Nelson Nisenbaum: OSS, agora só resta rezar

Tempo de leitura: 3 min

por Nelson Nisenbaum, especial para o Viomundo

Após quase 13 anos,  a constitucionalidade da lei 9637/98 (governo FHC), que estabelece as Organizações Sociais de Saúde (OSS), voltou à pauta do Supremo Tribunal Federal (STF) na semana passada.

O julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade da lei 9637/98 ocorrida no dia 31 de março no STF produziu uma frustração somente comparável aos quase 13 anos que tramita naquela casa. O golpe final ainda me atordoa.

Explico. Após o voto do ministro Ayres Brito, uma verdadeira enciclopédia no melhor dos sentidos, versado naquele tom calmo, seguro, refinadamente humorado que caracteriza aquele magistrado, veio o balde de água fria. O ministro Luiz Fux pediu vista ao processo. De imediato, o presidente Cezar Peluzzo encerrou a sessão, adiando, sabe-se lá por quanto tempo, a completa apreciação da matéria.

Adiantou o ministro Brito o entendimento de que as consequências das inconstitucionalidades por ele admitidas naquela lei terão seus efeitos moderados pela força da realidade, o que quer dizer, que muita coisa feita não poderá ser desfeita sob pena de prejuízos ao cidadão, em especial, ao cliente do SUS. O que, em certa parte, também nos frustra. Afinal, o volume de gente que sofreu graves consequências em suas vidas profissionais e carreiras públicas acumula um prejuízo incalculável e irreparável. Foi a própria lentidão e insensibilidade do STF que mais contribuiu para esse estado de coisas.

E a população em geral como fica?

Muitas vezes fico impressionado com o grau de desconhecimento sobre as OSS por parte da população em geral. Tais entidades, inexistentes até 1998, passaram a existir “por decreto”, em uma verdadeira reedição da teoria da geração espontânea, tão cultivada na baixa idade média. Em miúdos, instituições privadas “de comprovada capacidade e eficiência” na gestão de saúde pública podem pleitear este “título” e então concorrer para a gestão do SUS em hospitais, ambulatórios, postos de saúde, e assim por diante. Em outras palavras, da noite para o dia, alguém recebe o título de competência e eficiência por fazer o que nunca fez. Afinal, receber pagamentos por serviços prestados ao SUS não significa gestão do SUS, conceito infinitamente mais amplo e complexo. Tais instituições, de acordo com a lei, regem-se pela lógica do setor privado, pautando-se pela “agilidade administrativa” e pela lógica de mercado, sepultando e cobrindo com pás de cal o conceito de serviço público e de ação de Estado.

Desde sua implantação, outros princípios fundamentais do SUS também foram sepultados na cova ao lado, fundamentalmente o do controle social. Cláusula pétrea do SUS, com fulcro constitucional, o controle social é o que permite a transparência e confere ao cidadão o poder (e o dever) de fiscalizar a gestão, inclusive nos aspectos financeiros, como bem frisa a lei 8142 e demais regulamentações. As OSS não prestam contas aos respectivos conselhos (municipais e estaduais) e sequer são fiscalizadas pelos tribunais de contas. Assim, verbas públicas de finalidade pública entram nas caixas pretas inexpugnáveis da burocracia privada, que por sua vez acomoda nos seus intestinos os interesses dos agentes políticos de plantão, formando uma espécie de cartel que talvez só não tenha sido pensado por Al Capone.

Ainda como consequência, dezenas de milhares de carreiras públicas de servidores concursados (inclusivo este que vos escreve) tiveram e continuam tendo suas relações trabalhistas e seus direitos mais do que violados, além de outras humilhações e violências institucionais, tudo sob o silêncio dos tribunais. Poucos detiveram-se na análise das consequências de toda essa desarticulação sobre programas bem estabelecidos e executados por abnegados soldados e exércitos de nossa honrada história sanitarista.

Desde sua entrada em vigor, e da sua efetivação através dos agentes correspondentes, esta política já produziu suficiente material de análise capaz de confrontar parte razoável dos códigos civis e penais, estando este bastante bem protegido atrás dos balcões do poder e da seletividade da grande mídia, que aliada aos interesses privados, prossegue na sua cruzada infindável contra o serviço público, este, cada vez mais sofrido e limitado pela drenagem diluviana de recursos públicos em favor dos interesses privados.

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Agora, só resta rezar.

Nelson Nisenbaum

Médico Estarrecido

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Comentários

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Asta

Pena que foi na gestão recente de um sanitarista histórico que a parceria público-privada jogou com força total. Não levou oficialmente, mas vários estados da federação pegaram a deixa e implantaram o Sistema. Aqui no DF quem estava no comando eram médicos da própria Secretaria de Saúde; e assim é nos demais estados. São os próprios médicos da rede pública, com clínicas na rede privada que lutam pela privatização da Saúde.
Por isso, penso que a luta não pode se dar apenas no Parlamento, mas no dia a dia profissionais/usuários. Esclarecendo nas reuniões dos Programas de Saúde, ao invés de falar apenas e tão somente do beabá da prevenção, promoção e tratamento, falar muito dos recursos para a saúde, da mísera fatia do PIB para a saúde, da luta pela EC 29. O Político não está nem aí para o profissional da Saúde, mas o usuário/eleitor ele respeita.

renata

Parceria público-privada (OS) são privatizações mascaradas, são ditames do Consenso de Washington. Aliás, vem de muito antes, nasceram com a Escola de Chicago (década de 60), Escola Cepalina e todas as agências multilaterais, que impõe suas teorias ao conjunto de "países problemáticos" e com "Estado ineficiente", inchado…
É a camarilha neoliberal que quer vender o bem público a preço de banana, e ainda continuar a ter lucro com o dinheiro do povo. FORA OS´s da VIDA!!!!

Leozenith

Infelizmente pude conhecer na carne o que vem a ser uma OSS. Campinas é uma cidade grande, com um bom serviço de saíde que socorre gente do Brasil inteiro. De repente se constoi mais um hospital e la vem a tal da OSS. Assedio moral aos funcionarios publicos,.Organização do trabalho da enfermagem de maneira indigna. Medicamentos e equipamentos de pessima qualidade. Pessimo atendimento aos pacientes sus-dependentes que levam a estes pobres coitados que já não tem direito a nada nesta vida a nem procurar por serviços medicosquando estão morrendo. E pior? É saber que fizemos denuncias na nossa justiça com comprovantes e provas dos meios ilicitos que tal OSS e os governantes da cidade utilizaram para concretizar a administração do hospital e nada foi feito. Sera que os promotores e juizes tiveram sua parte financeira garantida no negocio? Porque é bem claro que toda essa historia de OSS não passa de um meio para desviar verbas publicas, sucatear e privatizar o SUS . A quem recorrer??? Socorro!!!!!!

    renata

    Olá Leozenith,
    Desconstruir um príncipio básico do SUS: saúde como direito público e não privado; eles pegam o artigo da CF que permite a participação complementar para sustentar essa privatização marcadara; complementar refere-se a convênios particulares!!! Bom, essa ideia só poderia ter nascido aqui no império do laissez faire. Eh! São Paulo atrasada!

    Indignado

    Parece que não tem ministério público em Campinas, o faroeste, terra de ninguém. Aqui tudo pode.

j alexandre cipolli

Alem disso, gostaria de atentar em outro foco. As OSS, ao meu modo de ver, são privatizações do sistema de saude; e assim como as privatizações dos outros serviços públicos basicos e essenciais, ocorrem sob a justificativa de que o estado é inapto para a gestão destes serviços. Então pergunto: Para que serve o estado , principalmente seus comandantes? Se eles se dizem mestres na arte de governar e governar nada mais é que admnistrar os bens publicos, então porque se colocam inaptos neste tipo de administração? Então, já que o estado é inapto e apenas as entidades privadas é que tem a capacidade de administrar, acabemos com o estado e vivamos numa anarquia (no sentido literal e, porque não politico da palavra) onde não temos governo e cada um governa pra si, apenas para o bem de poucos, visando apenas o lucro! Embora, veja desta forma o que ocorre atualmente, não concordo com este tipo de atitude, pois para mim governar é enfrentar dificldade e nelas encontrar soluções em prol do bem comum. Portanto, lutemos por um estado forte, competente e agil e uma população atenta e fiscalizante dos serviços publicos que dela são de direito.

j alexandre cipolli

Azenha e Amigos, sou médico em campinas e como trabalhei em alguns hospitais administrados por uma OSS, posso dizer que houve melhora na qualidade e na agilidade dos serviços prestados. É claro que a OSS em questão está ligada a uma universidade publica estadual, visando atendimento assitencial e aprendizado. Ou seja, muitas pessoas dispostas a trabalhar para aprender. Entretanto, a forma estanque em que as verbas são repassadas engessa muitas vezes as possibilidade de trabalho e de contratação, arriscando assim a qualidade do atendimento. Por outro lado, esta mesma forma permite que criem desculpas ou motivos para o não cumprimento dos serviços, criando assim um caminho livre para desmandos e mal uso do dinheiro por parte dos administradores. Fato que pode ocorrer com muita mais facilidade quando as OSS são comandadas por entidades privadas, criadas apenas para este fim e que nunca tiveram vinculo com atendiemto em Saude e priorizam apenas o lucro.

    leozenith

    também sou de campinas……infelizmente discordo de sua opinião sobre a qualidade dos serviços prestados pela tal OSS a qual se refere. Tanto que nos ultimos meses houve manifestações pedindo que tal OSS saísse da cidade. Sem falar que veio administrar o hospital sem uma licitação, é uma empresa com inumeros processos na justiça, ja passou par outras cidades de São Paulo e so fez estragos.

    j alexandre cipolli

    Acho que temos a mesma opnião. quando me referi a OSS de qualidade,foi a de sumare. A OSS de Campinas tem o perfil das OSS que tambem condeno.

Luis Armidoro

Caros Azenha e aigos do blog:

Este troço sinistro (OSS) só poderia ter sido gerado nas mentes trevosas da tucanaiada, infestadas de neoliberalismo até a alma. Isto é um insulto à Constituição porque é a privatização (envergonhada, porque a tucaianada teve medo de sair do armário e assumir que estavam vendendo o SUS) de um serviço público. Chega, já encheu o saco este discurso tucano neo-liberal (morto pela realidade) de que o mercado é bom e resolve tudo, e tudo que é estatal é uma merda

Armando S Marangoni

Parece um esquema em seus estertores: a desmoralização da saúde pública que inclui a desmoralização do sistema e o desmonte por negligência de sua estrutura, com o objetivo de criar 'clima' para a ação dos que se aproveitam da lei de mercado. O termo "oportunizar" tem tudo a ver com esse tipo de ação.
Espero que o ministro Fux não siga um caminho mendesiano e dê preferência aos benefícios da lei para o que considera amigavelmente importante.

ZePovinho

Eles têm até uma teoria acadêmica que,pretensamente,justifica a entrega de bens públicos à iniciativa privada.Trata-se de um artigo de Garret Hardin,"A tragédia dos bens públicos",onde esse autor faz toda uma série de silogismos,tautologias e mágicas para tentar justificar,cientificamente,uma ideologia reacionária como é o neoliberalismo.Já falei disso aqui e indiquei esse artigo do site resistir.info:
http://resistir.info/varios/baldios.html

"….Será que recursos partilhados serão sempre mal usados ou utilizados em excesso? Será a propriedade de terras, florestas e recursos pesqueiros pela comunidade um caminho garantido para o desastre ecológico? Será a privatização o único meio de proteger o ambiente e acabar com a pobreza no Terceiro Mundo? A maior parte dos economistas e planeadores do desenvolvimento responderá "sim" — e como prova indicarão o mais influente artigo já escrito sobre estas importantes questões.
Desde a sua publicação na revista Science em Dezembro de 1968, o artigo "A tragédia dos baldios" ("The Tragedy of the Commons") foi reproduzido em pelo menos 111 livros, tornando-o um dos mais reimpressos alguma vez aparecidos em qualquer revista científica. É também um dos mais citados: uma pesquisa recente no Google descobriu "cerca de 302 mil resultados para a frase "tragedy of the commons"."……..

    renata

    Muito interessante este seu artigo. obrigada por compartilhar!!!

V

Até o sub do sub do sub do sub dos juizes do STF tem plano de saúde.
O resto de nós tem SUS. Então porque tanta pressa. Continuemos estarrecidos, afinal de contas nosso judiciário ainda está na monarquia e pode tudo, QUANDO quer poder.

    renata

    É o dito do Rei….concordo!

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