Celso Amorim: O significado das novas lideranças mundiais

Tempo de leitura: 3 min

por Celso Amorim, em CartaCapital

A assembleia-geral das Nações Unidas referendou a escolha de Ban-Ki-Moon, indicado pelo Conselho de Segurança, para mais um período de cinco anos como secretário-geral. E  na terça-feira 28, a ministra das Finanças da França, Christine Lagarde, foi designada para o cargo de diretora-gerente do FMI. Numa época em que se

fala tanto de governança global e das mudanças necessárias para adequá-la aos novos tempos, o que os dois casos significam?

Comecemos pela ONU: Ban-Ki-Moon é um homem discreto, de fala mansa e gestos medidos. No seu primeiro mandato, evitou entrar em polêmicas, preferindo dedicar sua energia a temas como clima, combate a pandemias ou outros em que objetivos gerais podem ser definidos, em tese, como consensuais. Buscou mais a exortação do que a participação em negociações complexas. Reeleito, poderá ser mais afirmativo. Mas as dificuldades que enfrentará não são poucas. Independentemente de suas qualidades humanas, vem de um país hoje mais próximo do Primeiro Mundo do que das nações emergentes, para não falar das subdesenvolvidas. Além disso, a Coreia do Sul depende do apoio militar dos Estados Unidos para a sua própria sobrevivência, diante da ameaça dos pobres, mas nuclearizados norte-coreanos. Por mais bem-intencionado que possa ser, Ban-Ki-Moon terá de enfrentar condições objetivas pouco favoráveis.

Durante a Guerra Fria, soviéticos e norte-americanos tinham de se pôr de acordo sobre a escolha do mais alto funcionário internacional. No caso mais notório, Moscou apoiou Kurt Waldheim — porque detinha informações sobre o seu passado nazista. Naquela época de constantes tensões, que facilmente poderiam desembocar em um conflito apocalíptico, saber que o secretário-geral “andaria na linha” era essencial para as duas superpotências. Em tempos de unipolaridade consentida, após a queda do Muro de Berlim, passou a bastar que a escolha não recaísse em alguém abertamente crítico de Moscou ou Pequim. O poder para fazer e desfazer secretários-gerais ficou exclusivamente com Washington. O episódio da não reeleição de Boutros-Ghali foi emblemático. O ex-vice-premier egípcio não tinha uma agenda muito diversa daquela pregada pelos Estados Unidos. Suas iniciativas, no plano estratégico, eram perfeitamente compatíveis com a visão do governo Clinton sobre o que se chamava, então, de multilateralismo afirmativo (assertive multilateralism). Prezava, porém, a autonomia de ação e não estava disposto a abdicar do seu julgamento no plano tático. Algumas de suas atitudes desagradaram à única superpotência que restara. Sua insistência na cautela e no papel da ONU na autorização do emprego da força em relação à antiga Iugoslávia e, sobretudo, sua sinceridade ao responsabilizar as Forças de Segurança de Israel pelo bombardeio que atingiu o escritório da ONU em Qana, no Líbano, levaram o governo norte-americano a retirar-lhe o apoio, sem o qual não conseguiu ser reconduzido.

Kofi Annan, sucessor de Boutros e que tinha inicialmente a simpatia de Washington, procurou compensar com o seu carisma pessoal e sua personalidade indiscutivelmente do Terceiro Mundo a falta de uma base política mais ampla. Revelou certo grau de independência em temas como Palestina e Iraque. Suas iniciativas se faziam dentro de limites de certa forma “permitidos”. Ainda assim, já no fim do mandato, uma campanha de difamação foi desencadeada contra ele. A questão que se coloca agora é se Ban-Ki-Moon conseguirá exercer a liderança crítica que Annan pôde por vezes demonstrar. Conseguirá ser uma voz discordante, ainda que moderada, quando necessário? Terá disposição de assumir as rédeas — do processo de reforma do Conselho de Segurança, sem o qual a ONU inevitavelmente perderá legitimidade e eficácia?  Ou assistirá, calado, à extrapolação dos mandatos desse mesmo conselho, como tem ocorrido no caso da Líbia? Reverter o panorama sombrio de confusão política e moral, marcado pela atitude de dois pesos e duas medidas e no qual considerações eleitorais de curto prazo prevalecem sobre a busca efetiva do equilíbrio e da justiça, exigirá do secretário-geral, além de discernimento e habilidade diplomática, coragem e independência de julgamento.

Quanto ao FMI, é preferível remeter o leitor a um editorial do Herald Tribune de 21 de junho, que, além de relembrar a questão da representatividade, notadamente o peso dos BRICS, chama a atenção para a situação bizarra de que o principal candidato (no caso, candidata) ao posto máximo seja justamente a ministra das Finanças de um dos países europeus que impuseram a receita para a crise grega, de consequências desastrosas. Diante de um cenário desse tipo, a discussão sobre a reforma da governança global corre o risco de tornar-se um exercício retórico.

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Comentários

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benedita da silva

Faz tempo que a ONU e o FMI são instrumentos de domínio dos USA e, agora, utilizados escancaradamente, sem qualquer respeito e pudor, pelo neoliberalismo. Vide invasão da Líbia e destruição da Grécia.

Maria Dirce

Não sei como um homem desse não é presidente do Brasil, com tanta tranqueira que tem por ai

Tácio Nunes

Com certeza, Celso Amorim para presidente. Volta Amorim.

augusto

sr. Celso, eu sei que o sr é um cara educado, mesmo sem os ' punhos de renda', e nao vai dizer cositas pouco diplomaticas aqui agora, mas precisava de tudo isso só pra dizer que Ban ki moon é pendulo que oscila entre o banana nanica e a biruta-de-aeroporto?

Eugênio

Vai ser sóbrio e racional assim lá no raio que me parta!! Te amo Celso Amorim!! Você é DEMAIS!!! Dico com sua última frase "Diante de um cenário desse tipo, a discussão sobre a reforma da governança global corre o risco de tornar-se um exercício retórico."

O resto é creme chantilly para enfeitar a receita.

Fabio_Passos

Qual o significado?

Infelizmente estas instituições não representam um mundo multipolar que já é realidade concreta

Já passou da hora de dizer não a simples lacaios dos interesses ianques e das oligarquias financeiras que mergulharam o mundo na crise.

Hudson Luiz

O verdadeiro legado de Itamar

Embora o falecido Senador Itamar Franco, até onde sei, não tenha usado da atividade política para acumular bens, sua característica marcante sempre foi uma mescla de pusilanimidade e intempestividade que acabava se desdobrando em incoerência, indecisão, teimosia e incompetência. Essas características, obviamente, mais lhe atrapalharam do que ajudaram nas horas cruciais de sua carreira política: quando assumiu a presidência da Republica após a queda de Collor e quando se elegeu governador de Minas Gerais.
Leia a íntegra deste e outros textos no: http://www.dissolvendo-no-ar.blogspot.com

Julio Silveira

Tem brasileiro que faz a diferença neste país, como o Celso Amorim, uma das boas coisas do governo Lula que a Dilma resolveu não querer em seu governo, dando preferencia a um insipido Chanceler, outro no é o Juiz De Sanctis que a justiça resolveu punir, como o Del. Protogenes que a PF resolveu perseguir por querer desvendar coisas proibidas que remexem no status quo dos governos, o do ex presidente Lula inclusive. Desvendar o formato dos financiamentos das campanhas isso não será permitido, nem que se expurgue para longe outro bom brasileiro empenhado e teimoso em fazer as coisas certas, o Del Paulo Lacerda.
Para quem das as cartas nas instituições do Brasil ser correto e amar o País não é a primeira credencial, ser fiel aos interesses e saber ser cumplice sim.

Elisabeth

Que saudade do Celso Amorim! Volta Amorim!!!rsrs Ele sabe como se mexe as peças de xadrez na política mundial! Se perceber bem, o Celso Amorim é um dos responsaveis em trasformar os Brics num bloco de protagonistas politicos não só um bloco economicos!

José Carlos JC

Ah, meu mundo, vasto mundo…Por que?

Uélintom

Hehehe… dureza foi é ouvir o grande-hiper-mega-ultra-imortal Merval Pereira dizer que Ban-Ki-Moon era um rapaz bonzinho, que fazia tudo o que os EUA e a UE mandavam, não tinha personalidade prórpria, em outras palavras, um excelente capacho, e que por isso esta sendo novamente escolhido para a ONU. Bicho, eu bêbado tenho opiniões mais interessantes que as desse cara.

P A U L O P.

Caro Azenha, desculpe, fora de tema, mas não tanto.

O vídeo a seguir mostra, entre outras coisas, que os europeus estão jogando, há muito, tempo rejeitos tóxicos e radioativos em águas africanas, principalmente as pertencentes a Somália.
http://vimeo.com/18915020

Muito grato.

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