O incêndio foi ontem, mas a chama piloto estava acesa há tempos
por Diógenes Júnior*
O fogo que consumiu o Museu Nacional foi ateado ontem, mas a chama que desencadeou a tragédia ardia faz tempo.
E reitero, não foi acidente. É um projeto.
O antipetismo travestido de discurso moral contra a corrupção e o refrão demagógico da tesoura neoliberal que sempre bate às portas em época eleitoral, o discurso “temos de cortar custos, reduzir o Estado” são alguns dos responsáveis pela tragédia que se abateu sobre o país e sua história na figura da destruição do Museu Nacional.
Em 1989, o Brasil realizaria sua primeira eleição para presidente após 25 anos de uma ditadura militar canalha que perseguiu, sequestrou, torturou, matou e desapareceu com os restos mortais de seus opositores, gente como eu e você que luta atualmente contra a ditadura do judiciário, essa aberração que controla o país desde a abjeta “República de Curitiba”.
Em 1989 o candidato que tentava sequestrar os votos do campo popular, representado por Lula, era Fernando Collor.
Um candidato tosco que, fabricado pela Rede Globo — organização criminosa que assalta o país desde os anos 60 –, apresentava em sua propaganda eleitoral a ideia de que o “Estado era um elefante”, que “atrapalhava a vida das pessoas”.
Isso mesmo.
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O estado atrapalhava a vida das pessoas e era preciso diminuí-lo.
Um elefante aparecia numa cena em que uma família reunida à mesa fazia sua refeição, enquanto esse elefante tentava entrar naquela sala.
Vejam vocês, era 1989 e já se tentava sequestrar o emocional dos brasileiros com a ideia de “estado mínimo”.
Estado mínimo em um país à época com inflação mensal de dois dígitos, sem SUS, sem Bolsa Família, sem FIES, PROUNI, Minha Casa Minha Vida. Nada. Zero em programas sociais, zero Estado.
Mas já se atentava contra o Estado usando da sabujice do discurso contra a corrupção em um Estado quase que inexistente que vez ou outra jogava alguma migalha para a população. Esse discurso colou.
A população elegeu Collor e o restante da história todos conhecem.
O assalto que Fernando Collor fez às poupanças arruinou milhões de pessoas, levando inclusive muitas delas ao suicídio.
Em 2016 o discurso anticorrupção mais uma vez foi usado para golpear a democracia, e quando a democracia é golpeada o povo mais simples é o mais atingido.
A aprovação da PEC dos Gastos Públicos — que congela investimentos na Educação, Saúde e Segurança por vinte anos — é resultado do golpe, talvez sua mais cruel criação.
Abro aqui um parêntese: o discurso anticorrupção usado à exaustão para consolidar o golpe só foi possível porque foi colado à imagem do PT, partido que governava o país à época.
A incompetência na área de comunicação dos governos petistas permitiu que Lula, o melhor presidente que o país já teve, fosse odiado por parte da população que tanto ajudou.
Entidades sindicais inclusive controladas por petistas, por exemplo — que deveriam estar na defesa da democracia –, deram as costas para a formação e politização de suas respectivas categorias, entregando seus departamentos de comunicação e imprensa nas mãos de agências de propaganda caça-níqueis, cujo compromisso é com o lucro, não com a luta.
Estas agências, por sua vez, utilizaram pessoas sem a menor formação política e até mesmo estagiários para administrar sites e redes sociais responsáveis pela comunicação de milhares de filiados.
Desprezaram e menosprezaram, algumas por ignorância, outras por incompetência e arrogância, o poder da comunicação através das redes sociais.
Com a comunicação de organizações sindicais importantes entregues nas mãos de pessoas desprovidas de idealismo, a disputa corajosa das narrativas em todas as trincheiras jamais foi realizada.
O resultado é o mais absoluto fracasso em combater o antipetismo, que redundou no fascismo que estamos vivenciando atualmente.
Outro resultado dessa incompetência arrogante e covardia inconfessável foi a aprovação da Reforma Trabalhista, cujo principal argumento para conquistar a simpatia da população a seu favor foi a criminalização dos sindicatos e o fim do imposto sindical.
Por conta da incompetência de grande parte dos sindicatos em se comunicar, dialogar com suas bases e informar a população dos prejuízos que tal reforma resultaria, muitos deles deixaram de existir.
Simplesmente fecharam suas portas.
É com um nó no peito e o coração apertado que escrevo essa crítica, uma espécie de mea culpa. Servi dois anos e meio na área de comunicação dentro de um sindicato. Fecho o parêntese.
Passados vinte e nove anos, eis que mais uma vez a canalhice do discurso anticorrupção atrelado à propaganda do Estado mínimo novamente bate às portas.
Só que dessa vez o ardil para se vender a ideia não passa pela demagogia de se retratar um elefante numa sala de estar.
O discurso está intrinsecamente ligado à meritocracia.
Se você trabalhar bastante, não precisa de Estado nenhum que lhe ajude.
Sendo assim porque pagar impostos, se você trabalha muito e não precisa do Estado para nada?
É esse o eixo principal do ideário neoliberal. A meritocracia egoísta, que não enxerga a necessidade do outro, apenas a própria.
Se você tem um plano de saúde e seu filho estuda numa escola particular, por que pagar impostos para viabilizar o SUS?
Por que não privatizar o ensino público?
O neoliberalismo, que vê as pessoas como coisas e não como pessoas, o neoliberalismo de prancheta na mão e estatísticas na ponta da língua, vê a população apenas como números.
As candidaturas de Amoedo, Alckmin, Meireles, Bolsoasno e Marina representam o neoliberalismo.
Seu compromisso é com o rentismo, não com o bem estar coletivo.
No neoliberalismo a função do Estado é dar lucro, não prestar serviços à população.
A mão que ateou fogo no Museu Nacional se chama neoliberalismo.
O pensamento neoliberal tem como objetivo saquear o Estado, mas travestido de boas intenções.
“Uma boa gestão” diz o neoliberal”.
“Sem corrupção”, acrescenta.
A destruição do Museu Nacional está diretamente ligada a esse discurso de Estado mínimo. No ideário neoliberal de Estado mínimo, museus são luxo. Um peso.
Apenas custo. Não investimento necessário, mas sim gasto, desnecessário.
Para os defensores do Estado mínimo museu que merece investimento é o Louvre, em Paris, por exemplo.
Ou os shoppings centers em Miami porque – vamos combinar! -, neoliberal gosta mesmo é de consumo, não de cultura.
Ao povo restam as cinzas do Museu Nacional que se somam às paredes de um país que já começam a ruir.
Um país que antes do golpe era destaque internacional como nação emergente e hoje também internacionalmente reconhecido, só que na melancólica condição de pária mundial.
Somos destaque nos noticiários internacionais por conta do fogo que consumiu o mais importante Museu da América Latina. E esse fogo teve sua chama acesa bem antes de ontem.
O incêndio foi ontem, mas a chama piloto estava acesa há tempos. Feito o rescaldo, cabe a cada um continuar na luta. Não há outra alternativa para nós.
Combateremos o incêndio ou seremos todos nós incinerados, destruídos pela chama neoliberal que mata o país com o fogo do ódio em nome do deus mercado, holocausto para o Estado mínimo.
*Diógenes Júnior é defensor dos Direitos Humanos, pesquisador independente, ativista político e pai do Fidel.
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