No mundo, é dia de apoio às vítimas da tortura; aqui, Bolsonaro extinguiu mecanismo de prevenção e combate

Tempo de leitura: 4 min
Foto: Wilson Dias/Agência Brasil

Da Redação

Está no calendário da Organização das Nações Unidas (ONU):  26 de junho é Dia Internacional de Apoio às Vítimas da Tortura.

Não à toa a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) pediu hoje aos países membros da Organização dos Estados Americanos (OEA) a erradicação dos atos de tortura, particularmente aqueles dirigidos contra pessoas privadas de liberdade.

Paradoxalmente, no momento em que o mundo inteiro recorda e dá visibilidade à situação das vítimas de tortura, o governo Jair Bolsonaro decreta o fim do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura.

O Mecanismo é um órgão que realiza de forma autônoma e independente a escuta das vítimas e seus familiares.

Com isso, o governo brasileiro rompe compromissos internacionais.

Nesta quarta-feira, o Mecanismo divulgou um comunicado à sociedade.

Abaixo, a íntegra

 MECANISMO NACIONAL DE PREVENÇÃO E COMBATE À TORTURA

COMUNICADO PÚBLICO

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A Tortura é um crime de lesa humanidade e por isso imprescritível. A história do Brasil prova a utilização dessa prática nociva contra sua população e principalmente contra os povos indígenas e a população negra escravizada, ao longo de mais de 500 anos.

Este método ultrajante serviu também para perseguir e exilar opositores em momentos ditatoriais, seja na Era Vargas, seja na Ditadura Militar de 1964.

Tal entulho autoritário rompeu o processo de redemocratização brasileira e se consolidou como um instrumento permanente de subjugação da dignidade humana nas favelas, comunidades, periferias e espaços de privação de liberdade.

O processo histórico de mobilização social mundial culminou em sólidas normativas nacionais e internacionais, como a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, a Declaração das Nações Unidas sobre a Proteção de Todas as Pessoas contra a Tortura ou Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes de 1975, a Convenção das Nações Unidas contra a Tortura e Outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes de 1984 e Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura de 1985 e a Constituição Federal brasileira de 1988 que estabeleceram em síntese que: ninguém será submetido à tortura nem a tratamento cruel, desumano ou degradante.

Em âmbito nacional, familiares, vítimas, organizações, instituições e movimentos sociais garantiram em 1997 que a prática da tortura se tornasse crime hediondo, através da Lei Federal nº 9.455.

Após uma década da redemocratização, no ano de 2000, o relator especial da ONU para a Tortura, Sir Nigel Rodley, em visita ao Brasil, constatou a prática sistemática e disseminada da Tortura em delegacias, presídios e penitenciárias e emitiu diversas recomendações ao Estado brasileiro para erradicar essa prática.

Essa visita impulsionou a criação do Pacto Nacional contra a Tortura gerando uma ampla Campanha Nacional de Combate à Tortura entre os anos de 2001 e 2002 e a criação de uma central de denúncias conhecida como S.O.S. Tortura.

Em 2002, as Nações Unidas aprovou o Protocolo Facultativo à Convenção contra a Tortura e Outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes que estabelecia a obrigação do estado parte de criar um Órgão Independente Preventivo à Tortura, responsável por realizar visitas regulares a todos os locais de privação de liberdade. O Brasil ratificou em 2007, por meio do Decreto nº 6.085 o referido Protocolo.

Estados como Rio de Janeiro e Pernambuco foram precursores neste movimento e criaram seus Mecanismos Estaduais, respectivamente, em 2010 e 2012.

2013 foi o ano no qual se consolidou a obrigação assumida com o OPCAT, por meio da Lei nº 12.847, criando o Comitê e o Mecanismo Nacional de Combate à Tortura, regulamentado pelo Decreto nº 8.154.

A partir daí, vários estados brasileiros iniciaram um processo de construção legal e implantação de Comitês alastrando o Sistema de Prevenção e Combate à Tortura, culminado com a criação de mais dois Mecanismos Estaduais em Rondônia e Paraíba.

Em 2015 o Subcomitê de Prevenção a Tortura visitou o Brasil e reforçou a importância de um Sistema de Prevenção a Tortura independente e autônomo e a necessidade de estratégias efetivas do Estado brasileiro em documentar e investigar as práticas de tortura que permanecem sistemáticas e disseminadas nas instituições de privação de liberdade do país.

Na contramão dos compromissos assumidos internacionalmente pelo Estado brasileiro ao longo dos anos, 2019 vem sendo marcado pelo desmonte sistemático e um brutal ataque ao Sistema de Prevenção a Tortura nacional.

Primeiro com um esvaziamento do CNPCT quando desprezou a participação social no fomento da política de combate a tortura não empossando a sociedade civil, devidamente eleita em amplo processo de participação como prevê a Lei n° 12.847/2013, retardando ao máximo as designações numa nítida tentativa de desmobilizar o Comitê.

Posteriormente o Governo Federal violou as prerrogativas e cerceou a autonomia e independência do Órgão, ao tentar inviabilizar a realização de inspeção ao Ceará que se apresentava diante de um cenário de evidente violação de direitos humanos e prática de tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanas ou degradantes nas unidades prisionais do estado.

Por fim, desde o começo do ano, o MNPCT vem funcionando com um número reduzido no quadro de peritos, sendo frontalmente atacado pelo Decreto 9.831/19, que exonerou abruptamente todos os peritos que exerciam suas funções legais.

O mês de junho (no dia 26), período em que o mundo inteiro recorda e visibiliza a situação das vítimas do crime de Tortura, o Governo Brasileiro rompe com compromissos internacionais e decreta o fim do Órgão que realiza, de forma autônoma e independente, a escuta das vítimas e seus familiares.

Os Peritos e Peritas do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate a Tortura, no uso de suas atribuições legais, unem esforços ao conjunto da sociedade e da comunidade internacional, na defesa intransigente das vítimas e familiares da tortura, através da garantia do pleno funcionamento de um Sistema de Prevenção Combate a Tortura, autônomo, independente, participativo e inclusivo.

Brasília, 26 de junho de 2019

Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura

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