Laura Sito e Misiara Oliveira: Que as argentinas nos inspirem na luta pelo aborto legal no Brasil

Tempo de leitura: 4 min
Coletivo Passarinho

Coletivo Passarinho

Descriminalizar o aborto no Brasil pela vida das mulheres

Que os ventos argentinos nos inspirem pra luta

por Laura Sito e Misiara Oliveira*, especial para o Viomundo

A vitória da luta feminista na Argentina, com a aprovação do projeto de lei que descriminaliza o aborto, foi impulsionada por um grande movimento popular.

Processo de mobilização que emergiu com a luta contra os feminicídios, fazendo da bandeira contra a violência a principal bandeira da luta em defesa dos direitos das mulheres.

O movimento eclodiu após a brutal morte da jovem Lúcia Perez com apenas 16 anos, em 2016.

A jovem foi dopada, violentada, empalada e morreu ao ser levada ao hospital por dois homens, um de 41 anos e outro de 23 anos.

A brutalidade do crime chocou o país, assim como a comunidade internacional, e deu força ao movimento feminista para que trouxesse a agenda dos direitos das mulheres para o centro do debate político no país.

O “Ni Una Menos”, que existe enquanto uma rede em diversos países da América Latina, produziu uma grande greve de mulheres na Argentina naquele em ano em resposta aos feminicídios.

Apoie o VIOMUNDO

Embora ainda hoje uma mulher seja assassinada a cada 30h na Argentina, o espaço que o debate sobre os direitos da mulher tomou na agenda política tem possibilitado avanços concretos.

Assim como há um avanço efetivo na consciência da população sobre a perversidade dos efeitos do machismo e da misoginia na vida das mulheres. Sendo exatamente neste caldo político que o debate para a aprovação da lei que descriminaliza o aborto encontrou espaço.

A pressão popular foi tão intensa que o presidente argentino Mauricio Macri, publicamente contrário ao aborto, em fevereiro deste ano instruiu sua base de apoio no Congresso para que permitisse fluir o debate na casa legislativa.

De lá para cá, uma onda verde tomou conta das ruas argentinas, onde a palavra de ordem que unificava a luta pela vida das mulheres era: “educação sexual para decidir, anticoncepcional para não abortar e aborto legal para não morrer”.

Por 129 votos favoráveis à 125 contrários a Câmara dos Deputados aprovou a legislação, que agora segue para o Senado.

Mas o resultado já pode ser considerado uma vitória histórica dos movimentos de mulheres e feministas.

No Brasil, os ventos que sopram não são tão animadores, o conservadorismo que risca os espaços institucionais reflete a moralidade hipócrita que temos na sociedade brasileira.

Segundo o Ministério da Saúde, 181 mil mulheres são atendidas pelo SUS por complicações de abortos mal realizados e o aborto clandestino é a 5ª causa de morte materna no país.

Pela estrutura social do Brasil temos um componente altamente central, o racismo.

Elemento estrutural e estruturante, que se soma à desigualdade socioeconômica e à desigualdade de gênero.

Pois neste país raça informa classe. São as mulheres negras e pobres as mais vitimadas pelo aborto inseguro.

A proporção de mulheres negras que morrem no parto de nascidos vivos em uma escala de 100 mil habitantes é três vezes maior do que a das mulheres brancas.

Segundo a Pesquisa Nacional de Aborto (PNA), o índice de mulheres negras que provocam aborto é de 3,5%, enquanto de mulheres brancas é 1,7%. E o perfil médio das mulheres que abortam: jovens de até 19 anos, negras e que já têm um filho.

Nossa legislação só prevê autorização para interrupção em caso de estupro, quando oferece risco para a mãe e no caso de fetos anencéfalo (Decisão STF de 2012), ainda assim com processos complexos e lentos, que resultam na maioria das vezes na impossibilidade de cumprimento da legislação.

A Lei é de 1940. Ainda assim, segundo a PNA, uma em cada cinco mulheres em idade reprodutiva já passou pelo procedimento.

Segundo IBGE 2015, 8,7 milhões de mulheres entre 18 e 49 anos já realizaram o procedimento no Brasil.

De 3 a a 6 de agosto deste ano, o STF debaterá a ADPF 442, que trata da inconstitucionalidade dos artigos 124 e 126 do Código Penal, que criminalizam o aborto no Brasil.

Dentre os habilitados a participar do debate em nome dos movimentos de mulheres e feministas está a organização Católicas Pelo Direito de Decidir.

A ação tem parecer favorável da Procuradoria Federal de Defesa do Cidadão por meio da Procuradora Deborah Duprat que destaca em seu texto:

“No Brasil, além de ferir o direito à saúde, a criminalização do aborto atinge desproporcionalmente as mulheres em condições de vulnerabilidade econômica e social – numa clara ofensa ao princípio da igualdade”.

Não podemos permitir que mais vidas se percam pela não efetividade da laicidade do Estado brasileiro e pelo machismo estrutural que persiste na sociedade.

Hoje o aborto é seguro de acordo com as condições financeiras.

Desse modo, estamos permitindo que apenas quem tem dinheiro tenha direito à escolha.

A defesa da descriminalização do aborto é decorrência das lutas pela afirmação dos Direitos das Mulheres como Direitos Humanos, visando garantir entre outros aspectos importantes, seus direitos sexuais e reprodutivos.

A criminalização do aborto e o feminicídio tem suas raízes na desigualdade de gênero que impede que as mulheres sejam reconhecidas de forma plena como sujeitos de direitos, com autoridade, liberdade e autonomia sobre seus corpos e suas próprias vidas.

Queremos muito que a luta das mulheres argentinas possa nos servir de inspiração e nos possibilitar mostrar que a luta pelo aborto legal é uma luta pela preservação de vidas. E que assim possamos ter milhares de mulheres nas ruas pressionando o STF e os poderes públicos.

O que nos une nesta luta: a defesa de uma sociedade com igualdade de gênero que promova, garanta e defenda a vida das mulheres!

*Laura Sito é jornalista e membro da Secretaria Nacional de Mulheres do PT.

*Misiara Oliveira é publicitária e Secretária Estadual de Mulheres do PT/RS.

Apoie o VIOMUNDO


Siga-nos no


Comentários

Clique aqui para ler e comentar

Jorson

Quem mata mais, DST ou aborto mal sucedido? Porque os dados alarmantes do sexo praticado sem segurança não entá na pauta dos defensores do aborto? O risco de uma DST não entra no debate por uma razão muito simples, seus defensores não pensam só na saúde da mulher e sim nós objetivos políticos do movimento. Na grande maioria, seus defensores têm envolvimento partidário e isso dar voto. Se no ato sexual uma DST não é considerada como um risco a sua saúde, faça um 69, a chance de engravidar será zero.

Na lata

Só com greve de mulheres, principalmente as das periferias.

Deixe seu comentário

Leia também