Juliana Cardoso: Obstáculos para acesso ao aborto legal são crueldade com as mulheres

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Por Juliana Cardoso

Mídia Ninja

Os obstáculos para a garantia do acesso ao aborto legal

por Juliana Cardoso*

A legislação brasileira não criminaliza a mulher que decidi abortar em três situações: risco de morte à mulher; gravidez resultante de estupro (ou outra forma de violência sexual) e, em caso, de fetos anencefálicos com inviabilidade de vida extrauterina.

Nessas situações a mulher pode fazer o aborto legal no Sistema Único de Saúde (SUS).

Apesar desse direito ter se consolidado na Constituição de 1988, as mulheres enfrentam muitos obstáculos para terem acesso ao mesmo.

Não bastasse isso, a atual onda fundamentalista que domina o ambiente político, com crescente intolerância, vem produzindo sistemáticos ataques às conquistas das mulheres.

Para impedir a interrupção da gravidez em qualquer situação tramitam no Congresso Nacional projetos de lei como Estatuto do Nascituro, Bolsa Estupro, PEC Cavalo de Troia, dentre outras aberrações.

Em junho, o vereador Fernando Holiday (DEM) apresentou Projeto de Lei 352/19 na Câmara Municipal de São Paulo com medidas que, além de inconstitucionais, têm o objetivo de impedir o acesso ao serviço de aborto legal na cidade.

O projeto vai além e propõe internação psiquiátrica compulsória para mulheres propensas a realizar aborto.

De acordo com a Secretaria de Segurança Pública, no ano passado foram registrados 11.950 Boletins de Ocorrência de estupro no estado de São Paulo, um aumento de 7,76% em relação a 2017.

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Foram 32 mulheres estupradas todos os dias em 2018. Os dados revelam um aspecto ainda mais preocupante. O número de estupros de mulheres em situação de vulnerabilidade também aumentou. No estado de São Paulo, cresceu 14,3% e na capital 10,6%.

Os dados Secretaria são, no entanto, subestimados. A realidade da violência sexual é mais assustadora.

Em 2017, o Instituto de Estudos Aplicados (IPEA) estimou que todos os anos cerca de 500 mil pessoas (a maioria mulheres e crianças) sofram algum tipo de violência sexual no Brasil. É uma a cada minuto. E 50,7% das vítimas de estupro no País têm até 13 anos.

A pesquisa também revelou o perfil dos agressores e quando se trata de crianças e adolescentes a proximidade é mais assustadora: pais, padrastos, avôs e tios.

E, além disso, nos crimes em que há penetração vaginal, em adolescentes entre 14 e 17 anos, a taxa de gravidez é maior.

O número de adolescentes atendidas no Hospital Estadual Pérola Byington (referência nacional em saúde da mulher no estado de São Paulo) expressa essa triste estatística.

Dos atendimentos de vítimas de violência sexual realizados em 2014, 71% eram de crianças ou adolescentes, sendo que metade do total (35,3%) teve de se submeter a procedimentos de interrupção de gravidez.

A cidade de São Paulo foi a pioneira na América Latina ao implantar o serviço de aborto legal no Hospital Jabaquara em 1989, mas ele foi fechado. Hoje, na rede municipal outros cinco hospitais têm condições de realizá-lo.

Dados da Secretaria Municipal de Saúde revelam que, na cidade de São Paulo em 2018, foram realizadas 253 interrupções de gravidez, com o Pérola Byington respondendo por 244 delas. Os serviços da rede municipal realizaram apenas 8 procedimentos.

É preciso lembrar que o Pérola recebe mulheres também de outros estados.

Além disso, o hospital mantém convênio com as Delegacias de Polícia que, quando da notificação do crime de violência sexual, aciona a equipe com ambulância para condução da vítima até o hospital e lá receber atendimento adequado.

Tais aspectos explicam o número no Pérola, mas não explicam os motivos da rede municipal de saúde ter taxas tão baixas, uma vez que a violência sexual é crescente na cidade.

Tem que se considerar outros aspectos.

Na rede municipal além dos profissionais negarem atendimento alegando objeção de crença religiosa e consciência, o acesso ao aborto legal enfrenta outras barreiras.

Não são raras as ocasiões em que há a exigência de Boletim de Ocorrência, quando a legislação determina que basta autodeclaração. Também há distorções de informações legais como imprecisões sobre a idade gestacional em que se permite a interrupção, por exemplo. Ainda há encaminhamentos desnecessários para outros serviços.

Recentemente, a ONG Artigo 19 publicou levantamento realizado em 176 hospitais públicos de todo o Brasil sobre a disponibilidade do serviço de abortamento legal. Apenas 43% (76 hospitais) afirmaram realizar o procedimento.

Destaco todos esses dados, pois considero de extrema crueldade submeter mulheres, crianças e adolescentes violentadas que desejam não levar adiante a gestação à tortura de escutar os batimentos cardíacos do feto, ouvir sermões religiosos ou interpretações bioéticas sobre quando a vida começa como pretende o projeto de lei.

Todos esses números nos apontam a necessidade para outros debates, verdadeiramente relevantes, tais quais como debelar essa violência sexual e como garantir que as mulheres, crianças e adolescentes encontrem no SUS atendimento humanizado e livre de julgamentos morais.

Deste modo, creio que nosso desafio é garantir às mulheres vítimas de violência sexual que encontrem o adequado e humanizado atendimento em qualquer hospital da rede municipal.

E que não sejam também vítimas de constrangimentos como pretende o projeto de lei do referido vereador.

*Juliana Cardoso (PT) é vereadora (PT) e vice-presidente da Comissão de Defesa dos Direitos da Criança e Adolescente e membro das comissões de Saúde e de Direitos Humanos da Câmara Municipal de São Paulo.

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Juliana Cardoso

Deputada Federal (PT) eleita para o mandato 2023/2026.


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TV Afiada do PHA Ultrapassa 1 Milhão de Amigos Navegantes Inscritos no Canal do YouTube: https://youtu.be/QPeQJqvkNWQ

Em comemoração ao feito, o Conversa Afiada lançou um vídeo
inédito do jornalista declamando o poema “Última Canção do Beco”, de Manuel Bandeira, o escritor preferido do Ansioso Blogueiro …

Beco que cantei num dístico
Cheio de elipses mentais,
Beco das minhas tristezas,
Das minhas perplexidades
(mas também dos meus amores,
Dos meus beijos, dos meus sonhos),
Adeus para nunca mais!

Vão demolir esta casa.
Mas meu quarto vai ficar.
Não como forma imperfeita
Neste mundo de aparências:
Vai ficar na eternidade,
Com seus livros, com seus quadros,
Intacto, suspenso no ar!

Beco de sarças de fogo,
E paixões sem amanhãs,
Quanta luz mediterrânea
No esplendor da adolescência
Não recolheu nestas pedras
O orvalho das madrugadas,
A pureza das manhãs!

Beco das minhas tristezas.
Não me envergonhei de ti!
Foste rua de mulheres?
Todas são filhas de Deus!
Dantes foram carmelitas…
E eras só de pobres quando,
Pobre, vim morar aqui.

Lapa – Lapa do Desterro -,
Lapa que tanto pecais!
(Mas quando bate seis horas,
Na primeira voz dos sinos,
Como na voz que anunciava
A conceição de Maria,
Que graças angelicais!)

Nossa Senhora do Carmo,
De lá de cima do altar,
Pede esmolas para os pobres,
– Para mulheres tão tristes,
Para mulheres tão negras,
Que vêm nas portas do templo
De noite se agasalhar.

Beco que nasceste à sombra
De paredes conventuais,
És como a vida, que é santa
[A]Pesar de todas as quedas.
Por isso te amei constante,
E canto para dizer-te
Adeus para nunca mais!

https://revistaforum.com.br/comunicacao/conversa-afiada-de-paulo-henrique-amorim-chega-a-1-milhao-de-inscritos-no-youtube/

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