Human Rights Watch diz para o mundo que denúncia contra Glenn “é infundada”

Tempo de leitura: 3 min
Ilustração: João Brizzi/The Intercept Brasil

Brasil: Denúncia infundada contra Greenwald

A denúncia contra Glenn Greenwald prejudica a liberdade de imprensa

São Paulo, 23 de janeiro de 2020 – A grave denúncia apresentada por um procurador federal, em 20 de janeiro de 2020, contra o jornalista americano Glenn Greenwald por comunicações com uma fonte sigilosa não está baseada em evidências críveis de atividade criminosa, afirmou hoje a Human Rights Watch.

A denúncia pode prejudicar a liberdade de imprensa no Brasil.

“O uso de fontes sigilosas para fornecer informações relevantes ao público é essencial no exercício do jornalismo”, disse Maria Laura Canineu, diretora do escritório da Human Rights Watch no Brasil.

“A denúncia contra Glenn Greenwald parece uma tentativa de puni-lo pela publicação de mensagens que autoridades do sistema de justiça trocaram entre si. Esperamos que o poder judiciário rejeite a denúncia”.

Glenn recebeu cópias de mensagens obtidas por hackers e as publicou em junho de 2019 no The Intercept, um site de notícias do qual ele é editor fundador, e em outras mídias.

As mensagens pareciam mostrar que Sergio Moro – então juiz e atualmente ministro da Justiça – dava conselhos aos procuradores federais sobre como atuar no caso do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e de outras pessoas processadas por corrupção, sugerindo testemunhas e estratégias.

Moro questionou a autenticidade das mensagens e disse no dia 20 de janeiro que, de qualquer forma, o conteúdo “era absolutamente normal”.

O procurador federal, Wellington Divino de Oliveira, acusou Glenn de fazer parte de uma associação criminosa, crime passível de uma pena de até três anos de prisão; de 126 incidentes de interceptação de comunicações sem autorização judicial, puníveis com até quatro anos de prisão; e de 176 incidentes de invasão de um dispositivo informático, puníveis com até um ano de prisão.

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Dessa forma, se condenado nesses termos, Glenn poderia enfrentar uma pena de prisão que somaria 683 anos.

O procurador federal Wellington protocolou a denúncia mesmo depois que, após a mídia informar que a polícia federal poderia estar investigando Glenn, um ministro do Supremo Tribunal Federal reafirmou, em liminar, a prevalência da liberdade de imprensa neste caso e proibido as “autoridades públicas” de praticarem atos que visassem à responsabilização de Glenn Greenwald pela recepção e publicação das mensagens telefônicas.

O procurador baseou a denúncia, que a Human Rights Watch analisou, apenas no áudio de uma conversa entre Greenwald e um suposto hacker antes da publicação das mensagens.

O procurador alegou que, naquele diálogo, o jornalista “indica que o grupo criminoso deve apagar as mensagens que já foram repassadas” para ele e, com base nisso, acusou Greenwald de indicar “ações para dificultar as investigações e reduzir a possibilidade de responsabilização penal”.

No entanto, a própria transcrição da conversa incluída na denúncia mostra que Glenn nunca indicou ao grupo que eliminasse as mensagens para evitar responsabilização.

O suposto hacker perguntou a Glenn o que fazer com as mensagens que já haviam sido enviadas a ele, para evitar prejudicar a publicação por parte do Glenn.

O jornalista respondeu que ele salvou essas mensagens em um local seguro e que não via necessidade do grupo manter os arquivos.

Ele acrescentou que excluir os arquivos não prejudicaria a publicação.

Glenn explicou que não podia “dar conselhos” e que cabia a eles uma decisão.

Ele disse que sua obrigação era de proteger sua fonte e que queria evitar o risco de que sua identidade fosse revelada.

O procurador também afirmou que Glenn sabia que o grupo ainda estava interceptando mensagens ilegalmente quando a conversa ocorreu, mas a transcrição não parece sustentar essa conclusão.

Glenn e o suposto hacker conversaram sobre mensagens interceptadas anteriormente, as quais o grupo já havia fornecido ao jornalista.

Além disso, o procurador acusou Glenn de obter “vantagem financeira” de seus supostos crimes, mas não forneceu nenhuma evidência.

Em dezembro, a Polícia Federal havia encerrado sua própria investigação sobre o vazamento das mensagens, indiciando seis pessoas.

A PF não indiciou Glenn, e a mídia que citou o relatório da polícia disse que a PF tomou essa decisão após concluir que em seus diálogos com as fontes, Glenn adotou uma postura “cuidadosa” quanto a não participar dos crimes.

Embora a polícia federal já tivesse descartado essa conversa como evidência que ele se envolveu em alguma atividade criminal, o procurador Wellington protocolou a denúncia contra Glenn, além das outras seis pessoas.

Um juiz federal deve determinar se aceita ou rejeita a denúncia.

“A denúncia contra Glenn não está sustentada em evidências”, disse Maria Laura Canineu. “Em lugar de denunciá-lo, o Ministério Público Federal deveria defender o direito dos jornalistas de manterem contato com fontes sigilosas e o direito dos brasileiros de receberem informações de interesse público”.

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