Editora-chefe da Deutsche Welle: Daqui para a frente, o Brasil navega no escuro

Tempo de leitura: 3 min
Charge publicada pelo diário holandês Volkskrant

Opinião: Brasil mergulha na escuridão

Vitória de Jair Bolsonaro ameaça levar o país de volta a um dos capítulos mais sombrios de sua história. Ele terá quatro anos para provar seu real compromisso com valores democráticos, opina editora-chefe da DW Brasil.

por Francis França, de Bonn

O inconcebível aconteceu. O candidato da direita autoritária e ultraconservadora Jair Bolsonaro foi eleito presidente do Brasil.

Após cinco anos de crise política, econômica, escândalos de corrupção e um clima político tóxico, 58 milhões de brasileiros depositaram seu voto no capitão reformado do Exército pelo desejo de mudança.

Qualquer mudança, a qualquer preço.

A imensa rejeição ao PT, que governou o país entre 2003 e 2016, misturada a medos infundados de uma ameaça comunista – fórmula infalível que já havia garantido apoio popular a duas ditaduras no Brasil, nas décadas de 30 e 60 – e a desinformação perpetrada por uma onda avassaladora de notícias falsas garantiram a vitória de Bolsonaro por ampla vantagem.

No fim das contas, #PTnão foi mais forte do que #elenão.

Dezenas de milhões de pessoas estão celebrando a derrota de Fernando Haddad e, por extensão, do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que está preso há seis meses por corrupção e lavagem de dinheiro e foi proibido pela Justiça de se candidatar ou participar da campanha eleitoral.

A vitória dos eleitores de Bolsonaro, porém, começa e termina com o resultado da eleição.

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Daqui para frente, o Brasil navega no escuro.

Não há como saber o que Bolsonaro realmente fará, porque ele se recusou a ir a debates, concedeu entrevistas apenas a jornalistas amigos e construiu seu plano de governo – tosco, em parte inconstitucional e por vezes delirante – baseado em premissas simplesmente falsas.

Até agora, tudo o que o presidente eleito fez foi disseminar ódio contra seus oponentes e dizer que vai mudar “tudo isso aí”.

O que se sabe de Bolsonaro é o que ele tem demonstrado ao longo de seus quase 30 anos de vida pública: glorificação do regime militar brasileiro e dos crimes de tortura cometidos pelo Estado, admiração por ditadores e desprezo por minorias e valores democráticos como direitos humanos, liberdade de imprensa e independência da Justiça.

O presidente eleito não confia no sistema eleitoral e menospreza o valor do voto.

Também se sabe que Bolsonaro não está em boa companhia.

Entre seus apoiadores estão o ex-estrategista de Trump Steve Bannon e David Duke, ex-líder do Ku Klux Klan – já Marine Le Pen considera as declarações de Bolsonaro “desagradáveis”.

Ao longo da campanha, Bolsonaro atacou indígenas, afrodescendentes, LGBTs, feministas e a imprensa.

Dias antes do segundo turno, ameaçou prender, banir e até assassinar opositores, prometeu uma “limpeza nunca antes vista” no país e declarou que “o ser humano só respeita o que teme”.

Após receber críticas de organizações internacionais e do setor produtivo, abrandou aqui e ali o discurso: disse que já não quer mais abandonar o Acordo de Paris nem submeter o Ministério do Meio Ambiente ao da Agricultura; que vai, sim, respeitar a oposição e não fará nada ao arrepio da lei.

Veremos.

O que se anuncia, concretamente, é um governo autoritário, militarista e apoiado por forças religiosas ultraconservadoras que saíram fortalecidas da eleição para o Congresso.

Um governo que condena o aborto, mas aprova grupos de extermínio.

Esse será o governo encarregado de tirar o país da crise. E não é pouca crise.

O Brasil tem um déficit orçamentário alarmante, 13 milhões de desempregados e um sistema previdenciário falido.

O novo presidente, que declaradamente não entende nada de economia, vai deixar a solução para esses problemas nas mãos de seu guru Paulo Guedes, economista ultraliberal doutorado pela escola de Chicago, o qual, por sua vez, demonstra pouco apreço pela política.

Guedes pretende privatizar tudo o que puder, reduzir a carga tributária – música para os ouvidos dos mais ricos – e “desburocratizar” as relações de trabalho.

O mercado financeiro está feliz, porque deve ganhar no curto prazo.

As agências de classificação de risco, porém, manifestam preocupação com o governo do militar no longo prazo.

A própria escola de Chicago tem medo de ser associada aos excessos do presidente eleito.

Pois impedir os excessos de seu governo é o dever, a partir de agora, de todas as forças moderadas, de centro esquerda e centro direita, que, por ação ou omissão, permitiram que ele chegasse ao posto mais alto da República. A

defesa intransigente dos princípios democráticos deve ser a missão do Legislativo, do Judiciário, da imprensa e de cada cidadão.

O Brasil não pode normalizar a tirania – nem no Planalto, nem nas ruas.

É preciso tolerância zero com declarações e atitudes que afrontem a Constituição.

Da comunidade internacional e, principalmente, de parceiros comerciais e diplomáticos de peso, como a União Europeia, espera-se a devida pressão para que o Brasil não abandone os princípios democráticos.

O próprio Bolsonaro admite que pode não ser um bom presidente, e tudo indica que o Brasil caminha para uma década perdida.

Diante do cenário atual, os brasileiros podem se dar por satisfeitos se tiverem eleições livres em 2022. A mudança a qualquer preço pode custar caro.

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Comentários

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ADILSON ZAMBOTTI

Tudo que disseram sobre o Bolsonaro, não se comprovou, o País nunca esteve nas mãos de um PRESIDENTE Honesto, pela primeira vez isto acontece. É melhor!

Ricardo

Lula não está preso pela “prática de corrupção e lavagem de dinheiro”. Este é o enquadramento legal. O correto seria “preso pela prática de atos indeterminados”. A opção em descrever o enquadramento legal é a opção da grande mídia. Os blogs deveriam descrever corretamente, como está no processo.

Bel

Estão chamando em massa no Twitter para votar no FIM DO ESTATUTO DO DESARMAMENTO? Mas já não encerrou ano passado?Olha o resultado. www12.senado.leg.br/ecidadania/visualizacaomateria?id=128456
Já não usaram mensagens em massa ano passado para votar SIM? Hummm…

Julio Silveira

Com o resultado dessa eleição, estampando na cara do povo as personalidades dos representantes dele, fica escancarado que o Brasileiro não gosta de conhecer a verdade sobre si mesmo. Prefere a corrupção sistemica mas silenciosa. A que fabrica grandes corruptores no silencio, a que lega a silenciosa promiscuidade do publico com o privado no nivel dos poderes e poderosos. Essa eleição mostra que o povo brasileiro prefere a ditadura, que lhe oculta, lhe manipula, lhes disvirtuam, para proveito e poucos, mas que lhes asseguram a segurança na cultura da pratica do avestruz.

    ADILSON ZAMBOTTI

    Se enganou Júlio, Bolsonaro luta pela liberdade, aqui a ditadura que vemos é do Judiciário.

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