Marcelo Zero: Com a diplomacia brasileira em transe, capitão terá só 20 minutos com o novo messias
Tempo de leitura: 4 minDiplomacia em Transe
por Marcelo Zero
Bolsonaro parte para Washington com a diplomacia brasileira em transe político, administrativo e místico. Principalmente místico.
Entenda-se. O vibrante chanceler pré-iluminista é um ser espiritual. É desapegado de valores materiais. Afirmou recentemente que o Brasil não pode renunciar a sua alma e a seus valores para vender soja e minérios.
Supomos que o chanceler tenha experimento tal epifania após contemplar, em êxtase místico, o exemplo supremo do novo messias do Ocidente, o santo Trump.
Como se sabe, o novo messias do Ocidente está em santa cruzada contra a China, a Rússia, os países islâmicos e outras nações malignas que ameaçam os valores da cristandade e a alma do mundo ocidental.
Evidentemente, tal cruzada não tem relação alguma com disputas geoeconômicas e geopolíticas.
Trata-se de embate que se processa no diáfano campo cultural e metafísico, independentemente de grosseiras e banais motivações materiais, como às relativas à economia, ao comércio e à realpolitik das relações internacionais.
Assim, a ofensiva de Trump contra a China, por exemplo, não teria relação com o espaço cada vez maior que esse país vem ocupando na economia e no comércio mundiais, mas sim com a desinteressada defesa da alma ocidental.
Da mesma forma, a ofensiva do messias do Ocidente contra a Venezuela é piedosa intervenção humanitária, totalmente desvinculada do odor de enxofre emanado da maior jazida de petróleo do mundo.
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Porém, em intervalo racional de seu êxtase místico, o chanceler templário nos deu razões materiais, mundanas, para que o Brasil alinhe-se, de forma automática, aos interesses desinteressados do novo messias.
Segundo ele, o Brasil teria de alinhar-se aos EUA de Trump porque, entre o início do século XX e meados da década de 70, o nosso país teria crescido muito devido a uma associação estreita com os EUA.
Bom, é provável que tal tese tenha lhe vindo de eflúvios místicos insondáveis e não verificáveis, mas os mundanos e vulgares dados da realidade empírica não dão suporte à hipótese que preenche a sua alma ocidental.
No gráfico abaixo estão os dados oficiais sobre os destinos das nossas exportações, entre 1901 e 2006. Como se nota, a participação percentual dos EUA nesse fluxo só tem grande destaque em dois períodos: o da Primeira Guerra Mundial, por motivos óbvios, e o compreendido entre a Segunda Guerra Mundial e meados da década de 1960, quando a Europa ainda se recuperava do grave conflito interno.
Do início do século XX até a Segunda Guerra Mundial, excetuado o breve período da Primeira Guerra, a Europa tem importância comercial e econômica bem maior para o Brasil. Já no período compreendido entre meados da década de 1960 até 2006, a Europa retoma uma ligeira prevalência, em relação aos EUA, e outras regiões começam a adquirir importância, como a América do Sul e a Ásia.
Fonte: MDIC. Elaboração própria
Quanto aos investimentos, o estoque de investimentos diretos dos EUA no Brasil só se igualou ao estoque de investimentos britânicos, desconsiderados todos os outros países, portanto, após a Segunda Guerra Mundial. Ademais, na década de 50 e 60 e 70, os investimentos mais importantes foram os públicos, feitos por estatais e o BNDES.
O que a história e os mundanos dados empíricos dizem é que o Brasil se sai melhor quando diversifica suas parcerias e não aposta suas fichas em um só país. Além de permitir maior lucro material, a diversificação contribui para fator imaterial de enormes consequências práticas: a ampliação da autonomia e da soberania. Ou, colocando a questão em termos que agradariam ao chanceler pré-iluminista, para tornar a alma brasileira mais leve e livre.
O exemplo de países que apostaram numa relação privilegiada com os EUA, como o México, não é bom. A alma mexicana, tão longe de Deus e tão perto dos EUA, hoje sofre com 50% da sua população abaixo da linha da pobreza e se sente aprisionada pelo muro que o novo messias do Ocidente quer construir.
Ainda assim, nosso cordato capitão e seu chanceler insistem, contrariando os interesses objetivos do Brasil, em aliar-se aos EUA de Trump, em sua cruzada contra um mundo multipolar que desafie a alma ocidental.
Dessa forma, renunciaremos aos prazeres terrenos dos superávits comerciais, da diversificação dos investimentos, da cooperação múltipla e da presença ampla e autônoma nos foros mundiais, em troca de um modesto lugar nas hostes espirituais do novo messias.
Contudo, mesmo esse modesto lugar não está assegurado. Como dizia o grande filósofo de Pau Grande, Garrincha, muito mais importante para a alma nacional que o astrólogo de Richmond, será necessário combinar com os russos, que, nesse caso, são norte-americanos.
Trump, muito influenciado por Samuel P. Huntington, o humanista autor de “O Choque de Civilizações”, não considera as almas latino-americanas como partícipes da civilização ocidental, restrita geograficamente à America do Norte e à Europa.
Nós, brasileiros, pertenceríamos à civilização latino-americana, uma subdivisão inferior da ocidental. Nossas almas e as de nossos vizinhos não estariam incluídas no Ocidente. Por isso, o novo messias constrói o muro para impedir de entrar no paraíso os corpos latinos que as carregam.
O novo messias também está muito empenhado em proteger seu paraíso espiritual de bens e serviços terrenos provenientes de todos os países, inclusive o Brasil, que já sofreu com barreiras contra o aço, alumínio e outros produtos.
Em troca, o Brasil altruísta do chanceler piedoso deverá oferecer aos EUA cotas sem tarifas para o trigo americano, prejudicando o MERCOSUL, bem como a entrada sem vistos para cidadãos norte-americanos, sem esperar reciprocidade das almas superiores.
Será, pois, tarefa difícil o Brasil conquistar um lugar de destaque nas legiões metafísicas do novo messias protecionista, nos parcos 20 minutos que foram reservados ao capitão em sua próxima viagem aos EUA. Provavelmente, o chanceler espiritual voltará de lá apenas com corriqueiras conquistas terrenas, como a concessão da Base de Alcântara para os EUA.
Tarefa ainda mais difícil, um trabalho de Sísifo, será assear a imagem de Bolsonaro no exterior. O Itamaraty, mesmo com seu corpo técnico muito competente, não terá condições de competir com a avalanche enlameada de twitters do clã, um Brumadinho político.
A julgar pela estratégia estulta exibida em Genebra no caso de Jean Wyllys, o tiro sairá pela culatra.
Nesse caso, a Casa de Rio Branco é que terá a sua imagem muito afetada. A manifestação da nossa delegação em Genebra, mencionando o traje vermelho de Jean Wyllys, foi, talvez, a mais baixa e beócia da história do Itamaraty. É o que dá quando se subverte a hierarquia e o bom senso.
O desastre poderá ser ampliado com a nomeação de lobistas para substituir embaixadores de carreira em postos chave.
É triste ver a outrora sisuda Casa de Rio Branco ser conduzida por gente que parece ter sido transverberada, em êxtase místico, pela flecha da idiotia. Mais triste ainda é constatar que quem se alinha à alma alheia já perdeu a sua.
Comentários
Jardel
Tenho certeza que o Bozo irá conseguir parcerias com Trump, numa relação toma lá e toma lá.
Como disse o Tonico Pereira, é bom levar a vaselina.
Enquanto isso o povo politicamente ignorante que votou nesses energúmenos, já percebeu a merda que fez e, segue calado.
Os EUA poderão usar a Base de Alcântara e, o Brasil não receberá nada em troca. Apenas a “simpatia” dos imperadores.
Os estadunidenses terão visto livre para entrar no Brasil, enquanto os brasileiros seguem precisando cumprir várias exigências economicamente seletivas e, como se não bastasse, ainda se humilhar nos aeroportos, quando não são sumariamente presos e têm o visto rejeitado.
Chupa, coxinha!
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