Dica: cerveja gourmet

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Por Marco Aurélio Mello

Santa Dica retratada por Tarsila do Amaral (déc. 30)

Retrato de Santa Dica por Tarsila do Amaral (déc. 1930)

por Marco Aurélio Mello

— Vocês não querem experimentar a cerveja local? Pergunta a garçonete.

Já de um tempo virou moda esta coisa de cerveja artesanal.

Em todo lugar tem.

Mas em certas regiões tomar uma cerveja local tem um quê a mais.

No caso de Pirenópolis, cidade destino de bichos-grilos no interior de Goiás, parecia ter algo de identidade cultural.

Só fomos experimentar a tal cerveja no último dia de viagem, como despedida.

E decidimos ir até a pequena fábrica no centro histórico.

Além da Pilsen, há também a Kölsch, a IPA e a de Hibisco.

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Pergunto o porquê do nome, Santa Dica, e a resposta surpreende.

Tratava-se de uma mulher da região.

Mas não era qualquer mulher, não.

Era a Mulher!

E eu explico.

Benedita Cipriano Gomes, a Dica, depois Dona Dica e por fim Santa Dica nasceu no início do século passado na fazenda Mozondó, onde hoje é Lagolândia, pequena cidade a menos de 40 quilômetros de “Piri”.

Com sete anos de idade, doente, foi dada como morta, mas três dias depois ressuscitou.

O notícia do “milagre” correu o sertão e atraiu hordas de romeiros à região.

Em torno de sua casa formou-se o pequeno povoado.

Dica cresceu distribuindo bençãos e graças e passou a acumular poder político.

Fez a “reforma agrária” nas suas terras, aboliu o uso do dinheiro, instituiu o descanso semanal aos domingos e socializou os bens de produção.

Tal como Antonio Conselheiro, Dica pregava o fim da propriedade rural e do pagamento de impostos.

Suas curas e milagres eram atribuídos aos espíritos de uma princesa, de um comandante e do Dr. Fritz, famoso entre os espíritas de norte a sul do Brasil.

Em torno de si passou a liderar 15 mil pessoas, quatro mil eleitores e um exército de mil e quinhentos homens dispostos a dar a vida para defendê-la.

A devoção às suas ordens era tanta que Dica passou a incomodar o Governo e os coronéis da região.

Enquanto era atacada pelos jornais goianos e mineiros, sua fama messiânica só aumentava.

Por sua causa, naquela localidade o rio do Peixe mudou de nome, virou rio Jordão.

Dica chegou até a editar e imprimir o próprio jornal.

Foi quando autoridades do entorno se declararam impotentes diante de tal poderio e o Governo do Estado decidiu intervir.

Dica foi presa, não sem antes seu exército resistir à batalha que, dizem, só teve três baixas.

Diz a lenda que seu poder espiritual era tanto que os tiros do inimigo não perfuravam seus homens.

Seis meses depois, pressionado pela população e sem provas para condená-la, o Governo decidiu libertar Dica, que ingressou na política e conquistou o título de cabo do exército brasileiro.

Se você não pode com o inimigo…

Dica passou a comandar uma tropa de 400 homens, que ficaram conhecidos como pés de palha e pés sem palha. A razão? Como eram todos analfabetos não sabiam qual era o pé esquerdo e o direito.

Com a palha amarrada a um deles conseguiam fazer a diferenciação, o que os permitia marchar.

À Dica, que viveu até 1970, foram atribuídos muitos milagres e feitos.

Quanto à cerveja de Pirenópolis, como não ganho para fazer propaganda,digo que tudo é uma questão de paladar.

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Marco Aurélio Mello

Jornalista, radialista e escritor.


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