Morte em Rondônia mostra péssimas condições de trabalho em obras do PAC

Tempo de leitura: 4 min

Toco (presidente do Sticcero, de preto) e Altair (vice, de vermelho) visitam o local do acidente ao lado dos engenheiros do consórcio

por Luiz Carvalho, de Rondônia, no site da CUT

No início deste ano, Francisco Maurício do Nascimento deixou sua casa, no interior do Piauí e, convidado por um amigo, seguiu por mais de três mil quilômetros para trabalhar nas obras do Consórcio M. Martins-EMSA, em Rondônia. O grupo é responsável pela construção de uma ponte que passará sobre o rio Madeira e ligará as cidades de Porto Velho e Manaus, no Amazonas.

A parte final da jornada, porém, durou somente dois meses e meio. Na tarde dessa terça-feira (29), com apenas 35 anos, ele faleceu enquanto realizava um serviço de marteleiro, atividade em que opera um equipamento semelhante a uma britadeira.

Segundo relatos dos trabalhadores e de engenheiros responsáveis pelo canteiro, cinco operários retiraram Nascimento de dentro do local onde executava a atividade – uma abertura com cerca de 1,90 metros de profundidade e 80 centímetros de diâmetro – e levaram-no em um carro da empresa para o Hospital João Paulo II, na capital rondoniense.

De acordo com relatório do atendimento, o trabalhador deu entrada às 14h05 e morreu 15 minutos depois por “mal súbito de origem desconhecida”.

Descartáveis

No dia seguinte, como se nada tivesse acontecido, os trabalhadores do canteiro de obras seguiam para os ônibus estacionados diante do escritório do consórcio. Falta de respeito? Insensibilidade? Não, exatamente. Um dos operários explicou o motivo. “O engenheiro falou para a gente que se não trabalhássemos iriam botar quatro faltas”, explicou um dos jovens ali presentes.

Esse é o retrato da relação entre empregados e empregadores na região do Rio Madeira e de quanto vale uma vida para muitas empreiteiras. Não fosse a intervenção do sindicato cutista dos Trabalhadores nas Indústrias da Construção Civil de Rondônia (Sticcero) e da Confederação Nacional dos Sindicatos de Trabalhadores de Construção e Madeira (Conticom), dialogando com os operários na manhã desta quarta (30), esse seria mais um dia comum sob o forte calor de Porto Velho. Após o diálogo, em homenagem ao companheiro, os operários resolveram cruzar os braços por 24 horas.

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Logo após a breve assembleia, dirigentes do Sticcero e da Conticom se reuniram com representantes das empresas para vistoriar a área do incidente e apurar as causas de mais uma ocorrência fatal nas obras da região. Incluindo a construção das usinas de Jirau e Santo Antônio, estima-se que sete pessoas já perderam a vida desde o ano passado.

Durante a reunião, os representantes do consórcio afirmaram que prestaram e continuarão oferecendo assistência à família, comentaram sobre a existência de um ambulatório no local com profissionais integralmente à disposição e negaram a cobrança por jornadas exaustivas para antecipar a entrega das obras.

Insalubridade e desvio de função

Porém, não foi o que os companheiros de Nascimento narraram pouco antes em encontro com nossa reportagem. A primeira falha, admitida pelos próprios engenheiros da M. Martins-EMSA, foi o desvio de função, já que o trabalhador era pedreiro e não poderia executar a função de marteleiro. O problema é agravado pelo fato do operário ter problemas cardíacos, informação confirmada pelo médico legista Otino Freitas, responsável pelo laudo do acidente. “Ele tinha um coração ‘aumentado’ e marcas de operação”, disse.

A responsabilidade das empresas poderá ser agravada se os exames médicos de admissão indicarem esse restrição e demonstrarem negligência das companhias. O Sticcero e a Conticom solicitaram esse documento, mas o consórcio se negou a fornecer, alegando que o registro é confidencial.

O médico comentou ainda que havia sinais de asfixia e embolia, informação que vai ao encontro de outros relatos dos trabalhadores. Segundo alguns deles, o tubo que reveste o local onde o Francisco Nascimento estava deveria ser cortado e retirado para facilitar a circulação de ar, algo que não aconteceu. Outros denunciaram que o trabalhador permaneceu durante boa parte do dia em uma situação absolutamente insalubre e enfrentou forte calor sem que houvesse revezamento entre funcionários.

Conversamos também com operários que desmentiram a existência de profissionais como enfermeiros no local. Segundo afirmou um deles, não havia ninguém no momento para realizar o atendimento, tampouco ambulância. “Isso aqui não existe”, contou.

Medidas legais

Para Flávio Orlando, advogado do Sticcero, cabe agora ao sindicato fiscalizar a emissão da Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT) por parte da empresa. – já que muitas não emitem para fugir de encargos trabalhistas –, quais as informações que o documento trará, o acompanhamento do consórcio à família do trabalhador e quais providências serão adotadas. “Nós também verificaremos se ele fez os exames médicos e quais os resultados, para chegar a alguma conclusão”, disse.

Em nota de cinco linhas, que reproduzimos a seguir, o consórcio lamenta o episódio:

“O Consórcio M. Martins/EMSA lamenta informar o falecimento do pedreiro Francisco Maurício Brito do Nascimento, ocorrido na tarde do dia 29 de março no canteiro de obras da ponte sobre o Rio Madeira. O colaborador de 35 anos sentiu-se mal, chegou a ser socorrido e encaminhado para o Hospital João Paulo II, em Porto Velho (RO), mas infelizmente veio a falecer. O Consórcio M. Martins/EMSA está prestando toda a assistência necessária aos familiares e amigos da vítima.”

PS do Viomundo: Trata-se de obra da usina Santo Antonio, no rio Madeira, a cerca de 100 km de  Jirau. Integra o PAC.

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Comentários

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Pitagoras

Não obstante méritos em algumas obras do PAC, constata-se o que sempre ocorreu em Brazuka, paraíso dos escroques: mais uma boquinha para políticos locais e empresários, ambos marginais, se locupletarem.

eusou

olha ´porque exixstem fiscais do ministério do trabalho?
eles que achem o que fazer e vão fiscalizar essas empreiteiras ao qual o país está atrelado por conta do modo capitalista e que nunca seguem com ética nenhum processo , é só fiscalizar e pronto se houver fiscal corrupto que se puna

Zé Mané

Isto é apenas mais um caso entre muitos! Um operario ou melhor um "peão"
que morre no trabalho não comove ninguém! Um pobre morrendo na fila do
hospital também não! Nesse Brasil só tem valor quem aparece na televisão!!!

    Ramalho

    Imagine que você contrate uma empresa para fazer reforma na sua casa e que um operário dessa empresa morra enquanto trabalha na sua obra. Você é culpado?

    Nesta, a culpa é precipuamente da empresa. Cabe ao MP do trabalho e à polícia investigar e levar, se for o caso, a questão à justiça.

    Ramalho

    Desculpe-me, a resposta não para você.

Klaus

Imagine o número de comentários que veríamos aqui se fossem obras do governo paulista. Não ia ficar pedra sobre pedra". Como é do governo federal, a culpa, e existe, é das empresas privadas.

    Ramalho

    Imagine que você contrate uma empresa para fazer reforma na sua casa e que um operário dessa empresa morra enquanto trabalha na sua obra. Você é culpado? Claro que não.

    Contratar obra não torna o governo federal mais responsável legalmente pela segurança de trabalhadores do que o é em qualquer outro empreendimento. Se o governo não é responsável pela segurança de trabalhadores em obra de sua casa, e nem você é, não o é também nas obras do PAC apenas por tê-las contratado. O responsável é o contratado, com quem, aliás, as relações do trabalhador se dão.

    A presumida culpa, diferentemente do que você erroneamente diz, não é do governo federal, mas das empresas privadas, isto é óbvio. Aliás, nas questões de relações com trabalhadores, há muito mais culpa das empresas privadas – que você quer inimputáveis nesta questão trabalhista – do que supõe a opinião pública.

    Cabe agora ao MP e polícia a investigação de ofício para apurar se houve dolo ou culpa e punir eventuais culpados.

Moacir Moreira

O que a mãe do PAC pensa sobre isso?

Capitalismo sem risco é assim.

Sempre as mesmas empreiteiras ganham todas as licitações.

Bonifa

Já escutei muita coisa contraditória sobre estes acontecimentos em Rondônia. De uma coisa estou certo: haviam grandes interesses internacionais que travaram por muito tempo qualquer desenvolvimento em Rondônia. Creio que tais interesses não morreram de todo. Talvez isso nada tenha a ver com aquilo. Espero uma bela reportagem do Azenha sobre o local, as pessoas e o fato, para pensar com mais segurança.

Ramalho

As obras do PAC são tocadas por empresas privadas. O governo entra nessa história apenas como contratante de empresas privadas no âmbito de um programa, o PAC. Embora seja verdade que as condições de trabalho são ruins em obras do PAC, é mais verdade ainda, no caso noticiado, que elas são ruins em obra do Consórcio M. Martins-EMSA. A manchete, portanto, deveria dizer que as condições de trabalho são ruins em obra do Consórcio Martins-EMSA, que faz parte do PAC.

Na presente história, o governo (o executivo federal) está sendo injustamente vinculado a malfeito de um consórcio que mal é citado na notícia. Compete à procuradoria do trabalho e à justiça do trabalho tomarem as medidas cabíveis, e, mesmo, à polícia, que tem de investigar a morte do trabalhador. Nesta, o governo está entrando de gaiato, pois o culpado, se há um, é uma empresa privada.

    Saulo

    Então o contratante ñ tem responsabilidade nenhuma?! Me poupe!
    Esse governo faz a mesma coisa q a Petrobras esta fazendo… tudo terceirizado….

    Ramalho

    Imagine que você contrate uma empresa para fazer reforma na sua casa e que um operário dessa empresa morra enquanto trabalha na sua obra. Você é culpado?

Eder Junior

isso td é falta de respeito ao meu primo pois eu estoou sabendo q no ato do acontecido naum teve nenhum atendimento no local e ele estã agora tirar o deles da retas o Francisco te familia que responde por ele e isso não vai ficar impuni

Carmem Leporace

Isso tem nome…. """Herança Maldita""" de um governo que viveu oito anos de gogó e propaganda, não passam de marqueteiros …. muita lambança, muita mentira….sobra incompetência pra todo lado.

Um governo que ficou oito anos engrambelando a peble ignara.

Eduardo

(parte2) O PAC, de agora em diante, também será o PAC dos direitos humanos. Tenham certeza que estes mártires já levaram um pouco mais de dignidade e de respeito aos direitos humanos aos confins do Brasil.
Em termos de exposição na mídia, essas paralisações forçaram a Globo, Folha de S.Paulo e Estadão a mostrarem o tamanho das obras do PAC. Elas são gigantes.
Voltando ao PAC. Espero que essa revolta sirva para humanizá-lo, porque grande, já imaginava que ele fosse, e com as imagens que eu vi nesses dias, agora tenho certeza que ele é.

Eduardo

É natural e compreensível, porém não aceitável, que abusos como este venham aparecer nas obras do PAC.
Estamos assustados porque estamos em uma democracia consolidada, e de dentro dos nossos lares, nos centros urbanos, não vislumbramos abusos como os cometidos nos canteiros de obras do PAC.
Estes abusos, no entanto, configuram um efeito colateral, que pode ser facilmente corrigido (basta aplicar a lei e fiscalizá-la) do crescimento que o Brasil atravessa. Desde os regime militar (em letras minúsculas mesmo) que temos obras gigantes, como foram, por exemplo, Itaipu e a ponte Rio-Niterói. Não sei, e não tenho muita certeza, se os trabalhadores foram tratados com muita dignidade nestas obras do passado.
Desde as grande obras dos militares que as empreiteiras, em suas relações umbilicais com os políticos, nadaram de braçada, e sempre se colocaram acima da lei. (segue)

ratusnatus

Não considero desvio de função como péssima condição de trabalho.
Pode um cardíaco ser pedreiro:
Não deveria ter se aposentado pelo INSS já que executa trabalho braçal:

    Eder Junior

    vc naum sabe de nada bosta, se é cardioco naum tem nada a ver pois ele fez o q muitos naum fazem é TRABALHAR

Morte em usina no Rio Madeira mostra péssimas condições de trabalho na obra | Blog do Artur Henrique

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