Demissão de Moro turbina confronto entre STF e presidente da República em torno de Carlos Bolsonaro
Tempo de leitura: 6 minDa Redação
O print utilizado por Sergio Moro para provar que Jair Bolsonaro pretendia trocar o diretor-geral da Polícia Federal, Maurício Valeixo, por motivos meramente políticos, também demonstra que o ex-ministro da Justiça não rechaçou de pronto — ao menos nesta conversa específica — toda e qualquer tentativa do presidente de interferir em investigações.
As mensagens foram vazadas por Moro em resposta a acusações feitas por Bolsonaro depois que o ministro se demitiu.
“Mais um motivo para a troca”, reclamou Bolsonaro a Moro depois de enviar o link de uma suposta ação determinada pelo ministro do STF Alexandre de Moraes contra “de 10 a 12 deputados bolsonaristas”.
O texto da nota do site Antagonista, cujo link foi enviado por Bolsonaro, diz:
Conduzido por Alexandre de Moraes, o inquérito inconstitucional das Fake News, que censurou nosso site, vai acabar alimentando o inquérito sobre a carreata inconstitucional bolsonarista, que também é conduzido por Alexandre de Moraes.
Segundo Merval Pereira, o primeiro inquérito “já tem uma relação de 10 a 12 deputados bolsonaristas, mais empresários, que tiveram o sigilo quebrado, e a Polícia Federal estava a ponto de fazer busca e apreensão em seus endereços quando veio a quarentena.
Com o novo inquérito, dificilmente vai dar para parar a investigação, que já teria identificado o chamado ‘gabinete do ódio’ que funciona no Palácio do Planalto como a origem das fake news, e poderão surgir dados que liguem esse grupo palaciano, coordenado pelo vereador Carlos Bolsonaro, à organização dessas manifestações ilegais (…)
A investigação original é sobre o STF, mas há indícios de que está tudo ligado. A Polícia Federal deve manter os mesmos policiais que já estão trabalhando no inquérito das fake news, para dar mais agilidade às investigações.”
Deve ser por isso que Jair Bolsonaro quer trocar o diretor-geral da PF.
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Em maio de 2019, a então procuradora-geral da República, Raquel Dodge, opinou que o inquérito é inconstitucional por ter sido aberto “de ofício” pelo presidente do STF, Dias Tofolli:
A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, enviou ao Supremo Tribunal Federal (STF), nesta sexta-feira (3), manifestação pela procedência da Arguição de Preceito Fundamental (ADPF) 572 ajuizada pelo partido Rede Sustentabilidade contra inquérito instaurado de ofício pela Corte.
O partido questiona a portaria assinada pelo presidente do STF, Dias Tofolli, que instaurou o Inquérito 4.781, para apurar responsabilidade sobre o que classificou como notícias fraudulentas (fake news), denúncias caluniosas, ameaças e infrações que atingem a honorabilidade e a segurança da Suprema Corte, de seus membros e de familiares.
Para Raquel Dodge, a portaria e o inquérito violam princípios constitucionais da separação de poderes e do juiz natural, além do sistema penal acusatório.
Uma decisão sobre a validade ou não do inquérito será eventualmente tomada pelo próprio plenário do STF.
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A notícia do Antagonista que provocou a mensagem de Bolsonaro a Moro, vazada pelo ex-juiz federal, apenas reproduz trecho de um artigo assinado pelo colunista Merval Pereira, que tem acesso privilegiado a integrantes do STF.
Diz a coluna, em que Merval traça o caminho para a derrubada do presidente da República:
INQUÉRITO PODE PEGAR BOLSONARO
Golpe frustrado
Por Merval Pereira, em O Globo, 22.04.2020
O presidente Bolsonaro tentou dar ares de apoio dos militares à sua presença na manifestação antidemocrática que avalizou no domingo em Brasília, mas soube, antecipadamente, que a área militar se incomodava com a escolha como moldura de uma ação política o Forte Apache, como é conhecido o Quartel-General do Exército.
Ele convidou para acompanhá-lo o ministro da Defesa, general Fernando Azevedo e Silva, e o ministro-chefe da Secretaria de Governo, general Luiz Eduardo Ramos, que recusaram, por considerarem que a presença deles sugeriria que o Exército avalizava a manifestação.
Por ser político, os generais consideram que Bolsonaro tem o direito de participar de manifestações políticas, mas, diante da repercussão negativa, avaliaram que o presidente deu um passo em falso ao convalidar as reivindicações antidemocráticas.
Por isso tiveram uma reunião com ele na noite do mesmo domingo, onde ficou combinado que Bolsonaro falaria no dia seguinte para desfazer o clima político tenso, e à noite o Ministério da Defesa deu uma nota oficial garantindo que as Forças Armadas obedecem à Constituição.
A frase proferida por Bolsonaro na manhã de segunda feira — “Já estou no poder, por que daria um golpe?” — foi dita a ele na reunião de domingo.
A investigação já em curso no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre as fake news cruzará inevitavelmente com o novo inquérito aberto sobre as manifestações antidemocráticas, pois tudo indica que os mesmos que orquestram as notícias falsas contra os que consideram adversários políticos são os que organizam e financiam essas manifestações que pedem a intervenção militar e o fechamento do Supremo e do Congresso.
A piada do dia entre os parlamentares é que os sorteios no Supremo Tribunal Federal (STF) estão sendo feitos pela mão de Deus, como o gol do Maradona.
O inquérito sobre as manifestações antidemocráticas caiu, no sorteio eletrônico, para o ministro Alexandre de Moraes, o mesmo que já preside o inquérito sobre as fake news contra o STF.
E o pedido do deputado Eduardo Bolsonaro para impedir a prorrogação da CPI das Fake News no Congresso foi para o ministro Gilmar Mendes, um dos mais ferrenhos combatentes das fake news, e que tem assumido publicamente posições vigorosas contra as reivindicações ilegais de intervenção militar.
A tal ponto que retuitou uma declaração de outro ministro do STF, Luís Roberto Barroso, não exatamente seu amigo, repudiando os que pedem a volta do AI-5 e da ditadura militar.
O inquérito das fake news já existe há um ano no Supremo, e recebeu muitas críticas pela maneira como foi criado, em regime de sigilo como o de agora, e sem a participação da Procuradoria-Geral da República.
Está mais avançado do que o procurador-geral atual, Augusto Aras, gostaria.
Ele pediu a abertura de um inquérito para investigar os atos antidemocráticos, mas excluiu o presidente Bolsonaro do rol de suspeitos de os incentivarem, provavelmente para cacifar-se à vaga do Supremo que se abre em novembro com a aposentadoria do ministro Celso de Mello.
Mas bastará um parlamentar, ou associação da sociedade civil, requisitar ao ministro Alexandre de Moraes que inclua Bolsonaro no inquérito que o pedido será encaminhado pelo Supremo à PGR, criando um constrangimento que possivelmente impedirá a não aceitação.
O inquérito do ministro Alexandre de Moraes já tem uma relação de 10 a 12 deputados bolsonaristas, mais empresários, que tiveram o sigilo quebrado, e a Polícia Federal estava a ponto de fazer busca e apreensão em seus endereços quando veio a quarentena.
Com o novo inquérito, dificilmente vai dar para parar a investigação, que já teria identificado o chamado “gabinete do ódio” que funciona no Palácio do Planalto como a origem das fake news, e poderão surgir dados que liguem esse grupo palaciano, coordenado pelo vereador Carlos Bolsonaro, à organização dessas manifestações ilegais.
O procurador-geral da República, Augusto Aras, conversou ontem com o ministro Alexandre de Moraes e deverá receber um relatório sobre as investigações das fake news no início da próxima semana.
A investigação original é sobre o STF, mas há indícios de que está tudo ligado. A Polícia Federal deve manter os mesmos policiais que já estão trabalhando no inquérito das fake news, para dar mais agilidade às investigações.
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Bolsonaro pode ter considerado que o Antagonista divulgou nota plantada pelo diretor-geral da Polícia Federal contra sua própria demissão — o que configuraria “mais um motivo para a troca”.
Moro, ao responder ao presidente, lembrou a Bolsonaro que o inquérito não era da alçada do diretor-geral da Polícia Federal, mas do STF — mas não rebateu de pronto toda e qualquer interferência indevida de Bolsonaro em investigações.
Caso contrário, o ex-ministro da Justiça deveria ter dito que, MESMO QUE O PROCESSO FOSSE DA ALÇADA DE VALEIXO e não do STF, Bolsonaro não teria o direito de interferir.
Isso demonstra como Moro ajusta seu comportamento ético à conjuntura política.
Ontem, o ministro Alexandre de Moraes determinou que os dois inquéritos sob sua supervisão mencionados acima deverão continuar na mão dos delegados da Polícia Federal Igor Romário de Paula, Denisse Dias Rosas Ribeiro, Fábio Alceu Mertens e Daniel Daher, independentemente da indicação do novo ministro da Justiça e do novo diretor-geral da PF por Bolsonaro.
Em outras palavras, quando acabar o isolamento social causado pela pandemia de coronavírus é provável que um novo diretor-geral da Polícia Federal, a mando de Jair Bolsonaro, tente travar supostos pedidos de busca e apreensão determinados por Alexandre de Moraes, num duelo que colocará o presidente da República frente a frente com o STF — tudo para proteger o filho Carlos Bolsonaro.
Na quinta-feira, 23, o blog do Vicente, do Correio Braziliense, informou que “policiais que trabalham na operação [inquérito das fake news] garantem que o filho do presidente [Carlos] é o mentor de todos os ataques que foram disparados contra o Supremo e contra o Congresso”.
Comentários
Ginah Cubas
Pergunta do site Antropofagista: Se o diretor da PF tivesse ficado, o Marreco teria feito a delação premiada?
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