que é acostumado a se dar bem, independentemente do mau tempo que faz para o restante.

Aliás, para que não fique dúvida: a crise econômica, iniciada juntamente com a pandemia do coronavírus, longe de colocar juntos os pobres e ricos em um suposto combate contra o vírus, ampliou muitíssimo as desigualdades e mazelas sociais (que já estavam por aí, deixando padecer ou morrer mais de 100 milhões de brasileiros, número, aliás, dos que pediram o ‘auxílio emergencial’, muitos dos quais ainda esperam…).

E não impressiona o fato de que as grandes empresas ampliam agora seus lucros [3].

É expressão da própria crise que enquanto milhares de pequenos sucumbem, padecem e agora mesmo decretam falência, os poucos tubarões sugam todo esse capital queimado das pequenas empresas.

Ao fim, encontrarão espaço aberto para sugar os que permanecerem empregados com um trunfo extra, inclusive, a possibilidade de abaixar os salários pelo aumento de 5 milhões de desempregados [4].

De fato, o que existe são dois Brasis em disputa.

Porém, ao contrário do que uns e outros falam, a briga real não é entre a ‘oposição parlamentar ao governo’ versus o ‘fascismo’.

Explico: o fato de se gestar no país movimento fascista com um centro no Palácio do Planalto é um fato novo, o qual, por sua vez, foi e está sendo impulsionado por toda a estrutura deste velho Estado burocrático.

Peguemos as ações do general Augusto Heleno, ou as declarações em apoio ao governo do general Villas Boas.

Delas se conclui, no mínimo, que o Alto Comando das Forças Armadas está consentindo as movimentações golpistas deste grupo obstinado, porém reduzido.

No limite, estão sujando as mãos na mesma lama destes porcos fascistas.

Aparentemente, do outro lado se encontram figuras que buscam se opôr a esta movimentação, advogando defesa de instituições, de constituição, e um ‘humanismo’ somente superficial: vejamos que um dos representantes destes críticos ao Bolsonaro em meio à crise do coronavírus é justamente Wilson Witzel, cujas reais intenções foram postas à nu neste sangrento mês de maio, quando o número de operações policiais e mortes em favelas aumentou.

Uma oposição como esta, que em aparências engana, mas cuja essência logo se revela, pulula por todo país.

Com nomes, cores e matizes diversos para, justamente, enganar alguns desavisados.

Serve para manter a essência do sistema.

A saída real só pode dar-se em oposição e contra todas as forças reacionárias em disputa.

Uma ação transformadora efetiva — isto é, a ação das massas populares organizadas — deve ter como alvo não apenas parte do sistema de exploração e opressão, mas toda sua estrutura.

É contra toda esta máquina de moer pobre, que se encontra em dificuldades, mas que não cai sem golpes firmes de uma força superior e maior em organização, que devemos nos ater.

Estamos regressando a um estágio de “domínio desavergonhado do sabre e sotaina”.

Sendo verdadeiro, tal sistema de opressão jamais recuou nestes já mais de 30 anos de dita ‘redemocratização’.

Vários são os instrumentos que estavam por aí, dispersos e aparentemente no ‘arquivo morto’, ‘letra morta’ das leis.

Porém, bastaram uns poucos meses de governo militar (secreto ou de fato, já não faz importância) para reunir toda essa gororoba e ser posta em uso. [5]

O discurso bolsonarista de tuiteiros, deputados e demais influencers busca jogar nuvem nos olhos de desavisados.

Fazem isto quando usam o argumento de ‘defesa da liberdade de expressão’, de ‘manifestação’, contra o ‘autoritarismo da toga’. Vejam vocês!

Os que idolatram um obscurantista da laia de Olavo de Carvalho, para o qual o auge intelectual da humanidade fora um mundo governado pela Igreja Católica, na época mesma da Inquisição; os que passaram tempos a fio defendendo um regime policialesco, agora estão se utilizando do ‘direito de liberdade de expressão e manifestação’.

Bandeira esta que sempre foi de democratas e revolucionários, em toda história do nosso país.

Na verdade, para esta canalha está reservada a possibilidade de se manifestar, de se expressar e até de se armar.

É somente quando ‘sobem o tom’ e atacam a casta burocrática de toga que esta se apressa a repreendê-los.

Quando defendem fascismo, eugenia, misoginia e se organizam em movimento paramilitar contra setores populares, aí não há ninguém que veja.

Por outro lado, basta que se reuna uma dezena de jovens com uma faixa contra o assassinato de um jovem preto, o desemprego, a falta de água ou a carestia, em qualquer avenida do país, para que, em minutos, surjam policiais de todos lugares possíveis, para tratar de dispersar com seu modus operandi.

De fato, os dois caminhos encontram-se divididos por todo um sistema de opressão: para um se dá liberdade quase completa de tentar reunir forças; para o outro, além das medidas mais draconianas contra os poucos direitos, a mais pronta repressão.

Concluindo que, desta briga, a nossa é mais complexa e se depara com mais dificuldades, justamente porque tem maior potencial de ir às raízes mesmas do problema.

Mas que, uma vez mais se provará, é enfim a única verdadeira saída.

O descaminho de táticas eleitorais, seja com quem for que se dê a mão (se um ‘fascista antifascista’ como Witzel ou um reformista derrotado da laia dos partidos da falsa esquerda), só pode trazer mais ilusões.

De uma forma ou de outra, um ou outro projeto servirá para jogar nuvem e impedir de vermos a real situação.

Chegamos a um ponto em que não há mais retrocesso. Os acontecimentos vindouros ensinarão muito e caminharemos, seguramente, anos e anos a fio em um espaço de tempo bastante curto.

Quem quiser colher novos frutos achará campo aberto.

Os que semeiam ilusões serão, de uma vez por todas, derrotados.

‘Deixar que os mortos enterrem os seus próprios mortos’.

Esta máxima contida no 18 de Brumário do grande Marx parece fazer mais sentido conforme os tempos históricos passam.

*É graduando em Ciências Sociais pela UERJ

[1] Ver Relatório DIEESE do dia 05 de março, logo antes do inicío da pandemia: ‘Custo da Cesta Básica aumenta em 10 capitais’.
[2] no Rio de Janeiro existe um benefício ‘Tarifa Social’ que foi cancelado aos montes nos 2 meses da pandemia.
[3] O Globo de 28 de maio noticiou que ‘dados mais recentes divulgados pelo presidente do BC, Roiberto Campos Neto, mostram que a maior parte do crédito está indo para as grandes empresas’
[4] ‘5 milhões podem entrar na fila de desemprego em apenas três meses.’
https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/economia/2020/04/05/internas_economia,842458/5-milhoes-podem-entrar-na-fila-do-desemprego-em-apenas-tres-meses.shtml
[5] As operações usadas pelos militares, por exemplo, jamais cessaram de ser postas em práticas, governo após governo. Peguemos a ‘Operação Paz no Campo’, a conformação de uma polícia de elite, a Força Nacional. Só para pegarmos algumas.

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