Carteirada de Paulo Guedes choca senadores na véspera do reajuste do STF: “Prensa em mim ninguém dá”, diz Eunício
Tempo de leitura: 5 minEXCLUSIVO: Como foi a conversa com Paulo Guedes que chocou senadores na véspera do reajuste do STF
“Prensa em mim ninguém dá”, disse o presidente do Senado, Eunício Oliveira (MDB-CE), ao BuzzFeed News. Segundo ele, Bolsonaro não tem interlocutor no Congresso.
por Severino Motta, repórter do BuzzFeed News, Brasil
Na véspera do Senado aprovar o reajuste da cúpula do Judiciário, o futuro superministro da Economia, Paulo Guedes, teve uma conversa em tom ríspido com o presidente do Congresso, Eunício Oliveira (MDB-CE), numa sala do Senado, na última terça (6).
O papo começou ameno, mas rapidamente evoluiu com uma carteirada do homem forte do governo Bolsonaro, conforme o relato do presidente do Senado.
A conversa foi testemunhada pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) e pelo senador Fernando Bezerra (MDB-PE).
“Se o sr. acha que vai ser tumultuado ano que vem, imagina como vai ser esse ano. O que eu puder fazer para ajudar, estou pronto…”, disse Eunício ao BuzzFeed News, narrando ter deixado a porta aberta para propostas de interesse do futuro governo, que só toma posse em janeiro.
“Ele olhou para mim e disse que orçamento não é importante, importante é aprovar Reforma da Previdência”, contou o presidente da Casa.
Eunício conta ter lembrado que aprovação do Orçamento é pré-requisito para o recesso parlamentar, estabelecido pela Constituição.
“Ele me disse: ‘vocês não aprovam orçamento, orçamento eu não quero que aprove não’. Mas não é o senhor querer, a Constituição diz que só podemos sair em recesso após a aprovação.”
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Pela reconstituição de Eunício, Guedes o teria cortado: “‘Não, eu só quero Reforma da Previdência. Se vocês não fizerem, vou culpar esse governo, vou culpar esse Congresso e o PT volta, e vocês vão ser responsáveis pela volta do PT.”
O presidente do Senado relata ter lembrado ao futuro ministro que votação de Proposta de Emenda Constitucional só pode ser votada depois que o Executivo encerrar a intervenção federal no Rio.
Pelo relato de Eunício, Paulo Guedes teria insistido com a história do PT voltar se a Reforma da Previdência não passasse.
Segundo ele, Paulo Guedes subiu a aposta na conversa:
“[Ele me disse:] ‘se vocês não aprovarem tudo aquilo que nós queremos esse ano o PT volta. Se aprovar a reforma o Brasil vai crescer a 6%, se não aprovar o Brasil não vai crescer, eu vou culpar vocês’”, contou.
“Democracia é o melhor regime para se viver no mundo, mas ela é complicada mesmo, é difícil, ministro”, respondeu o emedebista.
Eunício não se reelegeu em outubro, mas até 31 de janeiro continua no comando do Senado, com o poder de determinar a pauta do que vai à votação no plenário.
“Então eu vi a Raquel Dodge lá na frente e saí para conversar com ela e ele seguiu conversando com o Fernando Bezerra (MDB-PE), que saiu de lá horrorizado”, afirmou.
A conversa aconteceu numa sala do Senado, minutos antes das autoridades seguirem para a sessão solene de 30 anos da Constituição.
A solenidade teve a as presenças dos chefes dos três Poderes e o presidente eleito, Jair Bolsonaro.
“Quero que acerte 150%, no que eu tenho prazo para contribuir vou contribuir, e não é com ele, é com o país e com a população que escolheu ele. Seja feita a vontade da população, pois é assim o mandamento democrático”, disse o presidente do Senado.
Mas, segundo Eunício, o clima ruim tem de ser desfeito por quem vai assumir o governo: “Quero ajudar, mas não vou bater na porta de novo, toc, toc, toc, para dizer que aqui está o presidente do Poder Legislativo e perguntar o que quer que vote.”
A “prensa” de Guedes
O mal-estar aumentou depois da solenidade, quando Guedes disse aos jornalistas que a população tinha de dar uma “prensa” no Senado para votar a Previdência.
“E ele foi lá para a porta (do Ministério da Fazenda) e disse que tem que dar uma prensa. Eu digo que aqui ninguém dá prensa. Aqui você convence, discute, ganha perde, agora prensa ninguém vai dar em mim”, afirmou.
Na leitura de Eunício e senadores próximos, ao falar em “prensa”, o ministro que ainda nem tomou posse estava querendo atropelar o Poder Legislativo, que é independente.
“Enquanto eu for presidente ninguém diz aqui o que vamos fazer, quem diz aqui é o dedinho de cada um, que pode votar não, sim ou abstenção”, disse.
Indagado se Paulo Guedes foi “arrogante”, Eunício foi lacônico: “Tire suas deduções”
Em seguida, completou: “Eu não vou me pronunciar sobre vontade alheia, eu vou fazer a vontade da maioria do Congresso. Não tenho nenhum interesse de criar qualquer problema futuro para o presidente da República.”
Na quarta-feira, dia seguinte, 41 dedinhos apertaram o botão de sim ao projeto que reajusta em 16% os salários dos ministros do Supremo Tribunal Federal, incluído na pauta naquele mesmo dia pelo presidente do Senado.
Só 16 senadores foram contra e um se absteve. Outros 12 senadores nem apareceram no plenário.
O efeito cascata sobre todo o funcionalismo deverá elevar o custo do reajuste para R$ 5 bilhões, debilitando ainda mais os caixas da União e dos Estados.
Bolsonaro e Paulo Guedes criticaram o impacto do aumento nas contas públicas em entrevistas, apoiadores esbravejaram em redes sociais, mas a desarticulação do futuro governo foi tão evidente que expoentes do bolsonarismo deram sua cota de contribuição para o reajuste.
“Vou só dizer o seguinte: não sei como eles estão fazendo, mas não aceito o Magno Malta (PR-ES) de manhã fazer discurso esculhambando a recomposição salarial dos magistrados, que troca o auxílio-moradia por salário, mas de tarde não vai votar. E mais oito que se dizem bolsonaristas não votaram, e eu sou culpado por isso?”, disse o presidente do Senado.
“Honestamente, você acha que o Onyx Lorenzoni é interlocutor com o Senado? Ele não é interlocutor com a Câmara”, estocou o senador do MDB.
“Esse povo que vem aí não é da política, é da rede social”, completou.
Horas antes da votação do reajuste do STF, um tuíte do deputado eleito Luís Philippe de Orleans e Bragança (PSL), um dos herdeiros da antiga família imperial brasileira, ajudou a engrossar o caldo da balbúrdia.
Orleans e Bragança chamou Eunício de “pato manco”, gíria do mundo político americano para político que não conseguiu se reeleger mas ainda continua no cargo, e acusou-o de criar pautas-bombas para prejudicar o próximo governo.
“Apareceu um bobinho aí, Orleans e Bragança, monarquista nesse Brasil, dizendo que sou pato manco. Pato manco é quando tem outro para botar no lugar. Eu não tenho ninguém eleito e posso até influenciar na eleição do próximo presidente [do Senado]. Até dia 31 de janeiro, quando termina meu mandato, não tem outro presidente eleito. Ele está ainda no Império, nós estamos numa democracia”, disse o senador.
“O regime é democrático, pelo voto, e eu não quero fazer pauta bomba, mas não vou fazer pauta que ninguém me pediu, que ninguém solicitou”, completou.
A outra bola nas costas
O aumento do STF com seu bilionário efeito cascata não foi a única bola nas costas que o presidente eleito tomou no Senado esta semana.
No dia seguinte, quinta (8), o Senado aprovou outra lapada no caixa da União: a chamada Agenda 2030, como ficou conhecido o projeto do novo regime automotivo do país.
A renúncia fiscal em favor das montadoras – dinheiro que deixa de ser arrecadado com impostos – deve custar R$ 2 bilhões por ano.
A proposta passou pelo Senado em apenas 22 minutos e foi sancionada uma hora depois por Michel Temer. Novamente, Paulo Guedes reclamou da medida aprovada pelos senadores.
Eunício recusa a pecha de patrocinador de pauta bomba e lembra que o novo regime automotivo tinha sido aprovado pela Câmara em regime de urgência.
“Chamaram de pauta bomba, mas a Câmara aprovou e pediu urgência para aprovar a questão do setor automotivo. E meu Estado nem tem fábrica. Nem procurado por eles eu fui. E aquilo reduz em 40% o incentivo [das montadoras] para frente”, defendeu-se
Segundo ele, o percentual citado de 40% é uma estimativa da redução da renúncia fiscal que atualmente é concedida ao setor automobilístico.
“Ninguém vai me impedir ou me inibir de fazer a pauta, de dar sequência à pauta do Congresso, que é um Poder”, declarou.
E comparou: “Tal como eu não digo o que o STF pauta ou o que o Executivo manda para o Congresso, ninguém vai me dizer o que eu pauto primeiro ou segundo.”
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