06/04/2011
por Alex Cosec, do blog Em Defesa da Educação
Este artigo é uma simples divagação. Foi pensado pela primeira vez numa caminhada pela praça do relógio da USP e repensado para o coletivo uspiano “Em defesa da Educação”.
As universidades públicas são o lócus privilegiado do debate de idéias, da produção de ciência pura e aplicada até mesmo do ócio (tempo espiritualmente livre em contraposição ao negócio). Mas elas não ficaram imunes à emergência do capital oligopolista internacionalizado e desviaram-se de suas funções precípuas.
No caso da USP, a interface com o capital privado e com grupos políticos externos gerou uma gama de intelectuais só parcialmente comprometidos com suas finalidades: o ensino de qualidade e a pesquisa de ponta. A massificação sem recursos adicionais contribuiu também para que tivéssemos duas categorias de ensino de graduação e de pós-graduação.
Uma tipologia dos alunos é uma tarefa difícil. A sua passagem pela condição de graduando é rápida e os que permanecem na Universidade tornam-se pesquisadores, funcionários ou professores e mudam de condição. Muitas vezes, também, a militância estudantil é diretamente proporcional à condição financeira, embora nem sempre (e a natureza de classe dos tipos aqui apresentados não está em discussão, a não ser marginalmente.
Corpo Discente
O aluno militante atua num partido ou agrupamento político. Ele pode ser alguém deslocado de uma faculdade a outra para construir um núcleo de sua agremiação. Seu tempo todo é dedicado à diferenciação pessoal com concorrentes discentes e enfrentamento com professores mais ou menos conservadores aos seus olhos. Estuda pouco, cumpre alguns créditos e se tem sorte insere-se, já mais velho, na estrutura de seu partido, pois sua ação inviabiliza a carreira nos lugares por onde passa. Mas às vezes é um militante de causas e não de partidos.
O aluno carreirista puro é aquele que estuda todas as suas ações como simulações de conhecimento, estudo, presença nas rodas certas de docentes, mesuras oportunas sempre com o escopo de obter por presença massiva sua vaga no início da pós- graduação. Normalmente, tem o talento definido por Marx como “a superficialidade profunda”. Mas é muitas vezes um “emergente” de origem humilde e que legitimamente vê a USP como forma de ascensão social.
O aluno carreirista político. Ele combina os dois tipos anteriores e também os nega. Embora pertença a um partido político, ele é apenas trampolim para se alçar à condição de representante discente e exercer seu radicalismo bem temperado na frente de seus futuros possíveis orientadores. Se o objetivo do tipo puro é “parecer”, o objetivo deste é apenas “aparecer”. E enquanto o tipo “militante” tem a USP como meio e o partido como fim, este faz o inverso. Ele tem o partido como meio e a carreira universitária como fim (pessoal). Mas exibe normalmente qualidades de liderança que serão úteis para um futuro administrador universitário.
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O estudante profissional. O termo indica uma condição permanente, dada. Ele não tem um compromisso com o curso que faz. Seu interesse é apenas cumprir crédito sem se importar com a forma: decorar conteúdo para provas, plagiar trabalhos de colegas, simular presenças etc. Mas em geral é um jovem que ainda não escolheu o curso certo e é vítima da tradição brasileira de se escolher muito cedo a univeridade.
O estudante profissionalizante. O termo indica não uma condição dada, mas um processo, uma transitoriedade. Ele é o que chega em cima da hora ao início da aula, sai antes do final e passa pela USP como se nunca nela tivesse pisado. Só pensa no diploma como valorização de sua força de trabalho. Visa o mercado e nunca cogita a carreira acadêmica, para ele inacessível, especialmente quando ele tem origem humilde. É acima de tudo um trabalhador.
O estudante estudioso vive numa torre de marfim parnasiana. Seu único interesse é a escorreita tradução de um termo de Ovídio. Ele se interna nas bibliotecas, assiste às aulas e, derivadamente, busca se aproximar da pós-graduação por mérito. É alheio às condições externas que garantem os seus estudos.
Corpo Docente
Os professores também se repartem em tipos.
O intelectual administrativo é aquele que se dedica na maior parte do tempo a galgar postos burocráticos na USP ou fora dela (a convite do Governo). É um especialista na formação de cliques. Ele é sempre reconhecido pela condição de “gerente” da universidade. Todos sabem quem ele é e precisam em algum momento “tratar” com ele. Mas ninguém sabe o que ele produziu. É aquele que acumula mais poder interno. No entanto, muitas vezes fez algum trabalho acadêmico relevante para ingresso na carreira.
O intelectual pesquisador é aquele que se dedica solitariamente à sua obra acadêmica. Orienta poucos alunos, desdenha as aulas de graduação e se preocupa com a qualidade e ou quantidade de seus artigos científicos. Nunca participou da vida “pública” de sua universidade, salvo para “aparecer” em momentos em que pedem emprestado o seu “prestígio” a alguma causa política. Mas é normalmente deste tipo que surgem os intelectuais expressivos e que mantêm a notoriedade positiva da USP.
O líder intelectual é uma mistura dos dois anteriores. Ele se destaca inicialmente por um trabalho academicamente relevante e se torna líder de um coletivo de pesquisadores de diversos níveis, dedicando-se a articular os conhecimentos específicos deles e a buscar as fontes de financiamento externas. Também acumula poder acadêmico, distribui bolsas a alunos e seu entourage é amplo.
O intelectual político é aquele que usa a universidade para fins político partidários. Pode ser de esquerda ou de direita. Ele faz uso dos recursos públicos nele investidos desde o simples uso do Xerox para jornais e panfletos e convites para seus colegas de corrente política fazer conferências até o simples uso da grife “USP” para se afirmar na vida política do partido ou na disputa de cargos eletivos. Mas derivadamente acaba lutando pela melhoria das condições salariais dos trabalhadores da USP.
O intelectual empresário tem se tornado mais comum. Ele usa igualmente a grife “USP” para trabalhos de consultoria, comandar a pós-graduação em alguma universidade privada, a produção editorial de livros didáticos ou simplesmente gerenciar a própria empresa. Ao contrário do que se imagina, ele é tão comum nas engenharias ou na FEA quanto na FFLCH. Por outro lado ele é uma decorrência da queda do padrão de vida do professor da USP nos últimos 30 anos.
Conclusão
Os tipos acima descritos não são encontrados na realidade em sua forma pura. Não quero dizer que um reitor não possa ser um intelectual político no sentido acima descrito ou que um administrador não possa manter uma razoável produção científica. E nem que cada um desses tipos não seja necessário à instituição. De certa forma, todos contribuem minimamente para que ela exista e se reproduza.
A posição deles também não é uma simples escolha. Se for uma escolha, ela é condicionada fortemente pelo meio que permite a sua reprodução. Por isso, não se deve julgá-los moralmente, até porque todos os professores carregam uma ou mais das características acima elencadas.
Se alguém me perguntasse: em qual desses tipos “fulano de tal” se encaixa? Eu responderia: “em nenhum, afinal são tipos ideais e não reais”. Este autor mesmo pode ser acusado de ter características de vários tipos e talvez mais uma: a falta do que fazer…
O que importa é que de todos os tipos acima descritos, nenhum deles têm a USP como um fim em si mesmo. Esta é, aliás, a única afirmação que uniu um grupo de alunos e professores no coletivo “Em Defesa da Educação”.
Alex Cosec é pós-graduando em Economia da História na USP.
Comentários
Adriana De Simone
Inovador o texto, interessante. Mas o que sempre existiu e acho que está mais intenso pela força da época em que vivemos é um egoísmo profundo. Ética depende de um cuidado real com o Outro, e a Universidade pública deveria fazer germinar e florescer projetos realmente voltados para a sociedade. Nesta afirmação, se inclui a discussão sobre o Outro, o público, o privado, e a Ética. De verdade, sofremos todos por não termos uma mente clara, limpa, e um olhar compassivo para o mundo. O julgamento sempre distancia, por mais que muitas vezes seja necessário, para que se pense melhor na sociedade que queremos viver. Mas o que se julga não é o outro, mas sua atitude ou sua motivação. Aquilo que prejudica o outro deve ser evitado e denunciado. Cargos de poder implicam em maior responsabilidade, sim. Afinal, pesquisadores de uma universidade como a USP estabeleceme formas de pensar e de viver. Cada um deveria pensar que a boa sorte do outro aumenta minha própria boa sorte. Isso permitiria desenvolvermos mais diálogos entre teorias e não um julgamento superficial sem fim, e brigas, que não trazem nenhum benefício para a sociedade.
FrancoAtirador
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Faltou citar pelo menos um:
O "ESPECIALISTA" CONVIDADO PELA GN E RGTV
PARA CORROBORAR OS IDEIAIS NEOLIBERAIS DO MERCADO.
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Marroni
Uspianos? E usclarinetes, usfagotes, ustímpanos, uscellos, usviolinos?
Não resisti!!!!!!!
carmen
Tem alguma coisa nesse texto que me incomoda,mas uma coisa é inegável não só a USP parece estar sofrendo uma certa "crise de identidade",mas outras universidades por esse Brasilsão afora ainda não conseguiram achar seu rumo,pós queda do muro de Berlim e vendaval neoliberal que teima em soprar apesar de seu retumbante fracasso.
N. Konthyegki
Muito interessante. Boas sacadas que devem servir como um alerta não somente para o que acontece no que chamamos de universidade "TOP" do país.
O que está muito claro é o fato de as universidades públicas estarem desviando o seu foco de produção científica, infestado que está ficando pelas instituições privadas que abocanham dinheiro público por outras vias, que não é meramente ilegal, mas corrompe por completo a estrutura pública. Ainda promovem chantagens contra aqueles que ousam em defender uma universidade pública voltado para os interesses públicos, como deve ser. Da única maneira que sabem agir, retirar financiamentos.
Mas isso não é uma culpa primeira dos professores, embora não possamos isentá-los das consequências. E isso acontece em todas as demais universidades públicas do país. Um fato que acomete grande parte dos uspianos, seja professor, estudante – e até funcionários – é uma certa empáfia e mesquinhez, como se o "selo usp" os alçassem num patamar superior da sociedade: eu sou usp, vocês são os outros qualquer. E aí não importa o curso, basta ser da usp!
Como coloca o colega do artigo, no entanto, esses tipos não são encontráveis puros, embora a empáfia e a mesquinhez seja extremamente visível quando ela se manifesta, e poderia dizer que há uma parte considerável dos que ali se encontram que tenham objetivos conscientes da realidade de nossa sociedade.
Mas, para colocar a pulga atrás da orelha, como o nosso colega do texto, tudo isso pode ser inveja de não ter sido aprovado num mestrado nesta instituição…
Abraços
Guilherme M.
Alex, depois faz uma lista destes tipos "intelectual empresário", como aqueles que comandam ou mesmo dão aula em "pós-graduação em alguma universidade privada" e manda pra CERT… Se forem docentes em RDIDP, correm o risco de processo administrativo, demissão, ou, no mínimo, um belo puxão de orelha.
PS Mas só coloca aqueles intelectuais que te incomodam. :-p
Iowa, Juliano
Meu antigo chefe era assim: dava aulas na POLI e era diretor de uma laboratorio em Osasco/SP.
Era incrivel a quantidade de vezes que simplesmente 'estava atarefado para dar aulas' e mandava o seu orientando mais proximo lecionar no lugar dele. Tambem colocava estagiarias do Laboratorio (que nada tinha a ver com a USP) para corrigir as provas dele. Uma grande piada.
Alem disso, tinha em todos os lugares dos laboratorios, todos os documentos, carimbos, relatorios a seguinte escritura:
"Professor Doutor pela Escola Politecnica da Universidade de Sao Paulo" (…)
Uma vergonha.
Marcelo Rodrigues
Resumindo, na USP não tem ninguém normal…
rita
isso é o que um aluno de pós da usp faz??
Luís
É.
H Aljubarrota
Os intelectuais universitários, em geral, viraram prestadores de serviço. Completamente reificados – adoram dirigir Land Rovers – não resistem a um chamamento midiático para exibir seus conhecimentos nas Globo News da vida. Particularmente os da USP, e não só os pseudo-intelectuais mas também os professores, desistiram da Universidade há muito tempo, alguns até com razão…
Adoram exibir seus cartões de visita (claro, de PhDs…) com o logo da USP externamente; mas, internamente, desistiram de lutar por melhores condições – tanto do ensino como do próprio ambiente universitário, propício à discussão, contestação e a eterna desconfiança que um intelectual de verdade deve ter.
A USP não está decadente apenas pela aparência de seus prédios, mas principalmente pela ausência de intelectuais de verdade.
pouco
Ô textinho xinfrin….
A descrição dos alunos é bem crítica (os malvados 'usam' a usp para ascender)
Já a dos professores é bem mais cordata… são todos bons, apenas alguns usam a usp para ascenção, mas mesmo esses "acabam lutando por melhorias"nas condições da universidade.
Osvando S. Andrade
Genial, acertou em cheio. Professores no sentido forte do termo, na USP existem poucos, nas sua maioria usam o "selo USP" para projeção pessoal e conseguir vantagens simbólicas e/ou materiais. Os alunos, no fim espelham os mestres.
Osvaldo Andrade
Osvando S. Andrade
Genial, acertou em cheio. Professores no sentido forte do termo, na USP existem poucos, nas sua maioria usam o "selo USP" para projeção pessoal e conseguir vantagens simbólicas e/ou materiais. Os alunos, no fim espelham os mestres.
Triste fim. Mas fazer o que, né? Com admnistrações tão medíocres e atreladas ao capital, só podia dar nisso.
Osvaldo S. Andrade
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