Em escalada autoritária, Trump desafia a Justiça e perde; republicanos censuram palavras da viúva de Martin Luther King
Tempo de leitura: 3 minSessions foi acusado de suprimir votos de negros pela viúva de Martin Luther King. Nomeado por Trump para ser “ministro da Justiça”, a acusação não pode ser repetida agora no Senado dos Estados Unidos
por Heloisa Villela, de Nova York
Dois milhões de clicks em menos de uma hora. O vídeo não tem imagens fortes, mulher seminua ou algum flagrante incrível.
Trata-se apenas de uma senhora de 67 anos lendo uma carta na porta do Senado americano.
A mulher, no caso, é uma senadora. Elizabeth Warren, do estado de Massachussets, gravou um vídeo simples mas mostra o poder que as palavras ainda tem.
Ela leu, diante da câmera, uma carta escrita pela viúva de Martin Luther King, Coretta King, em 1986 se opondo à indicação do então promotor público Jeff Sessions para o cargo de juiz federal.
As palavras de Coretta, nos anos oitenta, alimentaram a oposição de vários democratas e republicanos e impediram a promoção de Sessions.
Agora, interessados em confirmar a indicação de Trump para o Ministério da Justiça, os republicanos acharam melhor calar Coretta caçando a palavra de Elizabeth.
Mitch McConnell, líder da maioria no Senado, disse que Elizabeth feriria as regras da casa se usasse a palavra para criticar um colega. Sessions, hoje, é senador. Mas o argumento é uma falácia.
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Indicado para o cargo de Ministro da Justiça, ele tem que passar pela sabatina do Senado e ouvir as críticas dos colegas.
A proposta de caçar a palavra de Elizabeth foi votada e os republicanos seguiram o líder.
Aprovaram a medida sozinhos (49 votos) apesar do voto contrário de todos os democratas (43 votos).
Elizabeth usou o recurso do qual dispõe: as redes sociais. E repetiu as temidas palavras de Coretta Scott King.
Em 1986 e agora, através de Elizabeth, ela informou o Congresso que Jeff Sessions, “como promotor público do Alabama, usou o poder do cargo para dificultar o livre exercício do voto dos cidadãos negros do distrito sobre o qual tinha jurisdição. A conduta dele como promotor público levando adiante casos fraudulentos de supressão do voto negro e a indiferença com relação às violações criminosas da lei de direitos civis mostram que ele não tem o temperamento, o senso de justiça e juízo necessários para ser um juiz federal. Acredito que a confirmação dele teria um efeito devastador, não apenas no Sistema jurídico do Alabama mas também no progresso que fizemos em toda parte”.
Sem dúvida um relato forte. Que poderia influenciar a decisão de três ou quatro senadores republicanos.
E isso é tudo que os democratas precisam. Três votos republicanos contra a indicação de Sessions derrubariam o candidato. Mas ao que tudo indica, o partido decidiu se abraçar a Trump, com todos os twitters enlouquecidos e as pretensões ditatoriais do empresário.
Ele agora aguarda a decisão da corte de apelações federal, em São Francisco, sobre a ordem executiva que barrou a entrada de muçulmanos de sete países nos Estados Unidos.
A argumentação dos advogados de Trump deixa claro que eles colocam as decisões do atual presidente acima de qualquer poder. Inclusive o judiciário. [Nota do Viomundo: Numa decisão surpreendente, Trump perdeu por 3 a 0]
Minha vizinha, uma advogada que trabalha para a organização Legal Aid foi direto ao ponto: “ele está tentando ser um ditador. Vamos ver o que os juízes vão dizer”.
Se a corte de apelação confirmar a decisão federal e suspender a ordem executiva de Trump, o Departamento de Justiça certamente vai levar o caso à Suprema Corte, que está desfalcada.
Tem oito juízes no momento e não nove como de costume.
Um juiz faleceu no ano passado e os republicanos se recusaram a sabatinar o nome indicado por Barack Obama. Decidiram esperar oito meses para falar do assunto apenas após as eleições.
Na atual composição da Suprema Corte existem quatro juízes de viés conservador e quatro mais liberais ou moderados. O caso pode acabar em empate. E aí, fica valendo a decisão do tribunal de apelação.
Resta saber se os juízes, federais e do supremo, vão embarcar na era da mordaça e conferir todo poder a Trump ou vão se rebelar e reafirmar o sistema de três poderes onde os três têm força e atribuições específicas.
Na porta do elevador do meu edifício alguém colou um recado listando os sinais de que o fascismo avança.
Na lista: nacionalismo poderoso, desprezo pelos direitos humanos, usa um inimigo como forma de unificar a causa, supremacia militar, sexismo galopante, controle da mídia de massa, obsessão com a segurança nacional, religião e governo entrelaçados, proteção do poder das corporações, supressão do poder da classe trabalhadora, desprezo pelos intelectuais e pelas artes, obsessão com crime e punição. A lista foi copiada de uma placa afixada no Museu do Holocausto, em Washington, capital dos Estados Unidos.
Abaixo: a senadora impedida de falar e a leitura da carta do lado de fora do plenário do Senado
Comentários
Pedro Pereira
https://www.youtube.com/watch?v=-mAxcwBTWj4
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