Marcia Tiburi, sobre ter deixado programa da Guaíba: “O discurso que leva ao fascismo precisa ser interrompido”; leia a carta

Tempo de leitura: 4 min

 por Conceição Lemes, com informações do Sul21

Márcia Tiburi é simplesmente brilhante.

Gaúcha de Vacaria, morando no Rio de Janeiro,  Márcia é filosofa, artista plástica, escritora e  doutora em Filosofia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul .

Na quarta-feira (25/01), foi a Porto Alegre participar de atos em defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Lá, como estava agendado, Márcia compareceu aoprograma do jornalista Juremir Machado, na rádio Guaíba.

Ela  comentava o julgamento de Lula, quando Kim Kataguiri, integrante do Movimento Brasil Livre (MBL), entrou no estúdio.

Márcia não havia sido avisada de que o golpista-mirim participaria.

Logo, por parte do programa, uma molecagem à altura do golpista Kim.

Márcia preferiu então se  retirar. “Me avisa da próxima vez quem tu convida pro teu programa. Tenho vergonha de estar aqui, com pessoas que são indecentes, que são perigosas”, disse ela, enquanto recolhia as coisas e deixava o estúdio, como mostra o vídeo abaixo que invadiu as redes sociais.

Sem dúvida, uma atitude corajosa, exemplare coerente.

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Em carta a Juremir Machado, que nos enviou via whatsapp, Márcia explica a sua atitude:

Caro Juremir,

Sempre gostei muito de participar do teu programa. Conversar contigo, e com qualquer pessoa que apresente argumentos consistentes.

Mais do que um prazer é, para mim, um dever ligado à necessidade de resistir ao pensamento autoritário, superficial e protofascista.

Ao meu ver, debates que desvelem divergências teóricas ou ideológicas podem nos ajudar a melhorar nossos olhares sobre o mundo.

Tenho a minha trajetória marcada tanto por uma produção teórica quanto por uma prática de lutar contra o empobrecimento da linguagem, a demonização de pessoas, os discursos vazios, a transformação da informação em mercadoria espetacularizada, os shows de horrores em que se transformaram a grande maioria dos programas nos meios de comunicação de massa.

Ao longo da minha vida me neguei poucas vezes a participar de debates. Sempre que o fiz, foi por uma questão de coerência.

Tenho o direito de não legitimar como interlocutor pessoas que agem com má fé contra a inteligência do povo brasileiro ao mesmo tempo em que exploram a ignorância, o racismo, o sexismo e outros preconceitos introjetados em parcela da população.

Por essa razão, ontem [quarta-feira, 24 de janeiro] tive de me retirar do teu programa.

Confesso que senti medo: medo de que no Brasil, após o golpe midiático-empresarial-judicial, não exista mais espaço para debater ideias.

Em um dia muito importante para a história brasileira, marcado por mais uma violação explícita da Constituição da República, não me é admissível participar de um programa, que tenderia a se transformar em um grotesco espetáculo no qual duas linguagens que não se conectam seriam expostas em uma espécie de ringue, no qual argumentos perdem sentido diante de um já conhecido discurso pronto (fiz uma reflexão teórica sobre isso em “A Arte de escrever para idiotas”), que conta com vários divulgadores, de pós-adolescentes a conhecidos psicóticos, que investe em produzir confusão a partir de ideias vazias, chavões, estereótipos ideológicos, mistificações, apologia ao autoritarismo e outros recursos retóricos que levam ao vazio do pensamento.

Por isso, ontem tive que me retirar. Não dependo de votos da audiência, nem sinto prazer em demonstrar a ignorância alheia, por isso não vi sentido em participar do teu programa.

Demorei um pouco para entender o que estava acontecendo. Fiquei perplexa, mas após refletir melhor cheguei à conclusão de que a ofensa que senti naquele momento era inevitável.

A uma, porque, ao contrário das demais pessoas, não fui avisada de quem participaria do debate.

A duas, por você imaginar que eu desejaria participar de um programa em que o risco de ouvir frases vazias, manifestações preconceituosas e ofensas era enorme.

Por fim, e principalmente, meu estômago não permitiria, em um dia no qual assistimos a uma profunda injustiça, ouvir qualquer pessoa que faça disso motivo de piada ou de alegria.

Não sou obrigada a ouvir quem acredita que justiça é o que está em cabeças vazias e interessa aos grupos econômicos que, ao longo da história do Brasil, sempre atentaram contra a democracia.

Tu, a quem tenho muita consideração, não me avisou do meu interlocutor.

A tua produtora, que conversou comigo desde a semana passada, não me avisou. Eu tenho o direito de escolher o debate do qual quero participar.

Entendo que possa ter sido um acaso, que estavas precisando de mais uma debatedor para a performance do programa.

Se foi isso, a pressa é inimiga da perfeição.

E se não, cheguei a pedir que me avisasse se teria outro participante, também não imaginava que o teu raro programa de rádio, crítico e analítico, com humor bem dosado, mas sempre muito sério, abrisse espaço para representantes do emprobecimento subjetivo do Brasil.

Creio que é importante chamar ao debate e ao diálogo qualquer cidadão que possa contribuir com ideias e reflexões e para isso, não se pode apostar em indivíduos que se notabilizaram por violentar a inteligência e a cultura, sem qualificação alguma, que mistificam a partir de clichês e polarizações sem nenhum fundamento. O discurso que leva ao fascismo precisa ser interrompido.

Existem limites instrasponíveis, sob pena de, disfarçado de democratização, os meios de comunicação contribuirem ainda mais para destruir o que resta da democracia.

Quando meu livro “Como conversar com um fascista” foi publicado, muitos não perceberam a ironia kirkegaardiana do título.

Espero que a tua audiência tenha entendido.

O detentor da personalidade autoritária, fechado para o outro e com suas certezas delirantes, chama de diálogo ao que é monólogo.

Espero que, sob a tua condução, o programa volte a investir em mais diálogo, que seja capaz de reunir a esquerda e a direita comprometidas com o Estado Democrático de Direito em torno do debate de ideias.

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Comentários

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Dio

Pq tão apagando os comentários que desaprovam a marcia?

Antonio Augusto Alves Jr

Márcia agiu corretamente. Porque ela deveria visitar um programa de radio para debater com esse impostor intelectual e ideologico ?

Pra dar nome e credibilidade a quem não tem ?

Ela fez bem, eu faria o mesmo. Esse impostor não merece nem um bom dia…

Quanto ao apresentador/diretor do programa, um moleque.

A.A.

    Alexandre Carlos

    Ela seguiu o livro dela a risca. Esse é o jeito de se conversar com um fascista.

Nelson

Ainda acha que seria bom ver a Márcia enfrentando o pulha e o destroçando uma vez mais. Os ouvintes do Juremir teriam a oportunidade de se cientificar quanto a quem é, realmente, o tal Kim catacocos.

Porém, não posso deixar de parabenizá-la pela reação corajosa. Concordo com ela. Não podemos nos omitir diante do fascismo; temos que combatê-lo abertamente e sem tréguas.

lulipe

Na minha terra isso tem nome:batida de pino!!

    leonardo-pe

    como fala bobagem esse lulipe. não tem 1 comentário que se aproveite. é um Sir MIDIOTA PURO! não fala mal da grande imprensa e nem do PSDB. CINICO PURO. de gente desse jeito,estamos fatos. seu lugar é no antagonista.

couto

Rosalie, gostei muito do seu comentário.

Malcom

É de rir uma filósofa conversando com Kim Katacoquinho.

a.ali

mesmo com todos os argumentos, os quais enten e respeito, ainda penso que marcia deveria, sim, ter enfrentado o fascistinha e colocado o trouxinha no seu devido lugar.
em duas frases, só duas, cara márcia, vc. teria desmontado o otário!

João Lourenço

Conceição ,não gosto do sujeito pois acho um boneco de alguém.Mas a Márcia foi fraca e esqueceu da democracia no dialogo!Foi ponto pro moleque !

    Rosalie Cantlin

    Pois eu concordo com a Márcia em gênero, número e grau. Pra começar que não foi avisada de quem estaria no programa. Isso, por si só, já é falta de respeito e forçação de barra. Esse cara fez a mesma coisa com o Roberto Requião. Chamou-o para uma entrevista e quando ele chegou lá encontrou o Kim kata coquinho. Ele não se levantou e foi embora, mas deu no uma escrachada no sujeito e falou que já foi jornalista e que no jornalismo sério isso não pode acontecer. Depois deu uma aula de história, economia e política para o facistinha de merda. Mas o requião está curtido pela idade e a experiência. O estômago dele com certeza é mais forte do que o da Márcia, mas duvido que também não tenha sentido ânsia de vômito. Há pessoas que não merecem nem que se ouça o que digam, quanto mais debater com elas. Seria como lançar pérolas aos porcos. A Márcia sabe que da boca daquele canalha não sai nada que presta. Que vá fazer seu discurcinho facista/liberal para Alexandre Frota, Bolsonaro, Dória e assemelhados.

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