Como o STF pode abrir as portas para ataque à soberania popular

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Entenda o semipresidencialismo, modelo defendido por Temer e Gilmar

À espera do aval do STF, a proposta busca emular o sistema francês, mas com a concessão de poderes ainda mais amplos ao Congresso

da CartaCapital

Recentemente, o presidente Michel Temer afirmou que governa em um regime “quase” semipresidencialista. “No nosso governo, a Câmara deixou de ser um apêndice, para ser parceira do governo”, comemorou.

Entusiasmado com a adoção do modelo na prática, Temer defende que ele se torne definitivo no País. Defendida por seu “conselheiro” Gilmar Mendes, ministro do Supremo Tribunal Federal, a adoção de um sistema semipresidencialista pode entrar na agenda do Congresso ainda neste ano.

Como o próprio nome sugere, o projeto busca retirar poderes da Presidência e ampliar o poder de barganha dos parlamentares em futuros governos. A iniciativa depende, porém, do aval do STF para ser votada sem uma consulta prévia à população.

Segundo relatos da mídia, uma minuta da proposta para a adoção do semipresidencialismo já está pronta e circula nas mãos das principais autoridades brasileiras. O texto tende a recuperar uma proposta apresentada há mais de 20 anos pelo então deputado petista Eduardo Jorge, atualmente no PV.

O texto de Jorge prevê a adoção do parlamentarismo, mas com algumas peculiaridades. Relator da proposta, o tucano mineiro Bonifácio de Andrada defendeu a adoção no Brasil de um modelo com regras mais próximas do sistema francês, em que o presidente como chefe de Estado indica o primeiro-ministro, considerado o chefe de governo. No parlamentarismo puro, o primeiro-ministro é escolhido diretamente pelos parlamentares.

Atualmente o Brasil adota o sistema presidencialista puro, no qual não há um primeiro-ministro e o presidente acumula as funções de chefe de governo e de Estado, sendo responsável pela escolha da equipe ministerial.

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O modelo foi o preferido da maioria dos eleitores brasileiros em dois plebiscitos. Em 1993, mais de 55% dos brasileiros votaram em favor do presidencialismo, enquanto 24% optaram pelo parlamentarismo. Em 1963, em meio ao governo de João Goulart, o sistema atual ganhou com 82% dos votos.

Entusiastas do parlamentarismo, Temer e Mendes não estimulam a convocação de um novo plebiscito, mas buscam atalhos jurídicos e legislativos para aprovar o novo sistema, que tende a conceder ainda mais poderes aos parlamentares na comparação com o modelo francês.

Entenda como o STF pode dar aval aos parlamentares para mudarem o sistema de governo sem consultar a população, além do funcionamento do sistema francês e suas diferenças em relação à proposta abraçada pelo atual presidente.

O debate no STF

Na véspera do feriado de 15 de novembro, o ministro do STF Alexandre de Moraes, ex-ministro da Justiça de Temer, avisou internamente no STF que está pronto para ser julgado um mandado de segurança sobre a adoção de mudanças no sistema no governo.

Em 1997, o então líder do PT na Câmara, Jaques Wagner, hoje secretário estadual na Bahia, entrou com um mandado de segurança no Supremo para brecar a tramitação da proposta de parlamentarismo de Eduardo Jorge.

O mandado de Wagner argumentava que o sistema de governo não podia ser modificado pelo Legislativo, apenas pelo eleitorado. Pautada em 2002, 2015 e 2016, a ação jamais foi ao plenário do Supremo.

Se o mandado for à votação e a maioria dos ministros entenderem que não é necessário consultar a população sobre o sistema de governo, o Congresso tem o caminho pavimentado para debater o semipresidencialismo.

O semipresidencialismo francês

Ao relatar a proposta de parlamentarismo de Eduardo Jorge, o deputado tucano Bonifácio de Andrada defendeu a adoção de um “presidencialismo participativo” no Brasil, inspirado no sistema que vigora na França.

“O parlamentarismo, modelo francês, nos abrirá novos horizontes ao Brasil de amanhã”, afirmou Bonifácio de Andrada em 2001. Recentemente, o parlamentar foi relator da segunda denúncia apresentada pela Procuradoria-Geral da República contra Temer e recomendou a rejeição da acusação.

Em 2015, a Consultoria Legislativa da Câmara dos Deputados produziu um estudo comparativo sobre os sistemas de governo no Brasil, na França e nos Estados Unidos. Segundo o estudo, o modelo francês “reserva atribuições muito maiores do que a dos presidentes nos regimes parlamentaristas”.

Na França, o presidente como chefe do Estado nomeia o primeiro-ministro, ou o chefe de governo, que por sua vez nomeia a equipe ministerial. A Presidência tem ainda o poder de submeter matérias a referendo e de dissolver a Assembleia Nacional, o equivalente à nossa Câmara dos Deputados.

Segundo o estudo, na prática os poderes presidenciais variam de acordo com a maioria no Parlamento francês. Se a maioria do Legislativo apoia o presidente, este se torna livre para escolher o primeiro-ministro de sua preferência.

Há, porém, o caso da chamada “coabitação”: quando o presidente convive com uma maioria parlamentar hostil, ele passa a ter pouca influência na política interna do País, embora ainda tenha poder de veto em questões de soberania nacional.

Indicado pelo presidente, o primeiro-ministro tem como principais responsabilidades o encaminhamento de projetos de lei ao Legislativo e as nomeações para postos civis e militares. Ele possui ainda a prerrogativa de exigir que a Assembleia delibere sobre um projeto de sua autoria em 24 horas.

A Assembleia Nacional tem o poder de impor a saída do primeiro-ministro por meio de uma moção de censura. Censurado, o chefe de governo é obrigado a apresentar ao presidente seu pedido de demissão.

Diferenças para a proposta brasileira

Embora inspirado no modelo francês, a proposta que pode ir à votação no Congresso apresenta diferenças importantes, capazes de dar mais poder ao Parlamento e menos ao presidente. No texto relatado em 2001 por Bonifácio de Andrada, o primeiro-ministro tem de ser escolhido dentre os integrantes do Congresso com mais de 35 anos.

Na França, não há essa exigência. Em 2005, o presidente Jacques Chirac nomeou como primeiro-ministro Dominique de Villepin, um diplomata de carreira sem mandato parlamentar. Georges Pompidou e Raymond Barre são outros exemplos de chefes de governo que não ocuparam cargos no Legislativo.

Outra diferença importante é que a proposta brasileira prevê a obrigação de o presidente consultar a maioria parlamentar para a escolha de seu primeiro-ministro. “Compete ao Presidente da República, após consulta aos partidos políticos instituídos que compõem a maioria da Câmara dos Deputados, nomear o primeiro-ministro”, prevê o texto de Bonifácio de Andrada.

É possível que a nova versão do texto garanta ainda mais poderes ao Congresso. Andrada atualizou seu relatório e o fez circular entre deputados simpatizantes do parlamentarismo. Uma das possíveis mudanças é a de que a escolha dos ministros seria responsabilidade apenas ao primeiro-ministro, e não fruto de uma decisão conjunta entre a Presidência e o Parlamento.

Em março de 2016, Aloysio Nunes Ferreira, ministro das Relações Exteriores de Temer, apresentou no Senado uma proposta similar à da Câmara. Esse projeto assemelha-se mais ao modelo francês: o primeiro-ministro seria escolhido “preferencialmente” no Congresso.

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