Pedro Brieger: Quase 20 anos após o primeiro triunfo de Chávez, para aonde vai a Venezuela agora?
Tempo de leitura: 5 minPara onde caminha a Venezuela?
por Pedro Brieger*, em Nodal –Noticias de America Latina y el Caribe
Em 03 dezembro de 1998 cheguei a Caracas pela primeira vez para testemunhar o triunfo eleitoral de um quase desconhecido Hugo Chávez, que apareceu como um furacão frente a uma agonizante Quarta República construída pelos dois partidos políticos mais importantes e que dividiam entre si o poder.
Os social-democratas da “Acción Democrática” (os chamados “adecos”) e os democrata-cristãos da “COPEI” (os “copeyanos”) não apenas repartiam o poder político, mas também as gigantescas rendas petrolíferas, inacessíveis aos setores populares.
Revendo os jornais daquele período, encontro a informação de que uma porcentagem elevadíssima da população vivia na pobreza.
Na época, muito poucos jornalistas tinham ido a Caracas cobrir as eleições porque a Venezuela não “existia” no cenário internacional, exceto por dois temas: o petróleo e a revolta popular de 1989, o “Caracazo”, que deixou mais de 3 mil mortos devido à repressão ordenada pelo presidente “adeco” Carlos Andrés Pérez.
Quase vinte anos depois, a Venezuela ocupa espaço de destaque em muitos dos mais importantes jornais do mundo. Os EUA impõem sanção ao presidente venezuelano e a vários de seus ministros. Vários governos latino-americanos emitem comunicados com regularidade para abordar a situação interna da Venezuela, como ocorreu no último 31 de julho por ocasião da eleição para a Assembleia Nacional Constituinte.
As profundas transformações sociais impulsionadas pelo “furacão Chávez” – e a rejeição a ele – colocaram a Venezuela no centro da política internacional, a tal ponto que parece que todo mundo é obrigado a opinar sobre o que fazem ou deixam de fazer os venezuelanos.
Assim, a “legalidade” desta eleição foi debatida em inúmeros programas de televisão, mesmo por gente que nem sequer informou-se sobre o comunicado do Conselho de Peritos Eleitorais da América Latina (Ceela), que elogiou o processo eleitoral.
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A situação política que muda a cada dia está permeada por dois aspectos que se complementam.
De um lado, há uma briga em nível institucional entre o Poder Executivo (em um país com forte tradição presidencialista) e o Poder Legislativo, nas mãos da oposição desde dezembro de 2015.
Este fato em si não é novo, pois ocorre em muitos países, incluindo os Estados Unidos. O que é diferente aqui é que a oposição, a partir do momento em que chegou à maioria parlamentar, manifestou sua intenção de destituir o presidente Nicolás Maduro, eleito em abril de 2013.
Em seu discurso de posse como presidente da Assembleia Nacional, o “adeco “Henry Ramos Allup disse que em seis meses a oposição derrubaria o governo Maduro.
Para atingir este objetivo, ela não só tentou usar os mecanismos institucionais – que foram neutralizados pelo Executivo -, como recorreu a manifestações de rua para acelerar a queda do presidente, pois estava convencida de que a derrota do chavismo nas eleições de 2015 significava o início de sua fase terminal.
Por esta razão, em várias ocasiões durante 2016 a oposição convocou, literalmente, à “tomada de Caracas”, à “tomada da Venezuela” e à “tomada do Palácio Miraflores”, o palácio do governo.
Porém, o Poder Executivo respondeu fazendo uso dos mecanismos institucionais e desautorizando a Assembleia Nacional, esvaziando-a de conteúdo.
Por outro lado, ele resistiu à ofensiva oposicionista nas ruas com mobilizações gigantescas, fruto de um verdadeiro apoio popular daqueles marginalizados durante a Quarta República e principais beneficiários da inclusão social, uma bandeira fundamental do chavismo.
Caracas se estende ao longo de diferentes morros e a divisão geográfica Leste-Oeste transformou-se, nesta conjuntura política, em uma divisão político-territorial.
O Ocidente, onde está o centro histórico, os principais edifícios públicos e os ministérios – além da sede do governo, o Palácio de Miraflores – se converteu em um bastião do chavismo, tanto que as forças públicas nunca permitiram que as mobilizações da oposição se aproximassem desta região, para evitar um enfrentamento em grande escala.
O Leste, com suas áreas de classe média e alta, constitui o coração político-social da oposição, onde está concentrado o seu poder, embora isso não exclua setores populares que também apóiam a oposição.
No Oriente, a oposição se mostra forte: interrompe estradas, ergue barricadas e lá ocorrem os principais enfrentamentos com a polícia destes últimos quatro meses. Este controle territorial lhes permitiu impedir a abertura de inúmeros locais de votação neste 31 de julho.
Apenas neste contexto se pode entender que coexistam “dois mundos” paralelos em uma mesma cidade.
As imagens incendiárias advindas do Leste remetem a um cenário de guerra civil com feridos e mortos. Ao contrário, se alguém se fixar no Oeste perceberá uma cidade de ruas abarrotadas de gente, restaurantes lotados e balbúrdia, como em qualquer outra capital da América Latina.
Neste cenário surrealista – que se repete em outras cidades do país – se realizaram as eleições para a Assembleia Constituinte, no último 31 de julho, apesar da convocação da oposição para sabotar o pleito.
Não é o primeiro caso de partidos políticos que, por várias razões, chamam o voto em branco, nulo ou mesmo a abstenção; mas é muito raro que os partidos políticos legais convoquem a população a sabotar, diretamente, um processo eleitoral, impedindo o funcionamento de seções eleitorais.
Por esta razão, em Caracas, foi organizado um espaço alternativo em um estádio fechado para que pudessem votar aqueles que não podiam fazê-lo em suas seções eleitorais. Para a surpresa de todos, e como testemunhou NODAL, milhares de pessoas fizeram o esforço de ir votar em um país onde o voto não é obrigatório.
Segundo o Conselho Nacional Eleitoral, o mesmo que divulgou os dados da acachapante derrota do chavismo nas eleições para o legislativo em dezembro de 2015, votaram mais de 8 milhões de venezuelanos, totalizando 41% dos aptos a votar.
Tendo em conta as diferentes votações desde que Chávez assumiu o poder, em 1999, pode-se dizer que os 5 milhões e meio de votos que o chavismo obteve em 2015 representam um piso de apoio popular que o mesmo conseguiu consolidar ao longo dos anos.
A grande questão é como o chavismo recuperou os votos perdidos na eleição de 2015, quando ele foi severamente rejeitado.
Certamente a resposta não advém de uma única variável, mas a palavra “paz” apareceu em inúmeros testemunhos por todo o país.
Aqueles que se mobilizaram não o fizeram para dar um cheque em branco ao presidente Maduro; querem a paz, estão cansados da violência e das mortes, de todas as mortes.
Como em qualquer lugar de profundo e contínuo conflito social com altos níveis de violência, a paz se converteu em uma aspiração fundamental e neste caso muitos consideraram que a votação por uma Assembléia Nacional Constituinte era um voto plebiscitário para a paz.
As denúncias da oposição de ocorrência de fraude eleitoral não têm credibilidade, pois ela usou deste procedimento sempre que perdeu para o chavismo.
A diferença desta vez é que a oposição recebeu um forte apoio explícito dos Estados Unidos, da União Européia e de vários governos latino-americanos – mostra cabal da alteração na correlação de forças na região – e do Secretário-Geral da Organização dos Estados Americanos (OEA) – o uruguaio Luis Almagro –, que foi ao Senado dos Estados Unidos pedir abertamente sanções contra a Venezuela.
Se a Assembleia Constituinte conseguir diminuir a tensão atual e as próximas eleições regionais se realizarem com a participação de alguns dos partidos de oposição, aquela terá cumprido a sua missão de “reconciliação” com grandes setores desencantados com o chavismo e que pedem a paz – ainda que a reforma constitucional anunciada possa resultar confusa e incerta.
Neste caso, é possível que se conquiste o isolamento dos setores radicais da oposição que encorajam a “insurreição total” e batem nas portas dos quartéis para que os militares liderem um golpe de Estado, como fizeram em abril de 2002.
O chavismo, desde 1999, está tentando desmantelar o Estado erguido e surrupiado, durante décadas, pelos setores mais poderosos. Muitos deles estão determinados a impedi-lo a todo custo, mesmo que, para tanto, provoquem uma guerra civil.
*Tradução de Daniel Araújo Valença, professor do curso de Direito da UFERSA e doutor em ciências jurídicas pela UFPB, com a tese Disjuntivas do processo de câmbio: o avanço das classes subalternas, as contradições do Estado Plurinacional da Bolívia e o horizonte do socialismo comunitário.
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