Beatriz Cerqueira: Renúncia fiscal em Minas é quase metade do investido em Educação
Tempo de leitura: 8 minpor Conceição Lemes
Diariamente, a greve dos profissionais da Educação da rede estadual de Minas Gerais conquista novas adesões.
Nessa quinta-feira (15/03), eles decidiram continuar o movimento iniciado em 8 de março. Nova assembleia está marcada para a próxima quinta, 22.
Entre os motivos da paralisação, o não cumprimento pelo governo Fernando Pimentel (PT-MG) do acordo e da lei do piso, assinados em 2015.
Explica-se. O piso salarial profissional é resultado de 10 anos de luta e três greves históricas.
Também de prolongadas negociações em 2015 entre o Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação de Minas Gerais (Sind-UTE/MG) e o governo Pimentel, que resultaram num acordo (firmado em 15 de maio de 2015) e na lei do piso salarial, a lei nº 21.710, sancionada em 30 de junho de 2015, como mostra a fotomontagem abaixo.
Porém, até o momento o governo não pagou os reajustes de 2017 e 2018.
Resultado: Os educadores do Estado não atingiram o piso salarial este ano, como foi acordado em 2015.
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Em entrevista ao jornal Estado de Minas, publicada na quarta-feira (14/03), o secretário de Estado de Educação em exercício, Wieland Silberschneider, afirmou:
A educação foi, de fato, a que teve maior atenção nesse governo. Tivemos, em média, 46% de aumento no salário dos profissionais, sendo 55% para os diretores, além do acréscimo de um conjunto de benefícios.
A paralisação atinge em torno de 16% da rede, que conta com 3.653 escolas. A greve se concentra na região metropolitana de BH.
Não temos desacordo contra o mérito do pleito do sindicato, mas é inoportuno porque afeta a vida das famílias num ano tão sensível como 2018.
Temos pedido aos trabalhadores que reflitam sobre um movimento dessa natureza e atentem por parte da reafirmação do compromisso pelo governador em honrar com o acordo.
Na mesa de negociação, o sindicato pautou como o principal uma data firme para o pagamento das atualizações do pagamento do piso nacional, referentes a 2017 e 2018, que é de 14,97%.
O estado superou o índice máximo da Lei de Responsabilidade Fiscal. Configurará crime de responsabilidade apenas pelo ato de enviar tal projeto de lei com o aumento.
Também não há condições financeiras para honrar com esse ajuste, que vai representar mais de R$ 2 bilhões, anualmente. São 238 mil funcionários ativos e 235 mil inativos.
“Tem dinheiro, sim, para honrar o compromisso que o governo assumiu com a educação!”, rebate Beatriz Cerqueira, coordenadora-geral do Sind-UTE/MG e presidenta da CUT Minas.
“Acontece que o Estado está pegando o dinheiro que é exclusivamente da área de Educação e gastando com outras coisas”, denuncia.
“Só da cota salário educação mais de R$1 bilhão deixou de ser investido”, afirma.
Aparentemente, o governo Pimentel resolveu abandonar o slogan “ouvir para governar”, da campanha de 2014.
Em vez de negociar de fato, pelo menos com os trabalhadores em Educação, o que se observa é intransigência.
“Em 2017 sequer respondeu a pauta de reivindicações que apresentamos!”, atenta a coordenadora-geral do Sind-UTE/MG.
Em 21 de dezembro de 2017, sem ter levado à mesa de negociação, anunciou o parcelamento do 13º salário em quatro vezes.
Com um detalhe: na mesma hora em que o secretário de Governo, Odair Cunha, comunicou o parcelamento à imprensa, as entidades sindicais recebiam a má notícia do secretário da Fazenda.
Atitudes que lembram o estilo das gestões dos tucanos Aécio Neves e Antonio Anastasia.
Primeiro, pela incompreensão de um governo que foi eleito devido ao apoio decisivo dos profissionais da Educação.
Segundo, por usar a mídia para jogar a população contra a categoria, inclusive usando dados incorretos. A entrevista do secretário da Educação é só um exemplo.
O deputado estadual Rogério Correia (PT) esteve na assembleia dessa quinta-feira e foi taxativo:
Durante todo esse processo eu fui a todas as reuniões de negociação do sindicato. O sindicato foi muito firme em dizer que o piso salarial é a meta da Educação. [O sindicato] Foi a todas as negociações e não se furtou ao diálogo. Se há alguém, portanto, que pode ser responsabilizado pela greve não é Sind-UTE nem a Educação.
“Prevaleceu no governo uma visão distinta daquela que teve em 2015 e levou ao acordo”, lamenta o deputado ao Viomundo.
“Tomara que com a greve se restabeleça a busca de solução”, continua. “Trabalho para isso.”
Nesta sexta-feira (16/03), surgiu uma luz para o impasse.
O Ministério Público de Minas Gerais convidou para uma reunião na segunda-feira (19/03), às 16h, no MP o governo, a ALMG e o Sind-UTE.
Foi o próprio sindicato que sugeriu dialogar com outros poderes diante da falta de avanços nas negociações.
A proposta foi feita na reunião com o presidente da ALMG, Adalclever Lopes, e os deputados estaduais Rogério Correia, 1º secretário, e André Quintão, líder da maioria, que aconteceu na segunda passada, 13 de março.
A atuação de Rogério Correia foi decisiva para avanço.
“Apoio firmemente essa luta, pois durante todo o processo, o Sind-Ute, com a Bia à frente, se pautou sempre pela busca do acordo”, Rogério reitera ao Viomundo o que disse aos educadores na assembleia de quinta-feira.
Bia é Beatriz Cerqueira. Segue a íntegra da nossa entrevista com ela.
Viomundo – O Sind-UTE/MG irá à reunião no MP, na próxima segunda-feira?
Beatriz Cerqueira – Com certeza. Assim como na terça-feira (13/03), procuramos a Assembleia Legislativa. Nós acreditamos que se houver vontade política, é possível resolver o impasse. A nossa luta pelo piso salarial passou também pelo Poder Legislativo.
Viomundo –Nessa quinta (15/03), a greve completou uma semana e categoria decidiu continuar o movimento. A próxima assembleia está marcada para a outra quinta, dia 22. Que balanço você faz do movimento até agora?
Beatriz Cerqueira — Hoje, a greve já chegou em todas as regiões do estado com a adesão de escolas estaduais, Superintendências Regionais de Ensino e do Órgão Central da Secretaria de Educação que fica na Cidade Administrativa.
Pela diversidade territorial que temos, há municípios com 100% de adesão e outros com adesão parcial.
Hoje já temos um quadro de 40% e a greve está crescendo. Nossa dinâmica inclui além da assembleia estadual, assembleias locais que vão avaliando as propostas que o governo apresenta e a mobilização local.
Viomundo – No início da semana, o secretário da Educação disse que a greve tinha atingido 16% das mais de 3 mil escolas. Era verdade?
Beatriz Cerqueira – Esse número não é real. Este dado estava sendo divulgado pelo Governo que enviou um formulário para levantamento de adesão à greve que não permite levantar o real impacto do movimento.
E chegaram a este número fantasioso no dia 09/03, logo após a assembleia estadual.
Viomundo — Em entrevista ao Estado de Minas, o secretário da Educação passou a impressão de que os professores estariam reclamando injustamente. Ele disse que “a educação foi, de fato, a [área] que teve maior atenção nesse governo. Concorda?
Beatriz Cerqueira — O governo faz agora uma disputa da opinião pública para tentar convencer as pessoas de que a “greve é errada”. Classificou inclusive de “inoportuna”.
Ele trabalha com percentual “de aumento” para não falar sobre o piso salarial profissional nacional.
Foi este o compromisso que o governador assumiu: pagar o piso salarial. Em 2015, nós aceitamos uma negociação de 4 anos, cuja última etapa seria em julho deste ano. Nesta negociação, abrimos mão de várias questões inerentes ao piso.
Viomundo – Quais?
Beatriz Cerqueira — Ele é devido desde abril de 2011, nós aceitamos recebê-lo em julho de 2018.
O piso é para professor com nível médio de escolaridade, nós aceitamos receber para a licenciatura plena, abrindo mão de 17,6% da carreira.
O piso é vencimento básico, aceitamos receber abonos que depois seriam incorporados.
Aí, agora, o governo quer que a categoria abandone a luta pelo piso?
Depois de se comprometer e da gente abrir mão de várias questões em função da negociação? Não é correto nem leal com quem acreditou nele.
Viomundo — Qual é o piso previsto para 2018?
Beatriz Cerqueira — O vencimento básico inicial de um professor com licenciatura plena é hoje de R$1.982,00. O piso salarial para 2018 é de 2.455,00.
Viomundo – Como foram se dando os aumentos desde 2015?
Beatriz Cerqueira – Em 2015, nós tivemos 13,06 % de abono, que foi incorporado ao vencimento básico em 2017.
Em 2016, tivemos reajuste de 11,36% e abono de 8,21%, que foram incorporados em 2017.
Porém, em 2017 e 2018, o governo não pagou o reajuste do piso salarial.
Estamos recebendo um abono de 7,21%, que, com a atual posição do governo, nem temos a segurança de que será incorporado.
Então, o número que o governo divulga de que “deu em média 46% de aumento” não corresponde à realidade. Ninguém recebeu isso no vencimento básico da carreira.
Viomundo — Em relação às outras áreas do Estado como se situa o salário dos professores de Minas?
Beatriz Cerqueira –Entre os 31 órgãos do Governo do Estado, temos a posição 31ª, ou seja, a pior média de remuneração de todo o Estado.
Mesmo com os reajustes que conquistamos estamos nesta situação.
Viomundo — O secretário da Educação disse que se atender à demanda da categoria, vai configurar crime de responsabilidade fiscal e o que o Estado também não tem condição financeira de honrar com esse aumento. O que vocês negociaram em 2015?
Beatriz Cerqueira — Fizemos uma negociação de longo prazo.
Abrimos mão de 17,6% da carreira, do recebimento do piso desde quando o STF decidiu, que foi a partir de abril de 2011.
Sobre a questão financeira o governo deixou de investir recursos vinculados.
Só da cota salário educação mais de R$1 bilhão deixou de ser investido.
Tem dinheiro, sim, para honrar o compromisso que o governo assumiu com a educação!
Viomundo – Na sexta-feira, o Sind-UTE foi informado da reunião no MP na segunda. Coincidentemente na entrevista coletiva que concedeu após a reunião com o presidente da ALMG, você disse que seria importante o MP e o TCE-MG participarem do debate nesse momento. Por quê?
Beatriz Cerqueira –Qualquer pauta da Educação envolve a sociedade, ou deveria envolver. Então, todo mundo precisa discutir e se posicionar.
Há, pelo menos, 10 anos Minas Gerais não investe o mínimo constitucional de 25% em educação. Isso gerou uma dívida social de mais de R$ 8 bilhões.
Em 2015 o investimento ficou em 22,77% e em 2016 também; em 2017 ficará em 23,1%.
São quadras de esporte, refeitórios, reformas, ampliação de matrículas que deixaram de ser feitos. É a nossa carreira e o piso salarial que poderiam ter sido resolvidos.
Ministério Público, Tribunal de Contas e Assembleia Legislativa sabem disso tudo! Farão o quê?
Viomundo – Por que a categoria decidiu iniciar uma greve neste momento?
Beatriz Cerqueira –– Porque o governo está descumprindo o acordo que assinou.
Tentamos durante o ano de 2017 que o governo se reorganizasse e ele não fez isso. Não apresentou nada sobre o piso. Se está em dificuldades, que saída propõe?
Desde 2015, o governo manteve a renúncia de receitas para as grandes corporações aqui no Estado.
Anualmente, essa renúncia equivale a quase metade do valor que é investido em Educação!!!
Em 2017 sequer respondeu a pauta de reivindicações que apresentamos!
Vamos agora abandonar a causa pelo qual lutamos nos últimos 10 anos?
Este deve ser o comportamento do sindicato? Não fazer a luta necessária para melhorar a realidade que vivemos?
A vida de todo mundo piorou com esta crise que o Brasil está vivendo. Lutamos nacionalmente por nenhum direito a menos e no estado vamos aceitar direito a menos?
Já estamos com salários parcelados, o governo desconta os empréstimos consignados e não repassa para as instituições financeiras, o Instituto de Previdência e Assistência à Saúde que os servidores contribuem está com meses de atraso nos repasses e suspensão de atendimentos.
É aceitar isso? Não temos o direito de pressionar para mudar esta realidade? Ou o que vale agora é um modelo de movimento sindical que fica em silêncio?
Viomundo – O governo do Estado diz que está enfrentando uma crise econômica gravíssima. Como as reivindicações de vocês podem ser atendidas diante do que ele fala?
Beatriz Cerqueira –Nós acompanhamos o orçamento do Estado e sua execução e sabemos que há recursos da Educação.
Se não soubéssemos, não estaríamos fazendo esta luta. Acontece que o Estado está pegando o dinheiro que é exclusivamente da área de Educação e gastando com outras coisas.
Lutamos não apenas pelo piso salarial mas também para que o recurso da Educação fique na Educação!
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