Débora Calheiros: Governo de Mato Grosso coloca em risco a conservação do Pantanal e a pesca nos seus rios
Tempo de leitura: 4 minDa Redação
Duas bombas estão prestes a explodir na região do Pantanal, colocando em risco tanto a sua conservação quanto a pesca nos seus rios.
O detonador de ambas é o atual governador de Mato Grosso, Mauro Mendes (DEM), em conluio com o setor elétrico.
Atualmente já existem 45 em operação na bacia bacia do alto Paraguai, formadora do Pantanal.
E para os próximos anos está prevista a construção de outras 135 hidrelétricas nos rios formadores do Pantanal, a grande maioria Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs).
As PCHs são construídas com o barramento do fluxo natural dos rios nas áreas mais sensíveis, as das cabeceiras, gerando sérios impactos ambientais já bem conhecidos por pesquisadores e populações que vivem na região.
“Com o barramento, os peixes migradores, como pacu, pintado, dourado, curimbatá, cachara e peraputanga, não conseguem mais se deslocar rio acima para a reprodução, causando drástica redução de suas populações”, alerta a bióloga Débora Calheiros, pesquisadora da Embrapa Pantanal cedida à Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT).
Comercialmente, os peixes citados acima são os mais importantes para a pesca profissional e o setor de turismo de pesca, principais geradores de emprego e renda na região.
Isso se agrava se forem construídas várias hidrelétricas num mesmo rio, como previsto, sem manter nenhum tributário do Pantanal livre para as rotas de migração alternativa dos peixes.
“E nem adianta propor peixamento ou escada, elevador, corredeira para peixe, pois são comprovadamente ineficientes”, avisa Débora.
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“Além disso, o barramento altera o fluxo natural dos rios e os ciclos normais de cheias e secas, comprometendo os processos ecológicos naturais que fornecem os serviços ambientais do Pantanal”, acrescenta Débora, representante do Fórum Nacional da Sociedade Civil nos Comitês de Bacias Hidrográficas no grupo que acompanha o Plano de Recursos Hídricos da Bacia do Paraguai.
Resultado: sérios prejuízos econômicos, já que várias atividades e milhares de pessoas dependem do turismo (barqueiros, barcos-hotéis, pousadas, guias), da pesca profissional e de subsistência de centenas de comunidades tradicionais de pescadores ribeirinhos, além dos povos indígenas.
Na época da seca, plantam ou criam gado nas áreas que foram fertilizadas naturalmente com as cheias. Essa agricultura familiar ou de subsistência também será afetada.
Em função disso, em 2017, teve início um grande projeto de pesquisa, envolvendo mais de 50 renomados cientistas brasileiros e estrangeiros, como parte do plano de recursos hídricos, para embasar a tomada de decisão.
Objetivos: avaliar as mudanças conjuntas das atuais hidrelétricas, estimar os impactos das previstas e criar ferramentas que aprimorem o licenciamento ambiental e a concessão de outorgas para uso hidrelétrico da água.
Assim, considerando a importância do Pantanal e suas salvaguardas legais, tanto de tratados internacionais quanto da legislação brasileira, a Agência Nacional de Águas (ANA) suspendeu até maio de 2020 a emissão de autorizações para novas hidrelétricas nos rios formadores dessa planície de inundação.
2020 é quando termina essa grande pesquisa.
Porém, em março deste ano, o Conselho Estadual de Recursos Hídricos de Mato Grosso (Cehidro) votou pelo desrespeito do decreto da ANA e a volta da concessão de outorgas ao setor elétrico.
Detalhe: o Cehidro é dominado pelo setor elétrico e o agronegócio, sem representatividade social de pescadores profissionais, ribeirinhos e indígenas.
O mais grave, segundo a pesquisadora, é a possibilidade de liberação de 6 PCHs no rio Cuiabá, acima da capital de Mato Grosso.
Elas bloquearão a única rota de migração restante para o rio Cuiabazinho, já que o rio Manso já está barrado pela usina hidrelétrica de Manso.
Conduta diametralmente oposta e responsável teve o Conselho de Recursos Hídricos de Mato Grosso do Sul.
Além de respeitar o decreto da ANA, decidiu por manter as salvaguardas para a conservação do Pantanal e garantir o uso múltiplo dos recursos hídricos da bacia do Alto Paraguai, como determina a Lei das Águas (Lei 9433/1997).
— E onde entra o governador Mauro Mendes? – alguns talvez já estejam querendo saber a essa altura.
Mauro Mendes também é contra a determinação da ANA que suspendeu a construção de novas hidrelétricas até 2020. E quer derrubá-la.
Recentemente ele disse na imprensa que já cobrou providências do ministro do Desenvolvimento Regional, Gustavo Canuto:
“Fizemos uma solicitação para que isso possa ser destravado ou que possa ser flexibilizada essa regra, que está prejudicando muito o Estado de Mato Grosso. A construção desses empreendimentos [hidrelétricas] vai gerar muito emprego, vai movimentar a economia. Nesse momento de baixa atividade econômica, não podemos ficar travando o crescimento do setor”.
Como esse processo pode demorar já que envolve um decreto da ANA, que é um órgão federal, o governador de Mato Grosso resolveu encurtar o caminho.
Na terça-feira passada, 25 de junho, ele mandou para Assembleia Legislativa um projeto de lei que “Dispõe sobre a Política Estadual de Desenvolvimento Sustentável da Pesca, regula as atividades pesqueiras e dá outras providências”.
Travestido de desenvolvimento sustentável, o PL embute uma ameaça ao Pantanal no seu artigo 18, que proíbe durante cinco anos o transporte, armazenamento e transporte do pescado.
“Na prática, acaba com a pesca, abrindo caminho para a instalação de PCHs”, denuncia Debora Calheiros.
O projeto é tão maroto que já está prevista para amanhã, 2 de julho — uma semana após a Assembleia recebê-lo — uma audiência pública. A real intenção é agilizar a tramitação do PL na Casa.
O governo do Mato Grosso está simplesmente jogando fora todo o processo de elaboração do Plano de Recursos Hídricos, inclusive os milhões de reais investidos no estudo científico que ficará pronto em 2010.
Se aprovado o PL, o governador passará para a história como exterminador do Pantanal. E os deputados que o apoiarem serão seus cúmplices.
Em tempo. Débora Calheiros é doutora em Ciências e há 30 anos estuda o Pantanal.
Comentários
Nelson
Ainda que o nosso planeta esteja sob seríssimo risco de destruição, a insanidade de muita gente, que só enxerga cifrões em sua frente, parece não deixar esperança para a humanidade. Pelo jeito, nada há que freie nossa propensão irresistível ao autoaniquilamento.
Andrezão
Sou contra a COTA 0 , Lei já temos, e já é restritiva 5kg+1exemplar , o problema é Fiscalização e IMPUNIDADE!!!!
Reitero a possibilidade de repovoamento mediante soltura dos alevinos como solução a curto/médio prazo.
Alternância da Proibição da pesca dos peixes com maior valor comercial como pintados, cacharas, jaus , pacu e dourado…
Assim essas espécies deixariam de sofrer com a pesca predatória, não precisaria pagar indenização aos profissionais e os amadores poderiam pescar normalmente…
Converter dinheiro das carteirinhas, multa ambiental em Soltura alevinos nativos de cada bacia, é a única solução. Água temos de sobra. Só falta apoio nisso pra repovoar os rios de MT.
Cota 0 deveria ser pra redeiro e tarrafeiro, ganchador e espinhel , dragas e usinas hidrelétricas ( que invistam em energia solar, como o gigantesco parque solar de Bom Jesus da Lapa-BA).
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