Guilherme Scalzilli: Ana aos leões

Tempo de leitura: 2 min

por Guilherme Scalzilli, no seu blog, via Amálgama

As polêmicas envolvendo o Ministério da Cultura ajudam a entender os dilemas enfrentados pelo governo Dilma Rousseff nos seus primeiros quatro meses. Ao mesmo tempo comprometida com o legado que recebeu e dedicada a estabelecer a identidade da própria administração, a ministra Ana de Hollanda adotou uma estratégia apaziguadora, que preserva o modelo sancionado pelas urnas enquanto insinua mudanças pontuais nos rumos. Um dos vários focos dessa conciliação é resgatar interlocuções partidárias e institucionais que estiveram prejudicadas nos anos anteriores.

O MinC vem de excelentes gestões sob Gilberto Gil e Juca Ferreira, mas começa o ano em sérias dificuldades financeiras (cortes orçamentários, penúria material, dívidas imensas), que ameaçam inviabilizar a herança positiva dos antecessores. Ademais, enquanto luta para honrar seus muitos compromissos pendentes, o ministério se envolve direta ou indiretamente na elaboração de projetos complexos, audaciosos e imprescindíveis, como o Plano Nacional de Banda Larga, a regulamentação da mídia, a nova Lei de Direitos Autorais, as reformas na Lei Rouanet.

Mesmo que os importantes programas atuais (Cultura Viva, Pontos de Cultura, etc) sejam preservados e até aprimorados, parece predominar no MinC a idéia de que a transição encerra um ciclo e estabelece novos desafios e paradigmas. Mas a renovação pretendida está longe de atingir o consenso. As revisões programáticas e gerenciais ocasionadas pela substituição de quadros nos altos escalões do ministério suscitaram críticas dos preteridos e deixaram parte da militância perplexa com a possibilidade de haver um retrocesso nas conquistas recentes.

As grandes corporações midiáticas, tentando inviabilizar as plataformas democratizantes em gestação na pasta, aproveitam sua fragilidade estrutural para fomentar a desagregação dos profissionais da cultura e a alienação do público através de um noticiário sensacionalista,boateiro e tendencioso. A “pauta negativa” que acometeu o MinC (a troca de secretários, a retirada da licença Creative Commons da página oficial, a escolha do presidente da Fundação Casa de Rui Barbosa,o blog de Maria Bethânia, a suposta ingerência do Ecad) supervalorizou e distorceu os episódios, transformando-os em escândalos. E, finalmente, esses factóides mexeram nas animosidades de alguns artistas, produtores, ativistas e funcionários do ministério, jogando-os em bate-bocas infrutíferos que ainda monopolizam o debate.

Mal sabem os adversários quantos defeitos os assemelham: a autocomplacência ideológica e a arrogância de quem se julga imune a questionamentos, por exemplo, sobre seus interesses políticos e financeiros nas posições que defendem; simplificações e acusações levianas que obscurecem as verdadeiras controvérsias, transformando a polêmica numa disputa de egolatrias e jargões vazios; a tendência autoritária a desqualificar contestações alheias; a pretensão de liderar messianicamente um processo decisório que envolve inúmeras demandas e carências.

As coisas ficam mais fáceis para a grande imprensa quando sua campanha contra Ana de Hollanda é assimilada como bandeira por uma facção do próprio movimento cultural. O maniqueísmo resultante cria uma guerra na qual os bondosos inovadores, libertários e progressistas da blogosfera combatem os malvados repressores, capitalistas e conservadores que defendem a ministra. Acontece que não há apenas duas posições em jogo. No meio dessa ilusão bipolar encontram-se pessoas desprovidas de filiação partidária e de outros vínculos grupais, que não vislumbram as benesses estatais ou os investimentos privados e que estão interessadas apenas em contribuir para o desenvolvimento da cultura nacional. Esta maioria exige e merece que as discussões sejam realizadas com mais transparência e maturidade.

Guilherme Scalzilli é historiador e escritor.

Apoie o VIOMUNDO

Apoie o VIOMUNDO


Siga-nos no


Comentários

Clique aqui para ler e comentar

Morvan

Boa tarde.

Como bem pontuou o Pedro Germano Leal, "…Este texto beira a covardia. Primeiro, porque trata os críticos da gestão da Ana de Hollanda como manipulados pela grande mídia ou intolerantes, o que não é verdade…"

É sempre mais fácil desqualificar os que pensam diferente do que colocar novo enfoque, se houver. O leque de ações e de manifestações verbais da Pasta, seja através da Ministra ou de outrem do Ministério não parecem corroborar o texto, o qual coloca todos no mesmo balaio, quer seja o PIG, quer sejam os que não concordam com as atitudes tomadas até aqui.

Se a Ministra procurar – de fato – dialogar com os "manietados" verá que estes têm ideias e estão dispostos a discutir e encontrar, se possível, um ponto de convergência. Mas o que não resolve é a desqualificação sumária dos que não concordam com os rumos tomados até ora.

Morvan, Usuário Linux #433640.

beattrice

Se essa é a "estratégia apaziguadora" da ministra, a beligerante seria…?

    Morvan

    Boa tarde.
    Isso mesmo, beattrice. Sorte a nossa (os "cooptados") que a Ministra não usa tacape…

    Morvan, Usuário Linux #433640

Fernando Leme

Que triste que o debate desça a esse nível. Estamos tratando de discutir políticas públicas da maior importância. Políticas em que o conhecimento técnico deveria falar mais alto do que o lobby da indústria; as diversas manifestações em defesa da ministra sempre descambam para a reclamação sobre o orçamento e sobre a desimportância das decisões mais recentes.
Ocorre que ambas as justificativas não são capazes de esclarecer a ignorância intencional que a ministra demonstra quando trata de licenciamento ou da LDA, e muito menos estas decisões tem a ver com qualquer custo ao ministério.
Trata-se, portanto, do pior ministério do governo Dilma até o momento, sustentado não se sabe por quem dentro do governo, e que ao perpetuar-se compromete a imagem do governo como um todo.

Pedro Germano Leal

"Um dos vários focos dessa conciliação é resgatar interlocuções partidárias e institucionais que estiveram prejudicadas nos anos anteriores."

Essa é a própria definição de desonestidade intelectual. O MinC (em sua gestão passada, liderada pelo PV, diga-se de passagem), jamais esteve em contato TÃO ÍNTIMO com partidos, instituições, e mais importante: o povo brasileiro.

Pedro Germano Leal

Este texto beira a covardia. Primeiro, porque trata os críticos da gestão da Ana de Hollanda como manipulados pela grande mídia ou intolerantes, o que não é verdade. Essa vitimização pura da ministra é um insulto a inteligência de qualquer um.

Para começar, em relação às excelentes gestões anteriores, Ana de Hollanda se referiu às mesmas como se fossem uma zona, um prostíbulo, já que era preciso "colocar ordem na casa". Não poderia ser mais arbitrária e desrespeitosa.

Depois, a tirada do CC não é uma tempestade num copo d'água: é a concretização de uma nova política que ela mesmo, Ana, ignora profundamente. Ela foi aconselhada a tirar a marca sem sequer buscar se informar formalmente o que a mesma significa.

Pior que isso é que não há uma 'suposta ingerência' do ECAD. A coisa está escandarada para quem quiser ver. A maneira como ela tratou a proposta da mudança da LDA é uma ofensa gravíssima a todos que fizeram parte desse processo. A 'parte que reclamou' a ausência de consenso é justamente o ECAD – um escritório, para dizer o mínimo, imoral.

Não há NADA que tenha saído da gestão da Ana, nesses 4 meses, para construir nem otimizar. Só o que saiu da boca dela foi uma visão redutora e alienada da cultura (como o que ela disse no SPFW, que me matou de VERGONHA, como a Secretaria para 'ainda não se sabe para que serve' Economia Criativa), sempre sob a perspectiva de uma artista medíocre, que não enxerga sequer o domínio que a indústria faz, com viés de legalidade, da criação de um autor – e que faz tanto autor quando consumidor um apêndice pobre da indústria cultural.

É patético que alguém se preste a escrever um texto tão superficial, pobre e repleto de dicotomias como esse. Falta mesmo coragem a Ana de Hollanda para dar a cara a tapas e mostrar a que veio.

    laura

    ótimo seu comentário.

    beattrice

    Seu comentário bem resume a opereta bufa do MinC, espero que os que se contraponham tenham a elegância de argumentar e não se comportarem como torcida organizada da ministra.

O_Brasileiro

A VITIMIZAÇÃO da ministra não ajuda em nada as ações do ministério!
O que se espera é uma justificativa racional, que ainda não chegou ao conhecimento público, para ações como dar, às vezes, menos de 10 reais para cada autor e deixar milhões de brasileiros sem acesso à cultura.

Deixe seu comentário

Leia também