Nada Mudou

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Por Marco Aurélio Mello

por Marco Aurélio Mello

Em tempos de cólera a caça às bruxas virou guerra santa. Basta um argumento novo, uma ideia diferente, ainda que no mesmo campo ideológico, pronto, isso já é o bastante para acabar a conversa ali mesmo, no universo virtual.

Hoje nas redes sociais é assim: você leu algum texto ou comentário, ou viu um compartilhamento e ficou contrariado? Simples, é só banir o sujeito, bloqueá-lo e denunciar o conteúdo como ofensivo. Se quiser pode até lançar uma campanha de ódio contra ele.

No caso de relacionamentos interpessoais não é diferente. As pessoas se conhecem, trocam mensagens, se interessam umas pelas outras, às vezes se encontram virtualmente pela câmera, outras cara a cara, e dali a pouco você abre o computador ou celular e a pessoa desapareceu, virou fumaça.

Você tenta procurá-la e nada. Como dizia o robô de Perdidos no Espaço (1965): “sem registro, sem registro…” É assustador. Todos os arquivos, toda a memória, tudo desaparece, ou melhor, tudo se perde na nuvem, em bits, em códigos binários: 1001000100001010100100010010011000010100101001.

Linhas e linhas de zeros e uns soltas por aí.

Aí a gente para e pergunta: bom, mas o que mudou? Nada, apenas a forma. Antigamente quando a gente não gostava do valentão da escola o que a gente fazia? Chegava mais tarde, saía mais cedo, atravessava a rua, não frequentava a praça… Era assim nosso banimento.

Claro que um dia, súbito, o sujeito estava lá plantado como uma muralha na nossa frente. E se a gente não tivesse um par de tênis Nike infláveis ou ou skate sem rodinhas daqueles do De Volta Para o Futuro (1985) só nos restava ouvir: perdeu, playboy! E pow!!! logo em seguida.

Nessas horas sempre havia um irmão mais velho, ou uma autoridade de plantão, para por o engraçadinho no seu devido lugar. Mas às vezes o socorro só chegava depois de um olho roxo, um braço quebrado e tal. Posso garantir que a dor física era maior do que a virtual.

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No caso de disputas político-ideológicas passou a ser uma questão de alinhamento: como na Matrix (1999), ou você escolheu a pílula azul, ou a vermelha. Aí, meu irmão, a depender da cor, segura: basta estar online para o monstro te encontrar na forma de um andróide invencível. Um não, dois, gêmeos.

Vamos aos relacionamentos. Rolou um affair. Paixão intensa, sexo delicado ou selvagem, não importa. Passado um tempo aquele amor “líquido” escorreu pelo ralo. Como num banho de Psicose (1960). Só que, de volta ao passado, eu pergunto: como era antes?

Antes era assim: você nunca mais procurava a pessoa, trocava os amigos, desligava a campainha do telefone, deixava de escutar os recados do gravador da secretária eletrônica, mudava de escola, de trabalho, de cidade… Passado um tempo o sentimentos avassalador morria em você. Sobrava apenas uma vaga lembrança na memória, memória que sempre teima em guardar os melhores momentos.

Pensando bem é tudo igual, só que mais rápido. E quando a gente se dá conta a vida passou, como filme. Por isso, minha gente, se cabe um conselho, eu digo: o tempo, o espaço, a matéria… nada existe. Ame! E ame com vontade. Porque de uma hora para outra a luz acende, a porta da sala se abre e os espectadores vão deixando o local, calmamente…

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Marco Aurélio Mello

Jornalista, radialista e escritor.


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