Maurício Korenchendler: O fascismo nasce no interior da “democracia liberal”

Tempo de leitura: 7 min
Cada um tem o Hindenburg que merece. Agência Câmara

DEMOCRACIA LIBERAL EM VERTIGEM

Por Maurício Korenchendler

“Os homens fazem a sua própria história; contudo, não a fazem de livre e espontânea vontade, pois não são eles quem escolhem as circunstâncias sob as quais ela é feita, mas estas lhes foram transmitidas assim como se encontram”. Karl Marx

O liberal Jason Stanley, em seu livro Como funciona o Fascismo [1], acerta, inconsciente ou por omissão, num ponto: o fascismo nasce na democracia liberal.

Stanley estrutura o livro na defesa do modelo ideal de democracia, isto é, o liberal norte americano, e para garantir esse altíssono arquétipo, acredita construir uma reflexão profunda contra o fascismo.

É aqui que está a ação inconsciente ou a deliberada omissão do autor: é no oxímoro da democracia liberal, no auge de suas contradições e paradoxos que germina e amadurece o fascismo.

O livro de Stanley segue lógica similar ao filme Democracia em vertigem da diretora brasileira, Petra Costa, embora no primeiro fique mais evidente o adjetivo da democracia que o autor defende.

Apesar de importantíssimo o debate envolvendo as armadilhas nas quais a esquerda caiu (e continua se afundando) na defesa de valores universais como alheios à dominância, a presente reflexão tem um escopo mais específico: esclarecer como o desenvolvimento do fascismo é permitido e facilitado nos marcos de um determinado modelo político de democracia.

Nesse sentido, superando o debate sobre a imposição de universalidade de valores burgueses, a elucidação em questão já partirá do pressuposto da real relativização da democracia brasileira, isto é, compreenderá como principio básico que o valor de democracia hegemônico atual, incluindo o brasileiro, longe de ser um cânone universal, na verdade é o padrão democrático liberal, portanto, o referencial da burguesia (ou se for preferível: dos empresários, concentradores de renda donos dos meios de produção).

Reforçando tal pressuposto, um dos maiores representantes da burguesia no Brasil, Rodrigo Maia, presidente da Câmara dos deputados, em discurso no Wilson Center, Estados Unidos, no dia 15 de novembro de 2019, alçou o liberalismo ao topo do mundo ao rogar que este “centenário do Nobel da paz do presidente Woodrow Wilson inspire, ilumine e una os amantes dos valores universais, aqueles que, diferentemente dos que se refugiam nos preconceitos, se fortalecem nas diferenças” para em seguida dizer serem esses os valores que uniriam Brasil e Estados Unidos, lembrando finalmente, que muito além dos produtos que compõem a balança comercial brasileira e estadunidense, “o principal produto que importamos dos Estados Unidos é o modelo de democracia liberal”. [2]

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O deputado habilmente esconde o autoritarismo liberal cunhando a expressão “valores universais” ao mesmo tempo em que impõe o modelo liberal como única forma viável de democracia.

As entrelinhas do trecho do discurso de Maia são paradoxais, da mesma forma que o são os valores democráticos liberais.

Obviamente não se trata de exigir que Maia age diferente de um liberal que representa os interesses empresariais do capital.

Outro atual e importante representante dos interesses de determinados setores empresariais, em 2019, o Vice Presidente Hamilton Mourão, dirigindo-se a uma plateia de empresário, em São Paulo, disse que “fora da democracia liberal não há futuro. Vamos lembrar que a democracia na Primeira Guerra Mundial venceu o imperialismo, venceu o nazifascismo, e venceu o pior flagelo que enfrentamos no século passado: o comunismo internacional. Fé na democracia liberal. É por meio dela que vamos achar a solução que precisamos”[3].

Já em 2020, no final do mês de fevereiro, no Estado de Santa Catarina, Mourão deixou grifada sua visão sobre o que chama de democracia brasileira ao discursar que a sua missão é “fazer do Brasil a mais vibrante e próspera, e ainda deixar muito claro, democracia liberal do Hemisfério Sul. Aqui ninguém está atentando contra a democracia, isso tem que ficar muito claro” [4].

Pois bem, uma vez evidente que os representantes do empresariado identificam a democracia liberal como valor universal, cabe demonstrar que é nesse marco liberal que o fascismo germina, floresce e destrói a abstração de uma democracia liberal, com pouca ligação com a realidade.

O fascismo é, portanto, a forma nua e crua do empresariado governar, o rosto sem maquiagem da ditadura da classe burguesa mais recrudescida.

O fascismo é a realidade da imposição capitalista enquanto a democracia liberal é um véu, uma abstração idealista, que esconde o verdadeiro semblante do capital, a face fascista.

E alguns acontecimentos confirmam tal assertiva na realidade brasileira.

A ascensão de Bolsonaro e da ala militar é mais um passo no processo de fechamento do regime liberal brasileiro iniciado, a rigor, com o golpe de 2016. E isso só é viável numa democracia liberal.

A alegoria marxiana da tragédia e farsa [5] repetidas na história aparece como uma dupla farsa histórica no Brasil.

Bolsonaro é tosco e precário nas suas falas e ações como assim o eram (e alguns ainda são) os anticomunistas de 64.

Duas farsas, alegoria para peças precárias no período da Idade Média, porém mesma finalidade: garantir sobrevida ao sistema capitalista tendo os militares como principais salvadores.

A social democracia deve ser encarada sob a perspectiva histórico dialética, isto é, contextualizada, identificando-se o porquê de sua possibilidade.

No auge desse modelo, o socialismo real soviético precisava ter suas conquistas ofuscadas ou distorcidas para que houvesse fundamento em classificar o modelo capitalista como o melhor – menos pior — diante do embate dicotômico capitalismo/socialismo.

Nesse sentido, a social democracia não é fruto da bondade dos capitalistas, mas de suas necessidades de frear uma real opção política de sociedade.

Atualmente, a defesa do modelo social democrata parece deixar de lado a sua concretude, ou seja, sua historicidade, o que acaba por impregná-la de abstração e idealismo kantiano e/ou hegeliano.

Pois bem. A premissa aqui não é discutir o nível ou a existência de um Estado social democrata no Brasil, mas comprovar que é no modelo genérico de Estado Democrático de Direito que o fascismo se desenvolve e fortalece.

O que movimenta a história é a luta de classes.

O projeto do capital pode encontrar um grande obstáculo, como uma revolução ou pequenos obstáculos que lhe impede de alcançar seus objetivos integralmente.

A posse de Jango e as eleições do PT encontram-se na segunda categoria.

A assunção da direção do Estado pelas vias estabelecidas pelo poder dominante não garante o seu pleno controle nem é certeza de transformações.

O Estado Democrático de Direito é um Estado burguês, logo sua estruturação é burguesa, inclusive seu sistema eleitoral.

Vencer por meio desse sistema não é o mesmo que tomar o poder político do Estado.

Se qualquer possibilidade de mudança advém das ações dos variados agentes políticos, na direção do Estado ou não, obviamente as forças que se encaram como derrotadas se articularão para minimizar ou impedir tais ações.

Em outras palavras, quando o capital se vê derrotado (impossibilidade de aplicação integral de seu projeto), uma reorganização das suas forças é feita e é nesse necessário que a extrema direita ganha força.

Salvar o sistema capitalista a qualquer custo.

Foi assim como Luís Bonaparte, Mussoloni, Hitler, Militares em 64 e Bolsonaro hoje.

Escondendo-se por detrás das defesas dos direitos individuais fundamentais do Estado democrático de Direito, os agentes da direita se fortalecem e violam todo tipo de ponderação em prol do coletivo.

A liberdade de expressão individual é colocada como principio inquebrável e superior a tudo, exceto se for um esquerdista fazendo qualquer tipo de defesa, mesmo se vilipendia a história dos negros, dos quilombolas, dos homossexuais etc.

A vitória dos valores universais é uma vitória do capitalismo e não da social democracia, uma vez que com base nessa universalidade o capital encontra os meios para desmontar tudo que foi construído sob a pauta da solidariedade social e da coletividade.

Os valores universais só o são na teoria, no discurso, jamais na prática.
E a prática é o critério da verdade.

Significa reconhecer a continuidade da luta de classes e que a social democracia ou o Estado de bem estar social ou Estado democrático de direito não são mais necessários no presente momento histórico e os valores colocados como universais, mesmo que não sejam, acabam servindo de arma para quem domina, afinal, as ideias dominantes em uma sociedade são as ideias da classe dominante.

O que está em vertigem não é a democracia, não enquanto valor universal [da democracia].

É a democracia liberal que se encontra em franca decadência!

Diante da desnecessidade do atual modelo de Estado, sua utilidade será estritamente limitada: colocar-se como referencial de possibilidade para quem se coloque contra os avanços do capital e servir de impulso para a construção de um novo modelo de Estado que autores como Esther Solano, Lincoln Secco e Rubens Casara já identificaram, respectivamente, como desdemocratização [6], “Estado Policial de Direito” e Estado pós democrático.

Laymert Garcia, em entrevista à revista Carta Campinas, afirmou que o Brasil não passa somente por um golpe de Estado, mas que já vive um Estado de Exceção, num momento similar à queda da República de Weimar e a ascensão do nazismo.

Vários são os intelectuais que classificam o período do Brasil pós Golpe 2016 como um momento de ruptura com a noção de Democracia Liberal firmada através do pacto constitucional de 1988.

É no Estado Democrático de Direito que Bolsonaro incentivou e apoiou manifestações que pediram o fechamento do Congresso, a institucionalização de um novo AI-5, sem contar todo apoio à execução de Lula e Dilma até a primeiro do primeiro e o impedimento da segunda.

É urgente que leiamos a realidade como ela deve ser lida, sob a ótica do conflito de classes para que assim possamos definir estratégias e táticas numa luta que sempre será cotidiana e histórica.

Bolsonaro não é o que o capital idealiza, mas sim o que precisa.

Obviamente não se deve desconsiderar as articulações e desejos dos agentes em disputa, no entanto, diante do que o capital vê como derrota, ainda que seja a eleição de partidos liberais de esquerda (que não lutam contra o capital, apenas acreditam ser possível reformá-lo), a radicalização do regime burguês se torna a finalidade precípua.

Leia-se, o recrudescimento da ditadura de classe da burguesia.

Sem devaneios e falsas crenças é isso que o bolsonarismo, com ou sem Bolsonaro, viabiliza.

Os auspícios ignorados (ou desacreditados) são mais retumbantes no momento atual brasileiro em que, a despeito de uma análise conceitual pormenorizada das instituições ‘democracia’, ‘ditadura’ e ‘devir democrático’, marca exício e sepulcro da angusta democracia liberal, evidenciando em altíssono e bom som a consolidação de um processo ditatorial em curso no Brasil.

À defesa cega de uma universalidade de valores que na prática funciona para um grupo pequeno deve ser acrescentadas doses cavalares de materialismo histórico dialético para enfim compreender como funciona a realidade, sem devaneios.

E a realidade é que tais valores universalizados não nos servem enquanto discursos.

Apenas numa sociedade sem distinções de classes é possível a existência concreta de valores universais como a dignidade humana.

Afinal, a prática permanecerá sendo sempre o critério da verdade.

[1] STANLEY, Jason. Como funciona o fascismo, Editora J&PM, 1ª ed, Porto Alegre, 2018.

[2] https://static.poder360.com.br/2019/11/Discurso-rodrigo-maia-premio-WWC-NY-15nov2019.pdf

[3] https://exame.abril.com.br/brasil/fora-da-democracia-liberal-nao-ha-futuro-diz-mourao-a-empresarios/

[4] https://g1.globo.com/sc/santa-catarina/noticia/2020/02/28/mares-nao-estao-tranquilos-porque-videos-sao-divulgados-redes-sociais-se-encandeiam-diz-mourao.ghtml

[5] MARX, Karl. O 18 de Brumário de Luís Napoleão; Editora Boitempo; São Paulo, 2011; pp. 25.

[6] GALLEGO, Esther Solano (org); O Ódio como Política: A reinvenção das direitas no Brasil; Editora Boitempo; São Paulo; 2018, pp. 14.

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Zé Maria

As Crises Econômicas geradas pelo Excesso de Exploração do Trabalho
e a Concentração de Riqueza Acumulada por uns poucos Capitalistas,
que causam o Desespero nas Sociedades Desempregadas e Famintas,
foram o Estopim da Bomba Atômica do Fascismo. Ora, não é diferente.

Terra de Gigantes
(Humberto Gessinger)
https://youtu.be/J-241JqvpF8

https://pbs.twimg.com/card_img/1255257318515781634/pUmihPhA?format=jpg&name=small

“Karl Marx nunca foi tão relevante como agora”
E é o aniversário dele.

Por Oscar Rickett, na Vice UK;
Traduzido por Marina Schnoor, para a VICE BR: https://t.co/o0V6K0AyUP
https://twitter.com/VICEBRASIL/status/1257701592251404289

Numa entrevista de 2011 para a BBC, perguntavam ao falecido crítico de arte John Berger, num tom intrigado mas ligeiramente incrédulo, sobre seu marxismo e se isso “ainda era útil hoje”.

“Se você olhar para o que está acontecendo no mundo e nas decisões tomadas
todo dia”, respondeu Berger, “todas essas decisões tomadas em nome de uma
prioridade, de sempre aumentar o lucro… nesses momentos, Marx não parece tão obsoleto, né?”.

Uma figura cultural reverenciada, Berger era o tipo de marxista que o sistema até tolerava. Sim, ele tinha ideias bem radicais, mas tudo bem porque ele estava escrevendo livros e fazendo programas de televisão. Ele não conseguiria penetrar no coração do establishment; suas ideias continuariam marginais.

Entrevistas como essa eram comuns. Em 2002, o historiador marxista Eric Hobsbawm ouviu várias vezes a mesma pergunta de um suado Jeremy Paxman: se seu compromisso com o comunismo não era mal orientado. Mantendo a dignidade em meio à descrença de Paxman, Hobsbawn disse: “Meu compromisso com os pobres, com os oprimidos”.

Por décadas, a condescendência espumante era a posição padrão para lidar com o marxismo. Mas com o aniversário de 200 anos do nascimento de Marx amanhã, essa posição está se tornando cada vez mais absurda.

Karl Marx nasceu 200 anos atrás [202, hoje 05/5/2020], em 5 de maio de 1818,
em Trier, uma cidadezinha da Renânia perto da fronteira com a França.

Apesar de na época de sua morte, em 1883, muito de sua obra ainda não ser publicada, sua influência foi crescendo e crescendo, e interpretações do seu trabalho proliferaram até o ponto onde, hoje, quando falamos de marxismo (sem mencionar o socialismo e o comunismo), estamos falando de várias ideologias, sistemas e teorias.

Aqui não é o lugar para esses debates. É suficiente dizer que Marx (além de seu escritor parceiro, Friedrich Engels) continua sendo o crítico mais notável do capitalismo, que ele via isso como um sistema que degrada e explora trabalhadores, um sistema cujos problemas recorrentes (falta de moradia, desigualdade, uma economia que decola e despenca, plutocracia, poluição, instabilidade) são inevitáveis e se acumulam, e que esses problemas seriam a ruína do sistema, com as classes trabalhadoras se levantando e se libertando da tirania.

As análises e previsões de Marx eram revolucionárias. Elas mostravam que o mundo sem capitalismo era uma possibilidade e que os seres humanos nunca serão realmente livres até que esse mundo surja. Talvez por isso nenhum outro pensador desde seu nascimento inspirou tanta admiração, paixão, raiva, incredulidade e condescendência como Marx.

O “Establishment” [Sistema Político-Ideológico e Econômico de Poder Vigente, “Status Quo”] tende a pensar nos marxistas como perigosos ou absurdos,
como revolucionários sinistros ou idealistas ingênuos.

Depois do final da Guerra Fria e do surgimento da política de Terceira Via nos anos 1990, por um tempo pareceu que o marxismo estava morto, que o capitalismo tinha triunfado, que o fim da história estava aqui e que, como Thatcher disse, “não havia alternativa”.

Hoje as coisas parecem um pouco diferentes.
O marxismo, que nunca desapareceu, está de volta com força.
O capitalismo, que por um tempo foi visto como tipo uma lei natural,
algo permanente e imutável, agora está sendo discutido e criticado
até mesmo por seus defensores.

Nos EUA, por exemplo, ublicações liberais como o New York Times estão dando
matérias dizendo que Marx estava certo.
Um menino chamado Sceneable tem milhões de visualizações no YouTube
com vídeos sobre comunismo;
Chapo Trap House é um podcast de esquerda com uma caralhada de inscrições;
e pesquisas mostram que a maioria dos norte-americanos com menos de 30 anos
rejeitam o capitalismo.

Novos livros, peças e filmes estão sendo feitos sobre Marx, focando recentemente em sua vida como um cara jovem que curtia beber e conversar a noite inteira, antes de virar uma dor de cabeça para o capitalismo.

No mundo ocidental, a influência de Marx está começando a ser sentida de novo no mainstream político. Nos EUA, Bernie Sanders – não um marxista, mas que também não odeia Marx – ganhou milhões de votos como um socialista democrático descarado, e isso num país cuja fé no capitalismo neoliberal e antipatia oficial pelo pensamento de esquerda sempre rende guerras aqui e ali.

O desabamento do capitalismo, sua metamorfose em algo ainda mais grotesco,
como previsto por Marx, é responsável por grande parte desse ressurgimento.

Nos países que deram à luz ao capitalismo
(Europa, América do Norte, Japão),
os salários estão estagnados há décadas.
O trabalho é cada vez mais precário.
Moradia acessível é cada vez mais escassa.

Enquanto isso, aqueles no topo ficam cada dia mais ricos,
com a Oxfam descobrindo que, em 2017, 82% da riqueza gerada
ia para o 1% mais rico da população global.

Se você vem sentindo que estão te passando a perna, bom, você tem o Marx, mostrando que você sempre cria mais valor para seu empregador do que seu empregador te paga. “O Capital”, ele escreve, “é trabalho morto, que, como um vampiro, só vive sugando trabalho vivo, e vive mais quanto mais trabalho suga… Se o trabalhador consome seu tempo disponível consigo mesmo, ele rouba o capitalista”.

Se você ficou deslumbrado pelos últimos tênis saídos da linha de produção, bom, Marx tem uma teoria sobre fetiche da mercadoria.

Se você sente que não está no controle da sua vida, que é só uma engrenagem numa máquina, que o trabalho que você faz de nenhuma maneira te representa e que você está cada vez mais sobrecarregado pela competição, bom, Max também tem uma teoria sobre alienação.

“A relevância de Marx hoje está principalmente na análise da concentração de riqueza nas mãos das classes donas de propriedades, que o conceito materialista da história toma como ponto de largada, e nas implicações culturais e políticas que tal concentração deixa evidente”, me disse Gregory Claeys, autor do livro recentemente publicado Marx and Marxism. “A plutocracia está evidente em toda parte, e seu controle sobre os meios de propaganda [imprensa, TV, internet], além da capacidade do dinheiro corporativo de contornar processos políticos democráticos, é igualmente óbvio.”

Claeys, que se descreve como socialista, não marxista, identifica três fatores que levaram ao interesse renovado em alternativas de esquerda ao capitalismo neoliberal e para qual Marx “é claramente relevante”.

Esses fatores são “a persistência da crise financeira de 2008, com o alerta de que a instabilidade crônica ainda escora o capitalismo no geral; o crescimento chocante da desigualdade que marcou a última década, e avisos sobre perspectivas de desemprego em massa no final do século 21 enquanto a automação continua”.

Nesse último ponto, a ideia de um comunismo de luxo totalmente automatizado segue, com o ponto crucial de que a automação leva a uma decisão política – podemos acabar numa distopia hipercapitalista, onde as máquinas fazem a maior parte do trabalho mas o dinheiro e o tempo continuam nas mãos de poucos, ou podemos ver o dinheiro poupado pela automação colocado nas mãos das pessoas cujos trabalhos foram tirados pelas máquinas, assim nos libertando.

O marxismo, sugere o intelectual Terry Eagleton, “é sobre lazer, não trabalho. É um projeto que deveria ser apoiado por todos que não gostam de ter que trabalhar. Ele diz que as atividades mais preciosas são aquelas feitas por vontade, e a arte é, nesse sentido, o paradigma da atividade autenticamente humana”.

Vijay Prashad, escritor, jornalista e diretor do Tricontinental Institute for Social Research, me disse que, como marxista, ele entende que “o liberalismo e outras formas de pensamento político não são capazes de gerenciar a contradição entre seus ideais superiores e as políticas que produzem (ou seja, políticas que consolidam e propagam a propriedade privada sobre necessidades humanas)”.

O capitalismo, acredita Prashad, não pode resolver seus próprios problemas. “Temos um problema agudo de desemprego pelo planeta. Três bilhões de pessoas vão dormir com fome. Não há solução para nenhuma dessas coisas dentro do reino do pensamento e da política capitalista. Empreendedorismo? Isso não vai mudar a fome do mundo. Nem vouchers. Qual a alternativa disponível?”

Prashad oferece uma defesa robusta de uma crítica sempre feita contra Marx, a de que seu trabalho foi usado para fundar sociedades que se tornaram similares a ditaduras, que a morte de milhões de pessoas na União Soviética, China e outros lugares é uma prova de que o marxismo leva inevitavelmente à morte e destruição.

“O século 20 está cheio de experimentos para um futuro pós-capitalismo”, diz Prashad.
“A maioria desses experimentos aconteceram em sociedades de plebe [feudal],
onde o novo estado teve que lutar para juntar recursos para o socialismo.
Esses experimentos nos ensinaram lições, nos mostraram um vislumbre
de outro mundo – e mostraram as limitações de construir o socialismo
sem recursos e sem uma capacidade genuinamente forte de ser
democrático na ação.”

No final, Marx e seu trabalho representam essa ideia de uma alternativa ao que temos, à ideia de que outro mundo é possível.
Apesar de já ter sido tratado assim, o marxismo não é uma religião.
Nem tudo tem que ser aplicado. Mas um dos motivos para Marx ser
tão temido e caluniado é por seu desvio do pensamento ortodoxo,
por causa da ameaça à ordem estabelecida que seu trabalho carrega.

Há também, particularmente em seu trabalho inicial, uma grande defesa da humanidade.
“Quanto menos você come, bebe e lê livros; quanto menos você vai ao teatro, ao baile, à discussão pública; quanto menos você pensa, ama, teoriza, canta, pinta, se exercita”, ele escreve em Manuscritos Econômicos e Filosóficos, “quanto mais você poupa – quanto maior se torna seu tesouro que nem traças nem a poeira podem devorar… Menos você é, mais você tem; quanto menos você expressa
sua própria vida, maior é sua vida alienada – maior o estoque do seu ser alienado”.

Hoje, não há nem a garantia de que trocar a discussão pública e o baile
pelo trabalho leva ao acúmulo de algum tesouro antimofo.
Hoje, você pode ter que trabalhar só para sobreviver.

Em Marx, pelo menos, temos alguém que entende isso.

https://www.vice.com/pt_br/article/ne9amw/karl-marx-atualidade-relevancia

https://youtu.be/Fua5_AZgoqA
https://youtu.be/xQrSg9QFYuM
https://youtu.be/IhskTKCCNA4

Zé Maria

202 Anos de Karl Marx …
E os Ocidentais ainda não compreenderam “O Capital”.
Preferem o Retorno ao Feudalismo do que o Marxismo.
No braZil optaram pelo Senhorio de Escravos Explícito.

É preciso não ter medo,
é preciso ter a coragem de dizer.

Há os que têm vocação para escravo,
mas há os escravos que se revoltam
contra a escravidão.
Não ficar de joelhos,
que não é racional renunciar a ser livre.

Mesmo os escravos por vocação
devem ser obrigados a ser livres,
quando as algemas forem quebradas.

É preciso não ter medo,
é preciso ter a coragem de dizer …

Liberdade …

Não ficarei tão só no campo da arte,
e, ânimo firme, sobranceiro e forte,
tudo farei por ti para exaltar-te,
serenamente, alheio à própria sorte.

Para que eu possa um dia contemplar-te
dominadora, em férvido transporte,
direi que és bela e pura em toda parte,
por maior risco em que essa audácia importe.

Queira-te eu tanto, e de tal modo em suma,
que não exista força humana alguma
que esta paixão embriagadora dome.

E que eu por ti, se torturado for,
possa feliz, indiferente à dor,
morrer sorrindo a murmurar teu nome.

São Paulo, Presídio Especial, 1939.

Carlos Marighella (1911-1969)
Poeta Preto Baiano Marxista
ex-Deputado Constituinte 1945 (PCB)
Fundador da Aliança Libertadora Nacional
Herói da Resistência às Ditaduras

https://www.marxists.org/portugues/marighella/1939/mes/rondo.htm
https://www.marxists.org/portugues/marighella/1939/mes/liberdade.htm

https://www.marxists.org/portugues/marighella/index.htm
http://memoriasdaditadura.org.br/biografias-da-resistencia/carlos-marighella/

Zé Maria

Hesitante, o Ocidente testemunha a presença
de um Füher nos USA e de um Duce no braZil,
ambos exageradamente Caricatos e Perigosos.
O Cirque du Soleil ou a Rechtbank Den Haag?

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