A nota dos coletivos de Contagem sobre o professor Zica

Tempo de leitura: 7 min
Coletivos da UNA

Coletivos da UNA

NOTA DE ESCLARECIMENTO SOBRE OS ÁUDIOS PUBLICADOS EM NOSSO CANAL DO YOUTUBE

Nós, dos coletivos Não Me Kahlo e Não Ficará em Branco, ambos fundados e organizados por estudantes da Faculdade UNA de Contagem e que têm como objetivo, debater, combater e denunciar qualquer forma de opressão dentro e fora da academia, viemos por meio desta, elucidar e repudiar os comentários machistas, LGBTfóbicos e racistas do Professor Dr. Fabiano Zica enquanto ministrava aulas para o Curso de Administração, no campus de Contagem.

O Coletivo Não Me Kahlo recebeu a primeira denúncia sobre estes tipos de comentários do professor em fevereiro de 2018, quando recebemos o primeiro áudio, no qual o professor fala:

“O mercado de trabalho valoriza características masculinas, homem não é ’mimimi’ […], mulher é ’mimimi’”

“A mulher ’mimimi’ não vai atingir cargos de gestão”.

“O homem homossexual ’mimimi’ também não vai atingir cargos de gestão”.

“Porque o homem homossexual acaba atingindo grandes cargos? Porque ele tem disponibilidade, o heterossexual vai ter família, vai ter filhos, isso tira disponibilidade, isso empobrece”.

Este trecho divulgado no áudio publicado no Youtube, é do dia ‎21‎ de ‎fevereiro‎ de ‎2018, diferentemente dos outros trechos que foram gravados na aula da última terça-feira, 21‎ de ‎agosto‎ de ‎2018, no qual o professor tem as seguintes falas:

“Eu queria que alguém tivesse a ousadia de fazer a marcha dos ’gente’ […] dia da consciência humana”.

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“Feminicídio é um negócio absolutamente preconceituoso”.

“O Brasil só prende 0,5% dos assassinatos, matar alguém vale a pena, pode matar alguém que a chance de ser preso é mínima”.

Quando recebemos a primeira gravação em fevereiro, e percebemos que se tratava de um professor bem avaliado e muito querido pelos estudantes, sabíamos que seria difícil encaminhar este caso sem provas explícitas de que este tipo de comentário é verdadeiramente reincidente, por isso orientamos o estudante que tentasse obter outras falas para comprovar a relutância.

Com esta estratégia, foram gravadas oito horas de áudios, que foram devidamente enviadas para o Conselho de Ética do Grupo Ânima, que está responsável por conduzir o Processo Administrativo.

Além de enviar estes arquivos, sugerimos ao conselho, que durante a auditoria fosse realizado perícia técnica para atestar a fidedignidade dos áudios, com objetivo de sanar qualquer desconfiança de manipulação, recorte ou fraude dos áudios.

Esta estratégia de gravar os áudios foi justamente pela nossa percepção de que sem provas cabais, as denúncias dificilmente teriam credibilidade, pois desde o início sabíamos dos enfrentamentos que teríamos, tivemos e ainda teremos contra o poder econômico e acadêmico envolvido no caso em voga.

Os recentes acontecimentos acabaram nos provando que estávamos corretos nesta leitura, pois existe um grande número de pessoas que, mesmo escutando os áudios das aulas, ainda não acreditam na veracidade dos mesmos ou insinuam manipulação fora de contexto, algo que os áudios em datas diferentes, por si só, desmentem.

Deixamos claro que ambos coletivos são veementemente contrários ao “Escola Sem Partido”, nos colocamos ao lado dos nossos professores na luta por uma educação de qualidade (neste ano, além de apoia-los na greve dos educadores de instituições privadas, fizemos um ato de apoio e encorajamento dos mesmos, mostrando que também não concordamos com o sucateamento do ensino e a mercantilização da educação).

Defendemos a autonomia do professor na sala de aula, e ratificamos que só orientamos o estudante a gravar as aulas, devido a seriedade e complexidade tanto dos envolvidos, quanto das questões sociais nelas empregadas.

Gostaríamos de informar que sempre tivemos total apoio da direção da UNA Contagem para realização de todas nossas atividades para a promoção da diversidade como um todo, o que inclusive se tornou uma característica da instituição.

Acontece que, no decorrer de 2018, encaminhamos alguns casos envolvendo denúncias que tangem a pauta de opressões, culminando na nossa avaliação de que há morosidade na tratativa, o que coloca em risco a integridade física e mental dos estudantes.

Este caso específico não tornamos público em respeito à comissão criada para investigá-lo. Comissão essa que têm como integrantes várias mulheres dos nossos coletivos, e como dito acima, ainda não teve solução, provocando indignação de muitas estudantes do campus, e por este motivo, coletivamente decidimos publicar os áudios sem citar o nome do professor no YouTube, pois acreditamos que discursos como este são nocivos aos estudantes e extremamente inadequados vindo de um docente dentro da sala de aula.

Na quarta-feira dia 22 de agosto, fizemos nossa primeira reunião com a Direção da UNA Contagem, que teve também a participação de três estudantes da turma de administração em defesa e argumentação de que não há nada inadequado nos áudios, fazendo parte de uma aula sobre conceito e preconceito.

Nesta reunião informamos os motivos pelo o qual o estudante começou a gravar os áudios, informamos que não se tratava somente de um áudio da última aula e que após a publicação e a repercussão na internet, outros estudantes nos informaram que já sentiam este incomodo na aula do mesmo professor, mas não se sentiam à vontade para iniciar um debate em virtude da naturalização do senso comum e banalização de que este tipo de reinvindicação seja “mimimi”.

Informamos que iriamos manter em sigilo o nome do estudante que gravou os áudios, para garantir a integridade do mesmo, na oportunidade os estudantes apoiadores do professor, informaram que já sabiam quem era o autor das gravações.

Após esta reunião, no mesmo dia, dois membros do Conselho de Ética da Anima se reuniram conosco e escutaram as mesmas informações ditas acima.

Nosso coletivo foi informado pela Diretora do Campus sobre a suspensão do professor, abertura do Processo Administrativo para apurar nossas denúncias e que o Conselho iria ouvir todos os envolvidos e em até 30 dias, seríamos informados sobre o veredito do caso em questão.

A repercussão, além de ter pronto acionamento da Anima (Holding que gerencia a UNA) também promoveu desconforto em muitos membros da comunidade acadêmica que acreditam que os trechos do áudio foram manipulados ou colocados fora de contexto tendenciosamente; outros ainda corroboram as falas do professor.

Nossos coletivos têm profunda discordância desses colegas, e informamos que não encontramos nem na ementa/bibliografia do curso, alguma situação em que as falas do professor se conectem com o saber científico.

Nós entendemos que as falas publicadas, em nenhuma situação acadêmica podem ser usadas como exemplo, comentário ou referência.

Entendemos também que uma sala de aula não é espaço para este tipo de discurso, ao nosso ver, um discurso higienista, de fundamentalismo religioso e moralista, que nada agrega ao saber, pelo contrário, a posição de docente é uma posição de formação de opinião, neste caso contribuindo para uma formação opressora e chula do estudante.

As divergências de posicionamento trouxeram para o campus o mesmo clima de rivalidade que observamos em estádios de futebol, fazendo de estudantes divergentes, inimigos.

Essa situação culminou em muita provocação, insultos e inclusive crimes cometidos nas redes sociais de nossos coletivos e também nas redes de nossos militantes, colocando em risco a integridade de nossos membros.

A ameaça em questão foi noticiada à polícia militar neste final de semana e será representada na Delegacia de Repressão a Crimes Cibernéticos (DRCC) para a perícia dos dispositivos com as provas de instrução e prosseguimento dos ritos penais.

Lamentamos profundamente que as divergências de posições tenham chegado a situação de ter que noticiar crime de nossos pares, somos críticos às lógicas punitivistas e só o fizemos porquê se trata de ameaça de morte a um de nossos militantes, algo que jamais poderá ser relativizado.

Na noite de quinta-feira dia 23 de agosto, os estudantes realizaram manifestações tanto para defender o professor (dos quais nós reconhecemos que se trata da maioria dos estudantes do campus Contagem); E paralelamente nós dos coletivos Não Me Kahlo, Não Ficará em Branco e estudantes independentes realizaram manifestações em repudio as falas do professor.

Os ânimos se exaltaram e houveram agressões físicas no 2° andar do Bloco B do Campus, onde duas mulheres foram agredidas por um estudante da UNA, agressão essa que foi documentada através de vídeo e também noticiadas à polícia militar para as medidas cabíveis.

O clima das manifestações ficou bem acirrado e nossos coletivos decidiram encerrar nosso ato e aguardar a dispersão para que os estudantes não entrassem em conflito novamente.

Ao sair do campus a Policia Militar foi até nosso grupo e abordou a companheira agredida, informando que um estudante (o mesmo que a agrediu) deu parte dela na PM, em virtude de um arranhão que ela havia feito em seu braço.

O PM informou que ela teria de comparecer ao 18° Batalhão para registro do B.O e em seguida para outra delegacia para que fosse feita a oitiva das partes.

Nossa companheira foi colocada na viatura ao lado do agressor, situação que ocasionou na convulsão da companheira devido ao nervosismo provocado pelo medo de permanecer no mesmo espaço do homem que havia acabado de agredi-la, precisou então ser levada às pressas para o Hospital Municipal de Contagem, antes de irem para a delegacia e só serem liberadas às 4h da manhã do dia 24 de agosto.

Na Sexta-feira dia 24 de agosto, um dos nossos militantes concedeu depoimento ao Conselho de Ética da Anima, sobre os motivos do qual o levou a gravar as aulas do professor.

No Sábado, dia 25 de agosto, os Coletivos Não Ficará em Branco e Não Me Kahlo se reuniram para traçar as estratégias de segurança, visto que a maioria dos nossos pares noticiaram tentativas de intimidação dos nossos membros.

Informamos também que estamos organizados, unidos, fortes e resistentes a qualquer tentativa de intimidação, e muito importante: Nenhum de nós jamais estará sozinho!

Este documento também se destina aos estudantes que, por algum motivo, acreditaram que havíamos fraudado os áudios com o objetivo de perseguir o professor e só ouviram o “Hoax” de que “o vídeo foi editado” ou que “estava fora do contexto”, ratificando que o áudio não se trata de “fake news” e sim violação de direito e discurso de estigmatização, muito parecido com os usados pela Milícia Voluntária para a Segurança Nacional, de Mussolini, que por coincidência (ou não, visto que foi previamente combinado que os manifestantes a favor do professor utilizassem camisas pretas), também eram conhecidos como “Os camisas pretas”.

Aos estudantes que não sabiam o que estava acontecendo, apresentamos esta, para esclarecer todos os fatos ocorridos até a presente data.

Gostaríamos também de informar que estamos contribuindo com o inquérito administrativo instaurado pelo Conselho de Ética, o qual acreditamos que tomará a decisão mais assertiva sobre o fato, que nós defendemos e reiteramos que seja o desligamento deste professor da instituição.

Reivindicamos além de seu desligamento, que essa discussão não fique apenas com os coletivos, professores e projetos de extensão, logo requeremos:

1) Ampliar as oficinas de capacitação para professores;

2) Criar um comitê de diversidade com verba própria e autonomia;

3) Criar ouvidoria articulada com os vários campis;

4) Campanhas internas de conscientização voltadas para os professores, colaboradores e funcionários terceirizados;

5) Capacitação específica para coordenadores e diretores;

6) Elaboração de documentos e normativas que orientem na questão da diversidade geral;

7) Reafirmação desses valores nos simpósios de abertura do semestre;

8) Crie disciplinas que abordem o tema da diversidade de maneira específica, como por exemplo: Direito e Diversidade ou Saúde e Diversidade, e similares;

9) Que todas essas ações sejam pensadas de maneira coletiva.

Aos estudantes que concordam com a fala do professor, manteremos nossa divergência, de forma democrática e combativa, pois entendemos que a maioria nunca foi sinônimo de justiça e estaremos resistentes e empenhados para que nenhum estudante seja exposto a este tipo de conteúdo tendencioso e não-cientifico, temos total consciência que liberdade de expressão não pode ser confundida com liberdade de opressão.

Estamos unidos, resistente e determinados!

Nenhum de nós estará ou ficará sozinho!

Estamos junt@s!

Coletivo Não Me Kahlo e Coletivo Não ficará em Branco

Leia também:

A íntegra do aúdio do professor Zica em sala de aula

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