Conto de Natal

Tempo de leitura: 2 min
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Por Marco Aurélio Mello

por Marco Aurélio Mello

Foi o irmão mais velho quem partiu em busca daquela que, segundo as notícias, era a filha bastarda do capitão.

Teria exagerado o portador?

Ou de fato a criança havia sido abandonada pela mãe e passava por privações?

Viajar para o Sul naquele tempo não era tarefa fácil.

As estradas, de mão dupla, ficavam esburacadas na estação chuvosa.

E dirigir à noite então era uma loteria: animais na pista, curvas sem sinalização, motoristas alcoolizados…

Depois de uma viagem em que só parou para abastecer, tomar café e comprar cigarros finalmente o irmão franzino, elegante em corte inglês, chegou.

Num casebre caiado da zona rural, com um único bico de luz, porta e janela azuis, lá estava ela.

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A menina tinha olhos enormes, como duas jabuticabas, e espreitava com desconfiança.

Ela não falava palavra, não pedia e não chorava.

Tinha a revolta típica da solidão temperada de fome.

Capturada à força se debateu até que, exausta, desistiu de resistir.

Foi lançada no enorme banco de couro contínuo detrás do automóvel onde adormeceu.

Sobre o corpo magro e desnutrido foi lançado um sobretudo de lã.

Quando despertou amanhecia.

O carro seguia em alta velocidade a caminho de algum lugar.

Era o caminho de volta?

Era um novo caminho?

Era um caminho qualquer?

O que importa?

Num pacote pardo dois pães de forma comprimiam uma fatia de queijo amarelado.

Ela comeu com voracidade e voltou a dormir.

Quando a viagem terminou ela estava diante de dois meio-irmãos e três meia-irmãs.

Foi recebida com carinho e entusiasmo.

Primeiro, ganhou um banho e roupas limpas.

E dali em diante nunca mais ficou só.

Demorou meses até voltar a falar.

Algo em sua memória de traumas e faltas tinha apagado muitos dos registros.

Ela só sabia que se chamava Maria de Jesus.

E que veio ao mundo numa noite de Natal.

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Marco Aurélio Mello

Jornalista, radialista e escritor.


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