170 entidades denunciam posição do Brasil na Cúpula de Nairobi: Viola a Constituição, fere direitos das mulheres e aumenta o risco de morte materna
Tempo de leitura: 7 minpor Conceição Lemes
De 12 a 14 de novembro aconteceu em Nairóbi, no Quênia, a Cúpula de Nairóbi para celebrar os 25 anos da Conferência Internacional de População e Desenvolvimento do Cairo, no Egito.
Mais de 9.500 delegados participaram desta conferência radicalmente inclusiva, convocada pelos governos do Quênia e Dinamarca e o Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA), agência líder da ONU no campo da saúde sexual e reprodutiva.
“Terminamos a Cúpula com o compromisso de acabar com todas as mortes maternas, a necessidade não atendida de planejamento familiar, violência de gênero e práticas prejudiciais contra mulheres e meninas até 2030”, disse Natalia Kanem, diretora-executiva do UNFPA, no último dia.
A Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento de 1994, no Cairo, foi um ponto de virada para o futuro de mulheres e meninas.
A Cúpula de Nairóbi, segundo o UNFPA, será lembrada como um momento decisivo que mobilizou ações que salvaram vidas de milhões de mulheres e meninas, suas famílias e comunidades, por exclusão e marginalização, e permitiram que as nações tirassem vantagem do dividendo demográfico para aumentar suas economias.
A posição do Brasil, porém, foi vexaminosa.
Totalmente na contramão dos países democráticos e avançados.
O governo Jair Bolsonaro reafirmou, na Cúpula de Nairóbi, que reconhece o direito à vida desde o encontro entre espermatozoide e óvulo (fecundação), antes mesmo da implantação do embrião no útero (nidação).
Com isso, visa retirar direitos das mulheres no campo reprodutivo, abrindo a possibilidade da proibição do aborto em qualquer situação.
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Ou seja, a posição brasileira viola o artigo 5ª da Constituição que diz:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade
Além disso, descumpre decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que, em 2012, descriminalizou o aborto nos casos de grávidas com fetos anencéfalos.
Um retrocesso completo.
Com base nessa posição do governo Bolsonaro, mães com gravidez de risco teriam de manter a gestação, mesmo que isso as levasse à morte.
Gestantes com feto sem cérebro teriam de manter a gravidez até o fim, mesmo sabendo que ele morrerá ao nascer.
Além disso, levaria mais mulheres pobres a recorrerem a um aborto inseguro em clínicas clandestinas. aumentando os já altíssimos números de mortalidade materna no país.
Diante disso, 170 organizações do Brasil e internacionais denunciam em documento (na íntegra, mais abaixo) mais esta posição inconstitucional do governo brasileiro num fórum global.
“É lamentável que o governo brasileiro não respeite e fira a legislação nacional em seu pronunciamento global”, afirma Richarlls Martins, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro ( UFRJ).
“Esta mudança radical de postura na política externa alinha o Brasil com os países menos desenvolvidos no campo da integralidade dos direitos humanos”, prossegue Martins, que é coordenador da Rede Brasileira de População e Desenvolvimento e foi um dos delegados da sociedade civil na Cúpula de Nairóbi.
“Neste sentido, ter a sociedade civil no monitoramento ativo das ações do país nos fóruns multilaterais se torna ainda mais fundamental”, salienta.
“A denúncia que realizamos aqui representa um ganho de qualidade democrática e defesa da Constituição na sustentação dos direitos humanos’, arremata o professor.
POSICIONAMENTO DA SOCIEDADE CIVIL – Cúpula de Nairóbi CIPD 25
Nairóbi, 14 de novembro de 2019
Reunida na Cúpula de Nairóbi para comemorar os 25 anos da Conferência Internacional de População e Desenvolvimento do Cairo (CIPD), a delegação que representa a sociedade civil do Brasil abaixo listada se manifesta publicamente em relação ao posicionamento do governo brasileiro, apresentado pelo Embaixador Fernando Coimbra.
É positivo que o documento apresentado liste uma série de desafios que o país ainda necessita enfrentar para cumprir essa agenda, tais como: a redução dos níveis de pobreza, responder a novas configurações que os atuais padrões fecundidade e estrutura demográfica apresentam, e mais especialmente atingir as metas prometidas de redução da mortalidade materna.
Também é digna de nota a menção da centralidade do Sistema Único de Saúde como plataforma principal de implementação da agenda da CIPD.
No entanto, a nosso ver, é inaceitável que o documento apresentado não faça uma única menção aos direitos humanos que constituem um dos pilares do programa de ação da CIPD.
Alertamos que na Cúpula de Nairóbi CIPD 25 o atual governo brasileiro reafirmou uma vez mais que defende a vida desde a concepção e somou-se a declarações de outros países contrárias a esta agenda.
Esta afirmação não reflete a definição estabelecida na Constituição Federal promulgada em 1988 e reafirmada pelo Supremo Tribunal Federal em dois julgamentos subsequentes, a saber, a Ação Direta de Inconstitucionalidade 3.510 (2008) e a Arguição Direta de Preceito Fundamental 54 (2012).
Já na 72ª Assembléia da Organização Mundial de Saúde (OMS), com base nessa posição que está em flagrante desacordo com o texto constitucional, o atual governo assina declarações conjuntas com países que não reconhecem a legitimidade da saúde e dos direitos sexuais e reprodutivos.
Cabe, portanto, recordar, uma vez mais, que o Estado Brasileiro é signatário de acordos intergovernamentais que recomendam o reconhecimento do aborto como grave problema de saúde pública, assim como a revisão de leis que punem a interrupção da gravidez, em particular o já mencionado Programa de Ação da CIPD de 1994, Plataforma de Beijing de 1995 e o Consenso de Montevidéu sobre População e Desenvolvimento da América Latina e Caribe de 2013.
Vale ainda destacar que o documento apresentado pelo Brasil em Nairóbi não menciona obstáculos flagrantes ao desenvolvimento de políticas de saúde e de educação, tais como o crescimento da desigualdade social e dos índices de pobreza extrema em anos recentes ou, mais especialmente, os efeitos nefastos decorrentes da restrição dos gastos públicos determinados pela Emenda Constitucional 95.
Adicionalmente, o impacto negativo da redução de financiamento para a política nacional de saúde e outras áreas críticas da política social tende a ser agravado pela proposta de eliminação da regra constitucional de vinculação obrigatória do gasto social, trazendo consequências ainda mais robustas para a população negra e indígena brasileira, sempre em situações de violência, geradoras de profunda vulnerabilidade, desigualdade e exclusão social como mostram todos os indicadores sociais, especialmente entre jovens e mulheres negras, duramente afetadas.
É, sobretudo, lamentável que, adicionalmente, o documento não faça nenhuma referência a políticas de gênero ou mesmo de igualdade de gênero, cabendo aqui sublinhar a recente intimação feita pelo Supremo Tribunal Federal ao Ministério das Relações Exteriores, no sentido de tornar transparentes documentos e diretrizes de políticas relativas a gênero, direitos das mulheres e das pessoa LGBT recebidas pelo Poder Executivo.
Em consonância com o fortalecimento do sistema democrático brasileiro, denunciamos a posição internacional do Brasil neste fórum, que está em desacordo com os compromissos internacionais assumidos, com as leis e políticas nacionais.
É inaceitável qualquer retrocesso em nossos direitos.
A sociedade civil brasileira seguirá monitorando ativamente os direitos adquiridos durante as últimas décadas e que ampliaram a cidadania em nosso país.
DELEGAÇÃO BRASILEIRA DA SOCIEDADE CIVIL – CÚPULA DE NAIROBI CIPD 25 – 2019
Ação dos Jovens Indígenas e Suporte aos Jovens Indígenas do Mato Grosso do Sul/AJI-GAPK
Comissão de Cidadania e Reprodução/CCR
Comitê Latino-americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher/CLADEM Brasil
International Work Group for Indigenous Affairs/IWGIA
Movimento She Decides Brasil
Rede Brasileira de População e Desenvolvimento/REBRAPD
Rede CCAP Manguinhos
Rede de Juventude Indígena/REJUIND
ORGANIZAÇÕES APOIADORAS NACIONAIS
Agoraequesaoelas
ANIS – Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero
ANPEPP – Associação Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Psicologia
Articulação Brasileira de Jovens Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais/ArtJovem LGBT
Articulação Brasileira de Gays/ARTGAY
Articulação de Mulheres Brasileiras/AMB
Associação Brasileira de Antropologia/ABA
Associação Brasileira de Estudos Populacionais/ABEP
Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids/ABIA & Observatório de Sexualidade e Política (SPW)
Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos/ABGLT
Associação Brasileira de Saúde Mental – ABRASME
Associação de Doulas de Alagoas – ADOAL
Associação de Doulas de Pernambuco- ADOPE
Associação de Doulas de Santa Catarina – ADOSC
Associação de Doulas do Estado do Rio de Janeiro/ADOULASRJ
Associação de Pós-graduandos da Fiocruz
Associação Nacional de Travestis e Transexuais/ANTRA
CACES – Centro de Atividades Culturais, Econômicas e Políticas Feministas, Antiracistas e Anticapitalistas
Casa Sem Preconceito/Campinas – SP
Católicas pelo Direito de Decidir/Brasil
Central de Cooperativas Unisol Brasil
Centro de Estudos e Defesa do Negro do Pará/CEDENPA
Centro Feminista de Estudos e Assessoria – Cfemea
CEPIA – Cidadania, Estudo, Pesquisa, Informação e Ação
Coletivo Popular de Mulheres da Zona Oeste
Coletivo de Proteção à Infância
Voz Materna
Coletivo Feminista 4D
Coletivo Feminista Classista “Ana Montenegro”
Coletivo LGBT da CUT Nacional
Coletivo Margarida Alves de Assessoria Popular
Coletivo SobreViver – Limeira
Coletivo Todxs Unidxs
Conectas Direitos Humanos
Criola
Diretoria de Combate às Opressões da Associação Nacional de Pós-graduandos
EIG – Evangélicas pela Igualdade de Gênero
Federação Nacional de Doulas do Brasil/FENADOULASBR
FOAESP
Força Tarefa Jovens Lideranças
Fórum Estadual de Mulheres Negras RJ
Fórum Estadual LGBT de Mato Grosso do Sul
Fórum Paulista LGBT Frente Estadual pelo Desencarceramento – RJ
Geledés – Instituto da Mulher Negra
GEMA/UFPE – Núcleo Feminista de Pesquisa sobre Gênero e Masculinidades – Universidade Federal de Pernambuco
Grupo Curumim
Gestos – Soropositividade, Comunicação e Gênero
Grupo de Prevenção às DST/Aids e Drogas Julia Seffer – Ananindeua/Pará
Grupo de Mulheres de Juremas
Grupo de Trabalho da Sociedade Civil para Agenda 2030
Grupo Saúde mental e gênero/UnB
GT sobre Psicologia e estudos de gênero da ANPEPP
ICW Brasil
Identidade – Grupo de Luta Pela Diversidade Sexual – Campinas/SP
Iniciativa Direito à Memória e Justiça Racial- Baixada Fluminense/RJ
Instituto de Formação Humana e Educação Popular
Instituto de Mulheres Negras do Amapá/IMENA
Instituto de Desenvolvimento e Direitos Humanos/IDDH
Instituto PAPAI
Intervozes
Liberta Elas
Liga Brasileira de Lésbicas do Paraná
Médicos pelo Direito de Decidir
Mídia Ninja
Movimento de Mulheres Olga Benário
Movimento Moleque
Movimento Nacional das Cidadãs Posithivas/MNCP
Movimento Primavera Feminista
MUSA – Programa de Gênero e Saúde do Instituto de Saúde Coletiva/UFBA
Núcleo de Diversidade Marielle Franco (NUGEDS/IFRJ Campus Belford Roxo)
Núcleo de Estudos sobre Desigualdades Contemporâneas e Relações de Gênero/NUDERG
Núcleo de Estudos da Mulher e Relações Sociais de Gênero/NEMGE da USP
ODARA – Grupo Interdisciplinar de Pesquisa em Cultura, Identidade e Diversidade (IFRJ/CNPq)
Portal Catarinas
Programa em Gênero, Sexualidade e Saúde /IMS- UERJ
Rede Afro LGBT
Rede de Comunidades e Movimentos Contra Violência
Rede de Desenvolvimento Humano/REDEH
Rede de Mulheres Negras de Alagoas
Rede de Mulheres Negras do Paraná
Rede Feminista de Saúde, Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos
RENAP – Rede Nacional de Advogadas e Advogados Populares
Rede Nacional de Religiões Afro-brasileiras e Saúde
RHEG – Rede de Homens pela Equidade de Gênero
RESURJ
SOS Corpo
Uiala Mujaki – Sociedade das Mulheres Negras de Pernambuco
UJIMA – Trabalho Coletivo e Responsabilidade
União Brasileira de Mulheres – UBM #mapadasmina
ORGANIZAÇÕES APOIADORAS INTERNACIONAIS
Acción Joven – Honduras
ADESPROC LIBERTAD – Bolívia
Agrupación Ciudadana por la despenalización del aborto – El Salvador
Articulacion Feminista Marcosur
ASER Litigio A.C.
Asesoría Integral y Litigio Estratégico a Pueblos Orignarios
Centro de Derechos de Mujeres Honduras – CDM Honduras
Centro de Estudios de la Mujer – CEM Honduras
CLADEM
CLADEM – Uruguay
Coalición Boliviana de Colectivos LGBTI
Collaborative Network of Persons Living with HIV/C-NET+ – Belice
Colectiva Feminista – El Salvador
Colectiva Feminista para el Desarrollo Local – El Salvador
Consorcio para el Diálogo Parlamentario – Mexico
Cotidiano Mujer – Uruguay
Derechos Aquí y Ahora – Bolivia
Derechos Aquí y Ahora – Honduras
Efecto Latam
Foro Feminista Magaly Pineda – República Dominicana
Fundación Chile Positivo FUSA – Argentina
Gay Latino GOJoven – Guatemala
Gozarte por los Derechos Sexuales y Reproductivos – Uruguay
ICW Latina
ICW – Argentina
IYAFP – México
ICW – Republica Dominica
Iniciativas Sanitarias – Uruguay
IPAS Centroamérica y México
Jovenes Iberoamericanos
Mesa por la Vida y la Salud de las Mujeres – Colombia
MEXFAM – México
MLCM+ – Movimiento Latinoamericano y del Caribe de Mujeres Posithivas MYSU – Uruguay
Mujeres Indígenas del Cauca
ONG IGUAL – Bolivia
Organización de Mujeres Nuestra Voz – Guatemala
OTRANS-RN – Guatemala
Rede de Vulnerabilidade Social/Associação Latinoamericana de População
Red de Colectivas Jóvenes – El Salvador
Red de Mujeres Afrolatinoamericanas, Afrocaribeñas y de la Diáspora
Red Nacional de Personas Trans – Guatemala
Red Latinoamérica de Católicas por el Derecho a Decidir
Red Latioamericana y Caribeña de jóvenes por los derechos sexuales y reproductivos/RedLAC
Red Latinoamericana y el Caribe de Personas Trans
Red Mexicana de Jóvenes y Adolescentes con VIH
Red Nacional de Líderes y Lideresas Juveniles Tú Decides – Bolivia
Red Nacional de Mujeres de Colombia
Red de Salud de las Mujeres Latinoamericanas y del Caribe/RSMLAC
Republika Libre – Republica Dominicana
RESURJ
Sombrilla Centroamericana Somos Gay – Paraguay
Surkuna – Equador
Contato: [email protected]
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