Intercept: Diálogos inéditos mostram que Dallagnol defendia vazamentos ilegais em defesa da liberdade de imprensa

Tempo de leitura: 5 min
Fernando Frazão/Agência Brasil

#VazaJato Diálogos inéditos: concordamos com Deltan

por Glenn Greenwald, Leandro Demori e Victor Pougy, newsletter do Intercept Brasil

Desde que o Intercept começou a publicar a série de reportagens demonstrando conduta irregular da força-tarefa da Lava Jato e do então juiz – agora ministro – Sergio Moro, os defensores da operação vêm adotando uma postura de criminalização do jornalismo, tendo o próprio ministro se referido ao Intercept como “site aliado a hackers criminosos”.

Essa tentativa de nos colar a criminosos foi denunciada por diversos grupos de defesa da liberdade de imprensa – como o Comitê para a Proteção dos Jornalistas, Repórteres sem Fronteiras e a Abraji –, que emitiram comunicados condenando a estratégia de Moro e das autoridades brasileiras de usar intimidação e ameaças para impedir a realização de nosso trabalho jornalístico.

Hoje, nós decidimos publicar na nossa newsletter alguns trechos inéditos do arquivo da #VazaJato para mostrar como, antes de serem alvos de vazamentos, os procuradores da força-tarefa enfatizavam – em chats privados com seus colegas – que jornalistas têm o direito de publicar materiais obtidos por vias ilegais, e que a publicação desses materiais fortalece a democracia.

Deltan Dallagnol, nominalmente o coordenador da força-tarefa, era com frequência o maior entusiasta dessas garantias.

O apreço de Deltan pela liberdade de imprensa se deve, possivelmente, ao fato de que a Lava Jato se valeu, por anos, de vazamentos de trechos de delações premiadas e outros materiais confidenciais contidos nos autos das investigações como ferramenta de pressão contra políticos e empresários alvos da força-tarefa.

Vejam essa conversa revelada agora pelo TIB: em novembro de 2015, num chat chamado PF-MPF Lava Jato 2, enquanto discutiam medidas para coibir vazamentos de informações da força-tarefa (“alguns vazamentos tem sido muito prejudiciais”), Deltan alertou seus colegas que utilizar o poder processual para investigar jornalistas que tenham publicado material vazado não seria apenas difícil mas “praticamente impossível”, porque “jornalista que vaza não comete crime”.

Deltan estava certo.

A decisão judicial da 2ª Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região diz claramente:

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“o jornalista que divulga trechos de investigação policial que corre em sigilo não comete nenhum crime”.

A decisão diz ainda que

Não se trata, por certo, de pretender punir a pena e a boca que, no exercício de nobre profissão, revelam, mas a mão de quem, detentor de dever de preservação do sigilo de informações, a usa para reduzir a nada a autoridade da decisão judicial e as garantias constitucionais”.

Ou seja: cometem crime os funcionários públicos que vazam informações que deveriam eles mesmos proteger – policiais, procuradores, juízes… – e não os jornalistas que as publicam.

Há cerca de um ano, em maio de 2018, Deltan e seu time redigiram e publicaram um manifesto em defesa das virtudes da liberdade de expressão – elaborado para proteger um dos procuradores. Ele estava sendo ameaçado de punição por ter publicado um artigo com duras críticas à Justiça Eleitoral. Os procuradores criaram um grupo de chat no Telegram – até agora inédito – chamado Liberdade de expressão CF. Durante a redação do manifesto, Deltan ressaltou um ponto crucial para eles à época, e que é central ao trabalho jornalístico que nós estamos realizando sobre as condutas da força-tarefa e de Moro:

17:15:22 Deltan: “Autoridades Públicas estão sujeitas a críticas e tem uma esfera de privacidade menor do que o cidadão que não é pessoa pública.”

O argumento de Deltan é precisamente correto – ainda que para o procurador ele deixe de valer quando a autoridade pública em questão é ele próprio. Curiosamente, o ministro do STF Luiz Fux discorda do Deltan de hoje.

Fux já se pronunciou sobre isso no próprio Supremo:

“Esta Corte entendeu que o cidadão que decide ingressar no serviço público adere ao regime jurídico próprio da Administração Púbica, que prevê a publicidade de todas as informações de interesse da coletividade, dentre elas o valor pago a título de remuneração aos seus servidores. Desse modo, não há falar em violação ao direito líquido e certo do servidor de ter asseguradas a intimidade e a privacidade. In Fux We Trust.”

Cidadãos privados têm direito à privacidade absoluta. Mas aquelas pessoas que detém o poder – como juizes, procuradores e ministros – “estão sujeitas a críticas e tem uma esfera de privacidade menor.” Esse é um princípio no qual acreditamos enfaticamente e que vem norteando nossa reportagem desde que começamos a trabalhar nesse arquivo.

Deltan ofereceu argumento similar em 2016, quando defendeu a decisão de Moro de tornar públicas gravações telefônicas do ex-presidente Lula. Em defesa do então juiz, Deltan argumentou corretamente que o direito à privacidade das autoridades não se sobrepõe ao interesse do público de saber o que aqueles que detém o poder fazem e dizem em situações privadas – isso que ele estava defendendo um juiz que divulgou um grampo ilegal, algo muito mais sério do que a atitude de whistleblowers.

Outros membros da força-tarefa, antes da publicação das reportagens pelo Intercept, compartilhavam do entusiasmo de Deltan pelo vazamento de documentos governamentais secretos que expõem o comportamento das autoridades. Os procuradores expressaram também sua admiração pelos whistleblowers, como Daniel Ellsberg e Edward Snowden, que tornam públicos documentos secretos comprovando irregularidades ou corrupção por parte das autoridades.

Em Janeiro de 2017, os procuradores lamentaram o fato do Brasil ter perdido posições no ranking de percepção da corrupção publicado pela Transparência Internacional, e expressaram admiração pela Dinamarca, que lidera o ranking. Após publicar um link para o ranking num chat no Telegram chamado “BD”, a procuradora Monique Chequer (que não pertence à Lava Jato em Curitiba) explicou que o sucesso dos esforços de combate a corrupção na Dinamarca se devem porque o país – ao contrário do Brasil – valoriza e protege as fontes que expõe corrupção (os whistle-blowers).

08:04:22 Monique https://www.transparency.org/news/feature/corruption_perceptions_index_201

08:05:19 Monique Saiu o índice de percepção da corrupção de 2016. Brasil caiu 3 posições. Aliás, 2/3 dos países caíram de posições. Dinamarca ainda liderando.

08:20:47 Monique É a matéria que saiu ontem.

08:21:39 Aqui

08:25:45 Esse artigo antigo explica o sempre sucesso da Dinamarca e atribui uma das causas ao fato do país incentivar os “whistle-blower”: http://budapesttimes.hu/2013/03/19/why-denmark-always-finishes-on-top/

08:33:49 Livia Tinoco Infelizmente, estamos muito, muito longe do modelo da Dinamarca

08:43:25 Monique “Many companies also make use of so- called “whistle-blower” systems that have become very popular in Denmark”.

08:44:07 Enquanto aqui no Brasil há “complexa” discussão se o delator é imoral ou não.

O artigo elogiado pelos procuradores explica os motivos do sistema político dinamarquês ser tão pouco corrupto. Há nele o seguinte discurso, proferido por um embaixador dinamarquês:

“Na Dinamarca nós temos uma cultura política muito inclusiva, e tanto nossas instituições públicas quanto privadas são altamente transparentes, o que faz com que seja fácil, por exemplo, responsabilizar políticos e empresas por irregularidades cometidas.

A mídia tem um papel fundamental no sistema de integridade na Dinamarca, e é muitas vezes chamada de ‘o quarto poder do estado’, que tem o papel de fiscalizar os outros três, garantindo que eles se comportem da forma correta… Muitas empresas também empregam os chamados “sistemas de whistle-blower”, cada vez mais populares na Dinamarca. Isso significa que, se uma pessoa tem conhecimento de algum tipo de corrupção ou desvios éticos que acredita que devem ser tornados públicos, essa pessoa pode denunciar isso – inclusive de forma anônima.”

Nós concordamos em absoluto com os princípios defendidos, em ambientes privados no Telegram, por Deltan e seus colegas: jornalistas não cometem crimes ao apurar e publicar reportagens baseadas em informações obtidas ilegalmente, mas sim contribuem para o fortalecimento das instituições e da cultura democrática; aqueles que detêm poder público sacrificam sua privacidade em nome da transparência; e a ação dos whistleblowers (o vazamento ilegal de informações demonstrando corrupção por parte de autoridades) é de importância vital para o bom funcionamento das instituições. São esses os princípios que norteiam o trabalho do Intercept e nossas reportagens sobre esse arquivo (leia nosso editorial e entenda).

Não importa o que Deltan, Moro e seus colegas digam sobre isso hoje. Eles estão apenas virando a mesa para defender seus próprios interesses. Isso não anula ou diminui a validade dos princípios fundamentais nos quais acreditamos – os mesmo que eles, hoje, querem destruir.

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Comentários

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Thiago

https://www.brasil247.com/blog/stf-tem-a-chance-de-honrar-a-memoria-de-teori

Gustavo Conde
Gustavo Conde é linguista, músico e apresentador da Live do Conde

STF tem a chance de honrar a memória de Teori
“Visto como obstáculo pela Lava Jato e morto em circunstâncias até hoje não esclarecidas, Teori Zavascki, incomodava Sergio Moro particularmente por repreendê-lo pela quebra ilegal do sigilo da presidência da República”, diz o colunista Gustavo Conde. “Talvez, nunca antes, na história do poder judiciário, uma Suprema Corte tenha se curvado tanto a um juiz de primeira instância”

23 de junho de 2019, 08:51 h Atualizado em 23 de junho de 2019, 09:35
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A morte de Teori Zavaski

Por Gustavo Conde, para os Jornalistas Pela Democracia – Assim como a própria Lava Jato, a reportagem do The Intercept sobre a Lava Jato tem fases. E a fase atual é a da ‘parceria’. Repórteres do site liderado por Glenn Greenwald consideram o lote de troca de mensagens entre procuradores e juiz um ‘bem público’ e, portanto, pertencente ao universo da informação brasileiro.

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Na presente fase, a reportagem traz mais algumas informações sensíveis do submundo judicial brasileiro. Entre falsos filigranas e conluios explícitos, a troca de mensagens entre Moro e Dallagnol continua assombrando pela não cerimônia promíscua entre juízo e Ministério Público.

O grande escândalo que a reportagem mostrou e continua mostrando é, a rigor, a mesma: a intimidade técnica, política, semântica e conceitual entre duas partes que jamais poderiam ostentar tal casamento em comunhão de delitos.

No lote compartilhado com o jornal Folha de S. Paulo, no entanto, há um detalhe sórdido a mais: a menção a Teori Zavascki, ministro do Supremo Tribunal Federal, responsável pela Lava Jato naquela corte, enseja preocupações adicionais com o nível de conspiração presente na Operação.

Visto como obstáculo pela Lava Jato e morto em circunstâncias até hoje não esclarecidas, Teori Zavascki, incomodava Sergio Moro particularmente por repreendê-lo pela quebra ilegal do sigilo da presidência da República – o episódio do vazamento para o Jornal Nacional da Rede Globo em que uma ligação, protegida pela Constituição Federal, entre o ex-presidente Lula e a então presidenta Dilma Rousseff, foi oferecida covardemente como “prova” de autofavorecimento a Lula – e que bloqueou a nomeação do ex-presidente como ministro-chefe da Casa Civil.

Ao se referir a Teori nas mensagens divulgadas pelo The Intercept / Folha de S. Paulo, Moro diz a Dallagnol: “é melhor não nos metermos nisso”.

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O contexto é a manifestação contra o ministro convocada pelo MBL (Movimento Brasil Livre). Àquele momento, Teori aparecia como um ‘empecilho’ à Lava Jato, justamente porque o ministro do STF era rigoroso e trabalhava para fazer valer a Constituição.

Dentre tantas coisas que Moro e Dalagnol temiam com relação a Teori Zavascki, a mais relevante para os conspiradores era a possibilidade quase certa – haja vista o protocolo legal acerca do foro privilegiado – de Teori desmembrar a Lava Jato para dar conta das condições específicas de cada um dos acusados.

Na turbulenta relação entre STF e Lava Jato, não raro o primeiro se submetendo à segunda (sendo o grande foco de acovardamento da corte suprema), fica patente pelas mensagens e, sobretudo, pelo tom das mensagens, que Moro e Dallagnol operavam livremente para acossar Teori Zavascki, omitindo-se de sua defesa institucional e deixando-o sangrar às movimentações bestializadas e patrocinadas do MBL: “é melhor não nos metermos nisso”.

É muito bem-vinda a conexão destes presentes vazamentos com o “In Fux we trust”. Ou seja: “In Teori, we not trust”.

Seria escandaloso se não fosse de conhecimento público e notório.

A fase da reportagem sobre o submundo da Lava Jato, no entanto, tenta, na nova parceria com a Folha de S. Paulo, apimentar a repercussão. Nesse ponto, é interessante destacar que há duas peças fundamentais no quebra-cabeça jornalístico:

1) a autenticidade das mensagens está confirmada por fontes independentes;

2) Moro costumava esconder do STF casos de foro, deixando de fora os materiais a poderiam fazer os processos subir.

Ficou mais uma vez comprovado, portanto, que não existiu respeito às partes. Tratava se de uma única força, com envolvimento de vários atores: Polícia Federal, Ministério Público e Conselho Nacional de Justiça. Vários tentáculos iam sendo armados dentro das instituições para afrontar o STF, deixando impunes seus manipuladores – que tinham a cumplicidade da imprensa corporativa, inclusive da própria Folha de S. Paulo que, hoje, apresenta-se como neófita.

A reportagem do The Intercept está longe de terminar e as pressões de praxe que grassam nos interstícios do Poder Judiciário viciado brasileiro tampouco.

O Brasil estar mais uma vez na mão de vazamentos editorializados talvez não seja a excelente notícia que parece ser.

O que fica patente, no entanto, nesta fase da “Operação The Intercept” é que Teori Zavascki se mexe no túmulo da justiça brasileira.

Diante de tanta conspiração, violência judicial e conluios múltiplos entre mídia, Juízo e Ministério Público, resta mais uma vez a já conhecida expectativa frustrada de o STF recolocar alguns pingos nos is.

Cada vez mais, no entanto, fica a impressão de que decorativo mesmo não era Michel Temer, tampouco Bolsonaro, esta força esplendorosa da estupidez aplicada.

Decorativo de verdade foi o STF, que assistiu inerte a coreografia da Lava Jato.

Talvez, nunca antes, na história do poder judiciário, uma Suprema Corte tenha se curvado tanto a um juiz de primeira instância.

A reportagem do The Intercept e da Folha de S. Paulo seria a oportunidade única para que esta corte buscasse se redimir e se reencontrar com a Constituição.

Resta saber em que nível está o covardômetro ali instalado.

Herbert

Azenha,
Com isso, o ex-juiz Sérgio Moro vai ganhando tempo e até agora nada indica num horizonte próximo que ele sairá do governo. Infelizmente ele ainda parece ter muita força, mesmo não sendo mais juiz, e ainda desfruta de muito apoio de vários segmentos da sociedade brasileira; por isso mesmo a sua queda ainda não se concretizou.

Zé Maria

https://twitter.com/ggreenwald/status/1142409755266363392

Gregorio Duvivier explica Sergio Moro
com Humor inteligente, como de praxe:

https://youtu.be/9vvuN0HGSI8

Zé Maria

“Cometem crime os funcionários públicos
que vazam informações que deveriam
eles mesmos proteger – policiais, procuradores,
juízes… – e não os jornalistas que as publicam.”

Essa é a Verdade estampada na Legislação Brasileira,
principalmente na Constituição Federal do Brasil,
e na Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal,
a quem o Juiz Sergio Moro ofendeu
quando interceptou e vazou ilegalmente,
aí sim, para o Jornal Nacional da TV Globo,
as conversas telefônicas sigilosas da então
Presidente da República Dilma Rousseff.

A cada dia que passa fica mais comprovado
que a Operação Lava Jato no Paraná foi
conduzida por uma Força-Tarefa de Patifes
sob Orientação, Direção e Comando do juiz
Moro.

    Zé Maria

    https://pbs.twimg.com/media/D9r8VS1W4AEw1wg.png
    https://pbs.twimg.com/media/D9r8VSfWkAEH8dc.png

    Os próprios Patifes defendiam os Jornalistas
    que recebiam vazamentos da PF, do MPF e
    do juiz Sergio Moro, em nome da ‘Transparência’
    Nesses casos valia. E agora? Não vale mais?

    https://twitter.com/DeputadoFederal/status/1142503036675399680

    Carlos

    Se isto é jornalismo, então, mostra uma grande verdade, o Brasil precisava de pessoas que enfrentassem com coragem e astúcia a maior corrupção praticada nos últimos 50 anos por políticos ,que se diziam defensores do pobres, neste país. Fizeram bem em usar de novas armas para enfrentar esses politicos que destruiram o Brasil. Graças a Deus que há Homens de coragem e que nos trouxeram o orgulho de ser brasileiros. Hoje a nossa nova luta é contra esse nivel de informação que querem transformar esses políticos bandidos e corruptos em heróis, visando acabar de destruir o que sobrou de seriedade em nosso país.
    Para essas reportagens perniciosas pouco importa o quanto esses políticos e esses ex-presidentes destruiram uma nação, afinal isso não é problema pra eles, o que importa nestes vazamentos ( que ninguém sabe a veracidade) é favorecer o grupo politico que foi destituído, por qual razão? Expliquem-se! Mas parece óbvia. Perda de espaço e querer impedir o Brasil de ser grande, mas isso 57 milhões de eleitores não vão admitir.

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