Jeferson Miola: O destino do Brasil será definido no confronto entre Bolsonaro e seu governo militar e o STF

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Os militares, o Congresso domesticado e a tutela do presidente do STF

por Jeferson Miola, em seu blog   

1.

Embora os conflitos, as disputas e os choques institucionais afetem e envolvam as relações entre os três Poderes da República, é no território do judiciário, latu sensu, que o governo centra suas batalhas fundamentais neste momento.

Não é apenas uma escolha política ou estratégica; é, também, evidência da realidade.

Nunca antes um presidente, sua “Familícia”, aliados e agentes do governo abasteceram tanto as páginas criminais e policiais com diversos crimes comuns e atentados contra a democracia e o Estado de Direito.

2.

Por ora, Bolsonaro domina e domestica o Congresso. Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre se ridicularizam com suas reações tíbias e covardes aos ataques inconstitucionais do governo e de parlamentares extremistas – dentre eles, Eduardo Bolsonaro, Bia Kicis e outros.

A insignificância do parlamento e o ativismo do STF nesta grave conjuntura não passaram despercebidos no Datafolha.

Levantamento do instituto [26/5] mostra que o índice ótimo/bom dos ministros do STF saltou de 19% para 30% entre dezembro/19 e maio/20, e superou o índice ruim/péssimo, que desabou de 39% para 26%.

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Enquanto isso, por outro lado, o índice ótimo/bom de deputados e senadores manteve-se ao redor de 18%, e o índice dos que consideram o desempenho dos parlamentares ruim/péssimo é quase o dobro, 32%.

3.

O Congresso, do alto do seu cretinismo parlamentar, opera como agência operacional do capital em meio ao descalabro do país na pandemia.

Assumiu as funções do Executivo não para primordialmente proteger o povo, mas para salvar o grande capital, em especial o financeiro.

A despeito da falência gerencial e programática do governo militar, o Congresso garante a gestão dos interesses do capital.

Aproveita a pandemia e promove mudanças legais e emendas constitucionais que permitem o aprofundamento, pela classe dominante, da rapinagem das riquezas do país e a destruição das regras de proteção do mundo do trabalho.

4.

O governo comprou no atacado cerca de 200 deputados do Centrão em troca de parcela bilionária do orçamento da União. Uma festa de arromba dos corruptos!

Com isso, momentaneamente Bolsonaro consegue impedir que a Câmara aprove tanto o início de processo  de impeachment no Senado por crimes de responsabilidade, como o julgamento por crimes comuns no STF.

Em quaisquer dos dois casos, para que ele seja processado, é necessária a autorização da Câmara por pelo menos 342 deputados.

Se tiver pelo menos 172 votos que o Centrão pode oferecer, Bolsonaro escapa de ser julgado pelas dezenas de denúncias que enfrenta.

5.

Com o Legislativo dominado e domesticado, o governo trava no Judiciário – leia-se PF [polícia judiciária], PGR, STJ, TSE, TCU, STF – as lutas decisivas para sobreviver e tentar impor sua força total.

E é no âmbito judicial de enfrentamento que Bolsonaro poderá, eventualmente, ser alvejado e perder a legitimidade para prosseguir seu governo.

O Executivo conforma um bloco bolsonarista monolítico.

A aristocracia judiciária, menos homogênea, é aparelhada e ideologizada por diferentes frações da extrema-direita, e congrega policiais federais, procuradores, juízes, desembargadores e ministros de matizes variados: os carreiristas, oportunistas, lavajatistas, bolsonaristas, anti-bolsonaristas ou anti-lavajatistas são dominantes.

Os simultaneamente anti-lavajatistas e anti-bolsonaristas, que exercem seus cargos em estrita observância à legalidade e às atribuições republicanas e legais são, infelizmente, a minoria.

Decisões do STJ e o TSE, por exemplo, tendem a atender interesses do Bolsonaro.

O STF, de outra parte, tem criado freios e apertado o cerco ao governo e ao fascismo bolsonarista com duas investigações importantes: 1) sobre interferência política na PF, e 2) sobre fake news.

A investigação sobre fake news, além de asfixiar o esquema criminoso das milícias bolsonaristas, poderá causar a reabertura do processo que pede a cassação da chapa Bolsonaro/Mourão pelo TSE – o que, francamente, é improvável que aconteça.

No desespero, Bolsonaro nem se constrange de exibir em público tentativas explícitas de corrupção do Procurador-Geral da República Augusto Aras com a promessa da indicação dele a ministro do STF.

O PGR, um bufão envaidecido, amolece o coração e prevarica.

6.

Os bolsonaristas pedem o fechamento do STF, do Congresso e apelam para a intervenção militar com Bolsonaro no poder – o que, segundo a interpretação absurda que fazem do artigo 142 da CF com juristas falangistas como Gandra Martins, seria algo constitucional.

Nas últimas semanas, aumentaram as suspeitas de que as Forças Armadas pretendem edificar um projeto de poder militar [ou ditadura].

A leniência com a retórica golpista feita em seu nome, e a tolerância com atos inconstitucionais na frente dos quartéis, corroboram a hipótese.

Além disso, o endosso do ministro da Defesa à ameaça do general Augusto Heleno ao STF, e o respaldo a Heleno por colegas da Marinha e do Exército, que inclusive citaram a guerra civil como “consequência imprevisível” ante decisões do Supremo, confirmam esta perspectiva.

O artigo do general da reserva e ex-ministro Santos Cruz, em que pese transmitir uma visão profissional, constitucional e não-intervencionista acerca do papel das FFAA, tem de ser interpretado como recado e alerta sobre a existência efetiva de movimentações golpistas nos quartéis.

7.

Para os militares que comandam todo processo, não existe incompatibilidade entre lavajatismo e bolsonarismo.

Na perspectiva deles, lavajatismo e bolsonarismo são duas facções do mesmo esquema de poder; são duas pernas do mesmo corpo; são as duas hastes da mesma pinça que eles comandam.

O lavajatista Sérgio Moro e seu ideal de Estado policial, por exemplo, caberia perfeitamente num eventual governo do vice Mourão, o bolsonarista que assumiria em caso de afastamento do Bolsonaro. Os militares pensam como Rosângela Moro, que vê [ou que via] “Moro e Bolsonaro como uma coisa só”.

Na guerra de ocupação e devastação do Brasil, que é uma guerra híbrida, os militares manietam e comandam simultaneamente duas ou mais alças implicadas no conflito.

É um jogo de ganha-ganha para eles. Alcançam os objetivos e concretizam a estratégia traçada. Jogam 10 peças à frente no tabuleiro de xadrez.

Os militares, em suma, dominam o teatro das operações. Eles lograram deslocar os conflitos da arena da política para o terreno da guerra – onde são primazes, eficientes e donos de recursos e tecnologias superiores, como a maquinaria da guerra híbrida, de fake news, de dissimulação, diversionismo, inteligência, contra-inteligência etc.

8.

As Forças Armadas são instituições totais, homogêneas, que vivem numa perspectiva cultural fechada e se retroalimentam.

Ao longo dos últimos 35 anos, mesmo depois da ditadura, mantiveram a politização das tropas, promoveram uma doutrinação reacionária e hoje acalentam um projeto próprio de poder. O “Orvil – O livro sobre as tentativas de tomada de poder”, é o substrato teórico-ideológico deste processo.

Estes militares, além disso, foram brindados com lições de governança internacional durante os governos petistas [Haiti, Congo etc], quando se relacionaram com o sistema de nações e, em especial, com os EUA, país ao qual servem.

Nestas experiências, os militares “desenvolveram gosto” para voltar a dirigir o Brasil e construir um projeto de poder em contraposição à ameaça daquilo que chamam “marxismo cultural”.

A partir dos anos 2010, os militares começaram avaliar como atuar politicamente. E avaliaram candidaturas capazes de melhor representar as aspirações do “Partido Militar”.

A escolha recaiu em Bolsonaro, um personagem caricato e reconhecido na arena pública pelas suas idiossincrasias, mas solidamente alguém implantado no esgoto das redes sociais, mídias digitais e com forte penetração nas polícias estaduais, na subalternidade das FFAA; vinculado às milícias e ao crime organizado e associado aos segmentos evangélicos que representam cerca de 28% da população brasileira.

Desde os anos 1980, Bolsonaro sempre foi a expressão mais popular do sentimento da “família militar”.

9.

Há quem ainda entenda, a despeito da corrupção da corporação mediante o aparelhamento do Estado com quase 3 mil cargos em postos de comando, que o governo Bolsonaro não é um governo militar.

Há, ainda, quem se iluda de que os militares apenas participam do governo para emprestar prestígio, seriedade e capacidade técnica [no mínimo discutível, como se observa em muitas áreas, em especial a da saúde] para o governo.

Os militares demonstram que vieram para ficar, que não estão no governo Bolsonaro apenas de passagem.

Da última vez que usurparam o poder civil, o fizeram por 21 anos [1964/1985], e não há indícios de que, desta vez, agirão de outro modo, caso consolidem sua permanência, mesmo que através da imposição pelas armas ou por meios autoritários.

10.

O destino do Brasil, neste momento, será definido no contexto do confronto entre Bolsonaro e seu governo militar, e o STF.

O Congresso, por tibieza e covardia dos seus líderes, é cada vez mais marginal neste momento crítico e crucial da vida nacional.

Como alerta o ministro Celso de Mello do STF, “o ‘ovo da serpente’” nazista, “à semelhança do que ocorreu na República de Weimar [1919-1933], parece estar prestes a ecodir no Brasil!”.

Na opinião do decano do Supremo, “‘INTERVENÇÃO MILITAR’, como pretendida por bolsonaristas e outras lideranças autocráticas que desprezam a liberdade e odeiam a democracia, NADA MAIS SIGNIFICA, na NOVILÍNGUA bolsonarista, SENÃO A INSTAURAÇÃO , no Brasil, DE UMA DESPREZÍVEL E ABJETA DITADURA MILITAR !!!!” [grifos no original].

Enquanto Celso de Mello faz este alerta dramático, o presidente Dias Toffoli dá sinais de estar à vontade sob a tutela das Forças Armadas, mantendo o general Ajax Porto Pinheiro lotado no gabinete da presidência do Supremo.

O general Ajax pode até ser uma boa pessoa, mas sua presença como assessor militar do Toffoli parece com a de um cavalo-de-Tróia, ou a de um agente de inteligência/contra-inteligência que tutela a instituição que mais ameaça a sobrevivência de Bolsonaro.

O problema é que o general Ajax foi implantado ali justamente para permitir que o regime evolua para “uma desprezível e abjeta ditadura militar”, como alertou Celso de Mello.

*** ***

PS: a revolta impressionante nos EUA em reação ao assassinato do negro George Floyd pelo policial branco Derek Chauvin, e a ação do movimento antifascista no Brasil [ANTIFAS] neste domingo são fatores que influenciarão fortemente a conjuntura.

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Antônio Sérgio Neves de Azevedo

Fale News, Cassação e Democracia

O conteúdo material resultante da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito – Fake News em andamento no Congresso Nacional ou da investigação que está em curso no Supremo Tribunal Federal – STF, poderão alcançar e atingir as eleições presidenciais de 2018, e, por fim, resultar na cassação da chapa Bolsonaro-Mourão pelo Tribunal Superior Eleitoral – TSE, caso seja provado o envio em massa e ilegal de milhões de mensagens pelo WhatsApp.

Propalado pela mídia escrita e falada, o esquema de mensagens ilegais envolveu possivelmente a participação financeira de empresários sem a devida declaração dos gastos perante a Justiça Eleitoral, o que pode caracterizar crime de “caixa 2”: delito de falsidade ideológica – presta declaração falsa e incorre na infração prevista no artigo 350 do Código Eleitoral: “Omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, para fins eleitorais: Pena – reclusão até cinco anos e pagamento de 5 a 15 dias-multa, se o documento é público, e reclusão até três anos e pagamento de 3 a 10 dias-multa se o documento é particular”.

Nesse sentido, a Justiça Eleitoral poderá anular a eleição em função da influência crucial da disseminação de Fake News em favor da chapa vencedora em questão. Nesse sentido, a anulação está prevista no artigo 222 do Código Eleitoral: “É também anulável a votação, quando viciada de falsidade, fraude, coação, uso de meios de que trata o Art. 237, ou emprego de processo de propaganda ou captação de sufrágios vedado por lei”. Este artigo está concatenado com o artigo 237: “A interferência do poder econômico e o desvio ou abuso do poder de autoridade, em desfavor da liberdade do voto, serão coibidos e punidos”.

Destarte a base legal para o compartilhamento do conteúdo material das investigações das provas produzidas pela CPMI e pelo Supremo Tribunal Federal – STF está ancorado no artigo 372 do Código de Processo Civil – CPC: “O juiz poderá admitir a utilização de prova produzida em outro processo, atribuindo-lhe o valor que considerar adequado, observado o contraditório”.

Dessa forma, num cenário pós-cassação da chapa Jair Bolsonaro e Hamilton Mourão pelo Tribunal Superior Eleitoral – TSE, o regramento jurídico a ser seguido está contido no texto da Constituição Federal e no Código Eleitoral:

Da Constituição Federal, tem-se o artigo 81, parágrafo primeiro: “Vagando os cargos de Presidente e Vice-Presidente da República, far-se-á eleição noventa dias depois de aberta a última vaga. § 1º Ocorrendo a vacância nos últimos dois anos do período presidencial, a eleição para ambos os cargos será feita trinta dias depois da última vaga, pelo Congresso Nacional, na forma da lei. § 2º Em qualquer dos casos, os eleitos deverão completar o período de seus antecessores”.

Do Código Eleitoral, tem-se o artigo 224 (…): “§ 3o A decisão da Justiça Eleitoral que importe o indeferimento do registro, a cassação do diploma ou a perda do mandato de candidato eleito em pleito majoritário acarreta, a realização de novas eleições, independentemente do número de votos anulados. § 4o A eleição a que se refere o § 3o correrá a expensas da Justiça Eleitoral e será: I – indireta, se a vacância do cargo ocorrer a menos de seis meses do final do mandato; II – direta, nos demais casos.

Dito isso, em termos de vacância dos cargos de Presidente e Vice-Presidente da República é importante salientar a diferença entre motivação geral (não decretada pela Justiça Eleitoral) e motivação eleitoral (decretada pela Justiça Eleitoral).

Com relação a primeira, tem-se, por exemplo, o caso de impeachment. Logo, é aplicado o regramento do artigo 81 da Constituição Federal. Portanto, a eleição será indireta, realizada pelo Congresso Nacional, para os eleitos completarem um “mandato-tampão”.

Com relação a segunda, tem-se, por exemplo, o caso de cassação da chapa. Logo, é aplicado o regramento do artigo 224, § 4o, incisos I e II do Código Eleitoral. Portanto, a eleição será indireta se a vacância ocorrer com menos de seis meses do final do mandato ou eleição direta nos demais casos.

Por fim, no caso em tela, prosperando a ação na corte eleitoral com sentença deferida para a cassação da chapa Bolsonaro-Mourão, reservadas as devidas consequências jurídicas e eleitorais já anteriormente expostas, o Brasil estará diante de um fato inédito na sua curta história republicana, pois nunca antes se viu uma chapa ser cassada pelo Tribunal Superior Eleitoral – TSE em tempos democráticos.

Antônio Sérgio Neves de Azevedo – Estudante Direito, Curitiba – Paraná.

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